Escreveram-no ainda na estrada aquando da digressão do Dying Surfer Makes His Maker . Qualquer um que o procedesse seria uma afront...

Música para os meus ouvidos: Sugestão Sleeping Through the War, ALL THEM WITCHES


Escreveram-no ainda na estrada aquando da digressão do Dying Surfer Makes His Maker. Qualquer um que o procedesse seria uma afronta ao que considero ser o Cálice Sagrado dos ALL THEM WITCHES. O antecessor de Sleeping Through the War é um álbum que marca qualquer um. Músicas como Call me Star, This Is Where It Falls Apart, Open Passageways, Talisman enchem a alma de qualquer um que no isolamento precisa de alguma consolação:

 I'll stay awake 'cause after all, everyone deserves a crown of light. 

Sleeping Through the War não agrada numa primeira instância a quem tanto se envolveu com o anterior. Talvez por haver uma transição entre uma criação isolada e uma criação em grupo. Nem todas as bandas conseguem entender-se reciprocamente na linguagem criativa. Não é o caso da banda de Nashville que exprimindo-se consegue não perder a identidade individual quanto se funde no colectivo. Sleeping Through the War vai agradando, vai entrando e eis que se entranha. 

Os ALL THEM WITCHES são uma banda que não espera muito para lançar o resultado da criação. Demorou semanas até terem o Sleeping Through the War fechado. Ainda assim, existe cada vez mais, de álbum para álbum, uma preocupação latente na voz de Parks. Uma agitação audível que nem sempre é cantada. Há elementos que separam bem os álbuns e elementos que indicam um amadurecimento que faz dos ATW uma das melhores bandas rock que actualmente temos por aí. 

Este mais recente álbum tem ritmos mais acelerados, em comparação com o anterior, e um registo que às vezes se confunde não somente com os elementos costumeiros dos ATW, mas com novos elementos como um registo mais grunge. Exemplo disso é a Don't Bring me Coffee, na qual Parks parece confrontar-se com a realidade fechada de uma cidade pequena. Interpretada por uma voz que nos remete a um Cobain, acompanhada pela guitarra de Ben McLeod, destemido na experimentação, cheia de riffs tiradas de um In Utero e uns solos que se confundem às vezes com Candlebox. A sua produção parece que foi manejada por Steve Albini, mas não. Todas as vénias são dadas a Dave Cobb e são bem merecidas.

Enquanto percorremos o álbum ouvimos Bruce Lee. Bruce Lee marca ambientes que parecem mais vulgares no Norte dos EUA e não no Sul. E é nesta criação surpresa que vamos absorvendo o álbum até ficarmos inebriados e completamente viciados. 3-5-7 começa compassadamente com ambientes sedutores e hipnóticos:

 Tell me how much can I convince you to stomach 

e vai brincado com a palavra focus. Como que se estivesse numa viagem nublada que precisa, conforme vai perdendo a concentração, focar a retina para não perder o caminho. Ao longo do álbum vivemos experiências mais descomprometidas como outras mais sérias. Am I Going Up? empurra os conscienciosos para além da realidade. Para onde vamos afinal? A pergunta existencialista leva-nos à reflexão e o ritmo é coerente e pouco disperso. Introspectivo. Há ambientes, tal como o efeito utilizado na guitarra de Ben e a introdução de vozes femininas, que remetem ao espectro Tool e A Perfect Circle. Allan Van Cleave e o seu Hammond cheio de efeitos influenciados em Carpenter e bandas sonoras que revivem os anos 80 ao estilo Stranger Things vai entrando lentamente e criando uma atmosfera cada vez mais intensa.

Em Alabaster, Parks diz conhecer a cara de todos e a percussão parece ouvir-se da montanha numa espécie de ritual xamânico. A introdução de Ben em Alabaster é tão icónica que desencadeou na venda de um pedal com esse efeito. É uma música que não só o leva às memórias de infância como que grosso modo abre-se à improvisação. Até que se mete um contratempo que nos faz sorrir por ter sido uma aposta inteligente. Ninguém contava com ele. Em Cowboy Kirk, Parks entra com deambulações vocais estilo country quase em tom de gozo. Em todo o álbum as guitarras de Ben distinguem-se, com solos que nos introduzem a vários mundos. Não podia terminar sem referir Robby Staebler, que em todo o álbum é contido e é ele quem nos guia nesta viagem tão cósmica.


Texto: Priscilla Fontoura