Fosse a vida acompanhada por banda
sonora contínua e essa seria feita pela viagem sónica dos Colour
Haze. Acordes duros marcados pelo balanço do imprevisto, melodias
ora melancólicas, ora de esperança, e o aparente improviso de uma
secção rítmica pronta a descobrir novas saídas para o novelo
intrincado do destino. Provam-no os germânicos que predestinação é
o conforto dos pouco audazes. Talvez estejamos a exagerar. Terá a
vida nuances que abrem espaço para outras bandas sonoras. Certo é
que se houvesse uma no fim-de-semana de Agosto passado no Moledo, na
edição de 2017 do Sonic Blast, onde não couberam todos os que lá
queriam ter ido, seria a da banda liderada pelo guitarrista/vocalista
Stefan Koglek, em dois dias marcados pela genialidade dos Kikagaku
Moyo e o stoner e a loucura dos The Great Machine, que aterraram pela
primeira vez em Portugal para espalharem mensagens de amor.
O Moledo, no Alto Minho, é, no
fim-de-semana do festival, uma vila diferente. Há anos colónia de
férias da elite do Porto que foge das praias da Foz para o paraíso
do concelho de Viana do Castelo é, também, há pouco mais de uma
década, refúgio de um pequeno nicho para quem foi criada uma vila
dentro de outra onde o rock se faz de forma relaxada. Chame-se
Stoner, doom, sludge, desert, psicadélico e outras designações que
o ponham numa prateleira que facilita a vida a quem vive da
organização feita por rótulos. Nada contra eles. Cairemos na mesma
tentação de os usar (já o fizemos).
Voltemos já a seguir esse mesmo
caminho (também nos facilita a vida). Se há rótulo que encaixa sem
qualquer dúvida no que os israelitas The Great Machine fazem é o do
stoner rock. Não fazem eles outra coisa. Isso se pensarmos apenas no
instrumental. É no sector lírico que fazem a diferença e é aí
que ganham pontos.
Enquadremos. Viver numa zona do globo
constantemente em tumulto é coisa que cá, na maior parte dos casos,
é coisa desconhecida. É aí que os de The Great Machine se
destacam, suportados por composições a nível instrumental que
pouco acrescentam ao género supracitado. São mensagens de amor,
alicerçadas na esperança de que é aí que reside a resposta para a
resolução de conflitos, à partida sem resolução. Sim, também
parece não ser nada de novo o que está por detrás da temática.
Repetimos e voltamos a sublinhar as raízes dos israelitas.
Diziam-nos em entrevista que é esse o caminho para resolver um
conflito, do qual preferem não falar, que é mais político do que
outra coisa qualquer. Mas não é só aí que ganham pontos.
Apresentam-se ao vivo com a atitude que recuperam directamente dos
90, da génese do género. Há uma dose de loucura e uma atitude
relaxada que lhes permite garantir a atenção de quem os vê a abrir
o palco principal, no primeiro dia, depois de terem actuado no palco
da piscina, entre outros, os portugueses Black Bombaim e os Stone
Dead.
É este dia cheio de coisas boas. Da
“jam” dos suecos Yuri Gagarin prova-se que o lugar de banda
revelação dos últimos anos dentro de uma vertente mais espacial é
merecido. Não tivessem os suecos nome de astronauta russo.
Conseguiram os Elder, a promover o novo Reflections of a Floating
World, uma actuação mais do que competente, mas sem eriçar pêlo.
O doom/sludge dos Monolord não falhou na criação de um ambiente
envolvido em distorção e não desiludiu quem já os tinha visto no
SWR Metalfest de há dois anos.
Mas foram os Kikagaku Moyo a conseguir
dar aquele passo mais além da indiferença. Os japoneses que
começaram a tocar nas ruas de Tóquio têm apenas três álbuns, mas
a maturidade de uma banda veterana. Conjugam o lado mais psicadélico
em doses perfeitas com a vertente de raiz mais folk (japonês) que
lhes confere o ambiente mais místico e mais ancestral. De resto, é
esta conjugação que os catapulta para um patamar de destaque num
cartaz maioritariamente apoiado no fuzz. É possível que para eles
seja algo de muito natural apoiarem-se nas raízes. Mas são estes
riscos que os tornam em algo oposto à ideia do epíteto de “apenas
mais uma banda” num género por si já saturado. Cinquenta minutos
chegaram para desfazer as dúvidas.
Foram os Colour Haze, entre os
veteranos Acid King, os enérgicos Orange Goblin e os dispensáveis
Dead Witches que garantiram o momento mais alto da segunda noite e do
festival. Há uma sensibilidade rara nestes alemães difícil de
encontrar em qualquer banda. Se a guitarra de Koglek convida à
viagem e o baixo de Philipp Rasthofer serve de dínamo, é a bateria
de Merwald que se intromete na previsibilidade. Não há nada de
previsível nos Colour Haze. Há sim uma sincronia e sintonia que não são comuns. A bateria é intrincada quando tem que ser, o baixo às
vezes parece veludo e a guitarra pinga sensualidade. Fica a voz de
Koglek ao vivo mais longe da genialidade, mas sem comprometer em nada
a performance.
Houvesse quem tivesse torcido o nariz
ao último álbum, In Her Garden, só com muita má vontade não
mudaria de opinião. Skydancer serviu de convite à redenção dos
corações duros, que se ainda assim não ficaram convencidos, ao
menos que se tivessem agarrado ao passado com Transformation. Há
quem tenha garantido que enquanto tocavam uma estrela cadente passou
por cima do palco. Prenúncio da noite estelar dos Colour Haze que se
despedem com a promessa de cá voltar.