ADORAVELMENTE FORA DE CIRCUITO Resumo Há artistas musicais que nunca alcançaram sucesso ou reconhecimento do meio  mainstream  m...

MÚSICA OUTSIDER


ADORAVELMENTE FORA DE CIRCUITO

Resumo
Há artistas musicais que nunca alcançaram sucesso ou reconhecimento do meio mainstream mas que colheram uma legião de fãs e tornaram-se autênticas figuras de culto para um nicho de melómanos que fascinados pelo que não é convencional e pelo supra sumo do peculiar se dedicaram a colecionar e a projectar artistas que por praticarem a sua música de forma tão unicamente bizarra, ingénua e extremamente sincera continuam a encantar os melómanos com os ouvidos mais abertos.

Palavras-chave: underground, obscure, outsider, peculiar

1 - Introdução a Shooby Taylor
Shooby Taylor de seu nome William H. Taylor nasceu em 1929 e foi um músico que se especializou em Jazz Vocal, chegando a ser conhecido como “a corneta humana”. Em 2017 foi editada uma compilação dupla que regista os seus temas mais conhecidos e os que chegaram a ser gravados. O seu talento para o jazz vocal foi conhecido pelo público ao ser incluído na famosa compilação Songs in the key of Z que se dividiu em vários volumes e que deu a conhecer muitos músicos da esfera musical conhecida como “outsider music”. O talento vocal de Shooby Taylor pode ser considerado inegável, no entanto, algumas das letras não passam de uma aglomeração melodiosa do que parecem ser onomatopeias e algum gibberish à mistura, seja acompanhado por órgão carismático ou por coros femininos, Shooby Taylor manteve o seu estatuto de “corneta humana” até ao fim da sua vida em 2003, chegando ainda a figurar no documentário “Outsider”.



2 - Beat poetry em LSD
Bingo Gazingo de seu nome Murray Wachs nasceu em 1924 em NYC e tornou-se um poeta relativamente conhecido por recitar e declamar pelas e no meio das ruas da grande metrópole dos EUA. O seu género de poesia evoca imagens surreais e é de um imaginário lírico bastante imaginativo, tanto que pode ser considerado como beat poetry. Um autêntico beat poet habituado às ruas que viu o seu trabalho ser editado em dois discos, o primeiro homónimo em 1997 e o segundo em 2013 intitulado “I’m so used to losing”. O seu trabalho acabou por figurar (assim como Shooby Taylor) na compilação “Songs in the key of Z” e tendo participado igualmente no documentário “Outsider”.



3 - Acústico e sincero
Dan Knudsen nasceu em 1974 nos EUA. Tem cinco discos de originais editados e fora esses, alguns de tributo e até compilações. O seu som mescla folk tradicional americano com o universo pitoresco de um músico que canta e toca canções de amor, seja em declarações românticas ou narrações de relacionamentos idílicos. A sua sinceridade é desarmante, assim como a sua aparente ingenuidade em que revela que é um cavaleiro dinamarquês  que busca a sua princesa acorrentada num castelo e afirma “Baby, I’ve got to save you, in this creepy place I’ll not leave you.” Há muitas canções em todos os discos que editou e pérolas essenciais para descobrir.



4 - Duo acústico
Ornamental Wigwam foi um projecto de curta duração nos finais dos anos 80 composto pelo guitarrista e baixista de Dead Milkmen. Abriram para algumas bandas nos EUA em recintos pequenos e editaram apenas uma canção na compilação “You are soaking on it”. O som é essencialmente duas guitarras e líricas como por exemplo sobre o desejo de ser um vegetal e as vantagens que isso acarreta. “The life of a tree is the life for me, standing tall, swaying on the breeze on someone’s backyard, life ain’t so hard, soaking in the sun, having lots of fun, oh yeah.” Um novelty act bastante interessante e para ser revisto.


5 - Pop rock de salão
Jan Terri ou Janice Spagnolia nasceu em 1959 nos EUA e editou quatro discos de originais. O som é essencialmente pop rock mesclado de algum sentimentalismo um pouco gratuito. Suponho que seja bom para ouvir num pub depois da meia-noite enquanto se bebe martinis com azeitona em palito e se fala de como a/o nossa/o ex nos atraiçoou. O seu disco de estreia “Baby Blues” é bastante complicado de ouvir e os solos esporádicos de guitarra destoam um pouco das melodias estabelecidas, no entanto, os temas carregam uma sinceridade tão pura que é quase impossível resistir. O seu último esforço foi o vídeo “Ave Maria” de 2015 que se tornou viral e que mostra uma Jan Terri a fazer coreografias nas nuvens enquanto o clássico Ave Maria toca com uma beat moderna e de traços electro pop. A música pode não ser de alta qualidade ou fidelidade mas o coração que a faz, está certamente no sítio certo.


6 - Folk progressivo e LGBT
Peter Grudzien nasceu em NYC e editou onze discos de originais. O seu som é um country tradicional com laivos psicadélicos e líricas de cariz LGBT, praticando um country assumidamente homossexual, o que vai de encontra ao paradigma geral do country extremamente heterossexual feito por homens brancos e “machos”. Peter Grudzien canta sobre unicórnios ao invés de cavalos e afirma que “the whole world is gay”. Um singer songwriter que teve e tem bastante para dizer sobre o retrato supostamente idílico do americana, uma contra-corrente saudável e um folk country progressivo que dá gosto ouvir.



7 - Surrealismo ao telephone
John Trubee and the Ugly Janitors of America formou-se na California, USA e editaram oito discos sendo que o mais recente é de 2008 e intitula-se “Satan Killed me today”. O primeiro disco tem o título sugestivo “The communists are going to kill us!” editado em 1984 que mistura chamadas de telefone inusitadas com momentos jazz, passagens noise rock, monólogos arrojados e surreais, e electrónica destemperada. As chamadas ao telefone são hilariantes e que roçam um pouco a idiotia como a pergunta se “are the bread crumbs shredded.” É um gosto adquirido como queijo gorgonzola mas são definitivamente registos interessantes.




8 - Space Age pop
Lucia Pamela nasceu em 1904 nos EUA. Em 1969 saiu o lendário “Into Outer Space with Lucia Pamela”, músicas sobre viajar no espaço e com vocalizações por vezes inusitadas mas orgulhosas de como é fixe andar na lua. Foi um novelty act na altura e transformou-se num autêntico objecto de culto na contemporaneidade. Os ritmos dixieland conseguem colorir na perfeição as líricas e voz de Lucia Pamela. Uma astronauta, seguramente.



9 - “Bigger than The Beatles” – Frank Zappa
The Shaggs formaram-se em 1967 e o seu disco “Philosophy of the World” mudou e moldou o espectro da música outsider agora e para sempre. É notório que a baterista e a guitarrista tocam cada uma para seu lado e a vocalista perde o tom muitas vezes mas existe uma doçura e coração nas composições que é muito difícil de atingir. OFF – BEAT , completamente mas estranhamente melódico. O disco conseguiu ao longo dos anos reunir uma legião de seguidores que trouxeram o disco à luz e realçar as suas francas qualidades pop. É um disco único a que se deve dar mais do que uma chance.


Conclusão
O mundo da música supostamente outsider vai crescendo e alimentando os ouvidos de quem procura alma e coração nas composições mesmo que aparentemente bizarras e inusitadas. É fascinante e sempre desarmante os limites que se conseguem transpor quando se possuiu instrumentos musicais ou apenas uma guitarra e se canta o que se vai na alma. Manter os ouvidos bem abertos porque nunca se sabe o que se pode encontrar.

TEXTO: CLÁUDIA ZAFRE