Glassjaw envelheceu ao lado da geração que a ouviu. No contexto mais generalista da música, os nomes Daryl Palumbo e Justin Beck não são assim tão sonantes. Para quem viveu nos anos noventa, e tinha como uma das referências musicais o hardcore, já deve ter ouvido pelo menos falar da banda nova-iorquina Glassjaw.
Em Long Island surgiram bandas como Silent Majority (1990 – 2000) e Sons of Abraham (1994–1998), das quais faziam parte elementos da banda que viriam a formar posteriormente: os Glassjaw, banda que trouxe inovação e uma ruptura com o hardcore tradicional que se fazia por aqueles lados. Mesmo saindo da caixa do hardcore clássico, o percurso de Glassjaw não foi fácil, tampouco tiveram a vida facilitada.
Ao longo da carreira, a banda sofreu várias alterações na formação. Em 2000, lançam o Everything you need to Know about Silence pela editora americana Roadrunner Records (editora com a qual tiveram uma cisão pouco amistosa). Apesar do álbum ter sido produzido pelo produtor Ross Robinson (associado a bandas como Korn, Slipknot, Machine Head, etc), Glassjaw distingue-se das demais. Todos os membros introduzem as suas particularidades, Daryl Palumbo o seu jeito passivo-agressivo, costuma citar outros artistas em tom de homenagem, entre eles Frank Zappa, Tori Amos, Gravediggaz; Justin Beck riffs frenéticos e delirantes (além de Palumbo, é o único membro que se mantém desde a formação da banda); Manuel Carrero não se limita a seguir as tonalidades da guitarra, mas desprende-se para conferir personalidade e muito groove; Durijah Lang não se prende ao groove e a ritmos base, orientados pela precisão e resistência, o baterista aplica também muito swing.
Escrever sobre Glassjaw não é tarefa fácil. Acaba-se, quase sempre, por entrar no campo pessoal, porque, tal como as gerações, eu também envelheci a ouvir Glassjaw. Mas não será assim quando se fala da música que ouvimos, que fez e faz parte da nossa existência e que contribuiu para o nosso crescimento? Não será a música das poucas e especiais presenças nos momentos mais sombrios e desesperantes, que nos transporta para outros lugares? Uma das inúmeras capacidades da música é esta, acrescentar e evidenciar algo. Um verdadeiro bálsamo.
Álbum que consumi bastante na altura e que revisito por vezes, quando sinto necessidade de regressar à adolescência. Estamos em 2000. A quantidade de malta que gostaria de tê-los em Portugal contava-se pelos dedos das mãos e dos pés, e no #glassjaw (canal do IRC) éramos sempre os mesmos, não estou a contar com quem ainda não tinha acesso à internet; no entanto, havia revistas, zines à venda, provenientes sempre do estrangeiro e a Virgin megastore, entre outras.
A verdade é que o tempo não volta atrás e a nostalgia é sentida. A voz melódica e gritada de Palumbo é inconfundível, assim como toda a agressividade inerente ao sentimento de dor e revolta que carrega nas letras que escreve (não fossem elas baseadas muitas vezes na sua experiência com ex-namoradas). Everything you need to Know about Silence é um álbum histórico. Um hino à juventude e a todas as intempéries a que podemos estar sujeitos. É um diário aberto num dia de sol, que digerido rasga como lâminas. Basicamente, ou se tem empatia ou não; e quando atravessamos a adolescência para uma juventude presa a dúvidas existenciais, tudo é sentido a dobrar.
Em 2002, lançam o Worship and Tribute, desta vez pela mão da Warner Bross e produzido novamente por Ross Robinson. Podemos afirmar que, se compararmos com o primeiro álbum, é um registo mais optimista, uma homenagem às pessoas que os influenciaram musicalmente. Palumbo, em The Gillette Cavalcade of Sports (secção rítmica do camandro), cita Frank Zappa Life's a ball / I run the world from city hall, um momento exploratório de ritmo e groove, cujo ouvinte é levado para uma viagem a passar pela alucinogénica. Ser original também implica ter referências, somos moldados por aquilo que escolhemos artisticamente, quer queiramos quer não. Encontramos um álbum mais coeso liricamente, que aborda questões tão actuais, como por exemplo, a da gentrificação; sente-se, por isso, uma maturidade em relação ao passado. Especula-se sobre o tema Ape dos Mil, será uma resposta ao que escreveu em Everything you need to Know about Silence? Não passam apenas de especulações, mas sabe-se, pelo menos, que Worship and Tribute foi fortemente influenciado pelos acontecimentos do trágico 11 de Setembro (9/11) ocorrido em 2001.
Os hiatos foram muitos e muitas vezes são necessários (hiatos não significa ficar parado artistica, nem pessoalmente). Todos sabemos da doença de Palumbo desde o EYNTKAS, e todas as implicações que uma doença (séria e incapacitante) acarreta na vida de alguém, levando também a vários cancelamentos de concertos. Em 2017, Material Control é lançado, após 15 anos sem produzirem trabalhos de longa duração, sendo que também é o primeiro álbum sem a participação de Todd Weinstock. Lançar discos todos os anos que nada trazem de novo é uma perda de tempo para quem ouve, e raras são as bandas, nos dias de hoje, que realmente transmitem algo que importe, que tenha conteúdo, que seja real e genuíno. O disco foi produzido pelos Glassjaw, numa filosofia que sempre os caracterizou, a DIY. O tema Shira devolve aqueles Glassjaw que nos habituaram a refrães catchy e gritados em uníssono. Palumbo e Beck referem que a temática e a emoção escolhidas para Material Control seria a de um ambiente pós-apocalíptico, excepto o tema Golgotha que aborda uma fase de transição na vida de Palumbo porque tornara-se um homem de família.
Texto: SP
Concerto: Glassjaw
Datas: 22 e 23 de Junho de 2019
Locais: Hardclub, Lisboa ao vivo, respectivamente
Promotora: Amazing Events
Concerto: Glassjaw
Datas: 22 e 23 de Junho de 2019
Locais: Hardclub, Lisboa ao vivo, respectivamente
Promotora: Amazing Events