Cartaz: "Os Mutantes", de Teresa Villaverde (Imdb)
OS MUTANTES
Portugal, França, Alemanha, 1998
Ficção, 35mm, cor, 117 min.
Não é apenas frase popular, estudos em psicologia indicam que a primeira impressão é a que fica. Felizmente nem sempre é assim. Existem outros factores tão ou mais importantes. No entanto, não acontece só quando conhecemos alguém, a primeira impressão ocorre também com os filmes que visualizamos. Há sequências que ficam retidas de modo mais particular na memória visual de cada sujeito. Depende de vários factores: da condição emocional, do contexto, do que mais afecta; até mesmo o inexplicável entra nessa fórmula. Oliver Sacks soube explicar como funcionam os mecanismos do cérebro. Nesse contexto, cabe ao realizador decidir qual a primeira sequência do filme.
Serve de exemplo, o início de Apocalipse Now, em que uma série de alegorias representam uma panóplia de significados. O fogo representa o Hades, lugar onde se concentra o sofrimento; o helicóptero, que é substituído pela ventoinha, a guerra. O início de um filme pode ser o ponto culminante de toda a trama. O filme realizado por Francis Ford Coppola não serve de comparação, narrativamente falando, com o filme "Os Mutantes" de Teresa Villaverde; ainda assim, encontramos dois pontos em comum nos dois filmes, os protagonistas aparentam estar com os pensamentos estáticos num momento de contemplação quase hipnótico que servem de preliminares para o desenrolar da narrativa.
Ana Moreira (Andreia), Os Mutantes
Durante dois anos, a cineasta, que tinha como ideia inicial realizar um documentário sobre o tema da infância em Portugal nos anos '90, conta como tudo surgiu, referindo o episódio de quando o seu irmão se encontrava no Alentejo numa expedição arqueológica e foi interrogado por uma criança sobre a existência de naves espaciais em Lisboa.
O filme que atingiu a maioridade faz hoje 20 anos. Na actualidade, se o desafio fosse lançado, não teria a mesma capacidade para o desenvolver, porque esta geração jovem é diferente e a idade da autora no tempo d'Os Mutantes não era tão diferente da dos actores, por isso, há 20 anos conseguiu, facilmente, aproximar-se do tema; responde a cineasta. Teresa Villaverde enquanto desenvolvia a ideia pensou como género o documentário. Por falta de condições a ideia ficou na gaveta, mas os personagens não lhe saíam da cabeça. Assim que se tornou possível passá-la para a prática, alterou o género para ficção. "Há sempre os que querem sair, os miúdos que infringem e que desobedecem as regras, são esses os chamados Mutantes", diz a autora.
Alexandre Pinto (Pedro), Os Mutantes
Tanto na música, como nas artes plásticas, quanto no cinema, os temas da alienação social, a auto-dúvida, o isolamento social/isolamento emocional, o abuso, a negligência, a traição, trauma psicológico e o desejo de liberdade são matéria para exprimir as frustrações vividas nessa época.
Paralelamente, em Portugal também se vive a temática no cinema português, não só com Teresa Villaverde que passa pela fase da interrogação do estado de Portugal; Pedro Costa, António Pedro-Vasconcelos, João Botelho, Manuela Viegas também se interessam pelo tema da crise de identidade.
Hoje, a crise de identidade é sentida de outra forma. Os jovens que representam o futuro temem-no por causa da desesperança que sentem na incógnita do amanhã. Nesse sentido, "Os Mutantes", ainda que com 20 anos de existência, continua a retratar uma problemática actual.
Texto: Priscilla Fontoura
Filme: Os Mutantes, 1998
Realizadora: Teresa VillaVerde
Onde: Museu de Arte Contemporânea Serralves, Auditório de Serralves
Quando: 16 - 25 Novembro, Retrospectiva Teresa Villaverde; 16 de Novembro "Os Mutantes"