Resumo
Armados com caneta e
papel ou então com o dom do improviso, são muitos os músicos de Hip-Hop que
através do seu flow descrevem vários estados de consciência, contestam a
realidade social ou contam histórias reais que satirizam o estado das coisas. São
mensagens de rebelião em verso que podem rimar ou não mas que partem do íntimo
do ser. É poesia com ritmo e em perpétuo movimento.
Palavras-chave: consciência, Hip-Hop, flow
1 - Introdução a Aesop Rock
Samples
surpreendentes, flow desembaraçado de poesia abstracta mas consciente e
aplicável ao mundo real, batidas inventivas e que servem de backdrop para a voz
única e peculiar de Aesop Rock, constituem o trabalho do músico norte-americano
que já conta com oito discos de longa-duração editados. Nascido em Nova Iorque
e com o nome Ian Matthias Bavitz, adoptou o nome Aesop Rock. Editou em 1997 o
disco MUSIC FOR EATHWORMS, composto por doze temas, é uma boa ponte
de entrada para o castelo de Hip-Hop que Aesop Rock foi construindo ao longo do
anos. É também um disco que ajudou a definir um género e a solidificar o Hip-Hop experimental e cerebral. Um estilo de Hip-Hop mais abstracto e que não
tem medo de usar samples de géneros musicais aparentemente inusitados, tais
como ópera.
Foi editado de forma
independente e é o primeiro de um músico que se foi tornando cada vez mais
interessante e particular na sua abordagem ao Hip-Hop.
É em FLOAT, editado em
2000, que Aesop Rock definiu e inscreveu em pedra o seu estilo. Letras complexas
e, por vezes, crípticas, batidas firmes mas por vezes suaves e jazzy que assim
como o nome do disco indica, nos fazem flutuar. O flow é rápido e oferece-nos
refrões e versos que nos ficam na cabeça, com uma consciência urbana visceral e
de certa forma, contestatária. Aesop recria paisagens urbanas com a delicadeza
e perspicácia de um eterno observador das ruas que não se contenta em recriá-las
mas em oferecer a sua visão inteligente e romantizada.
O disco que se segue,
LABOR DAYS editado em 2001, garantiu o seu espaço no mundo do hip-hop mais
alternativo. São quatorze temas, uma autêntica rapsódia, um disco forte e coeso
que oferece alguns temas que se destacam pela sua genialidade de composição de
beats e letras, como é o caso de Daylight, No regrets e Nine to Fivers Anthem.
Daylight é uma música sobre a vida e de como ela nos cospe na cara às vezes,
mas o segredo é limpar a cara, erguer o queixo e continuar.
Life
is not a bitch
Life
is a beautiful woman
You
only call her a bitch
‘Cause
she won’t let you get that pussy
Maybe
she didn’t feel ya’ll shared the same interest
Or
maybe you are just an asshole who couldn’t sweet talk the princess
Em No regrets, Aesop
narra a história de uma artista (Lucy) que pinta com giz nos passeios do bairro
onde vive. É uma história agri-doce mas que nos transmite algumas pérolas
de sabedoria.
Mas em Nine to Fivers Anthem, Aesop concentra-se nas lutas diárias dos trabalhadores americanos. Com
uma letra críptica mas ao mesmo tempo, em alturas, simples e directa, é-nos
transmitida as amarguras e dificuldades dos trabalhadores americanos com uma
resolução talvez idealista, talvez não.
Now
we the American working population
Hate
the fact that eight hour a day
Is
wasted on chasing the dream of someone that isn’t us
And
we may not hate our jobs
But
we hate jobs in general
That
don’t have to do with fighting our own causes
We
the American working population
Hate
the nine-to-five day-in day-out
When
we’d rather be supporting ourselves
By
being paid to perfect the pasttimes
That
we have harbored based solely on the fact
That
it makes up smile if it sounds dope
Dois anos passam e
Aesop Rock edita BAZOOKA TOOTH, cujo tema que dá título ao disco, assumiu o
reconhecimento merecido. Neste disco, os samples e beats são na sua essência
mais experimentais e fora-da-caixa. Reúne também a colaboração de outros músicos,
tais como El-P. Muito menos atmosférico e com uma produção in your face, é um
disco que revela o lado mais guerrilha do músico.
Pouco tempo depois, é
editado SKELETHON que arranca com Leisureforce, um tema forte, cuja melodia
nos arranca à força e depois com suavidade da rigidez e limitação do nosso
esqueleto. É um disco de quinze temas que reforça Aesop como uma das
vozes e beatmakers mais originais do Hip-Hop actual.
Estatuto esse que
continua em THE IMPOSSIBLE KID editado em 2016 que nos lança fora do torpor que
a vida quotidiana por vezes provoca, logo com o primeiro tema Mystery Fish. Um
tema que para além das letras emblemáticas, oferecem-nos batidas e
samples que nos ficam na cabeça.
Aesop Rock mantém-se
como um dos músicos mais inventivos e criativos do género.
2 - Contestação no RAP
KRS One nasceu em
Brooklyn, NYC e editou mais de vinte discos de longa-duração. Em 1993 editou o
disco THE RETURN OF THE BOOM RAP e confirmou-se como uma das vozes mais fortes
e desafiantes no mundo do Rap da década de noventa. Os seus temas, abordam a vida de afro-americanos numa sociedade maioritariamente branca e por
vezes ou muitas vezes, intolerante. KRS One reúne nas suas letras, um delicioso
desafio para a sociedade pré-estabelecida e o ponto alto é atingido em Sound of Da Police, que com onomatopeias de sirenes e repetições de riffs de cordas
desgarrados, KRS One canta um hino de resistência à violência e ignorância que
grassa em muitos profissionais de justiça policial.
That’s
the sound of da police
That’s
the sound of da beast
Uma crítica acérrima
e é também feito um paralelismo com os tempos negros de escravatura nos EUA. Um
disco essencial para fãs de Rap consciente e que desenha uma caricatura da
sociedade branca, muitas vezes, ignorante das lutas das minorias.
KRS One editou mais
discos até lançar o seu homónimo em 1995 que nos transmite que “Rappers are in Danger.” Eis que chega KRS One para salvar a situação. Um disco forte e directo
mas que não abdica da sua componente intelectual e contestatária. Um poeta que
com beats, por vezes, agressivos e a língua a tocar na ferida, descreve uma
sociedade que por mais que doa continua a ser injusta e acometida por
preconceitos.
3 - A força do intelecto
Poor Righteous
Teachers formaram-se em 1989 em New Jersey nos EUA. Em 1990 editaram HOLY INTELLECT que se compõe de doze temas sobre o poder do Hip-Hop e de como este,
pode ser desenvolvido e a sua criatividade potenciada sem limites ou barreiras.
Foi um disco que serviu como ponto de referência para o Hip-Hop consciencioso e
cujos versos, lançados por Wise Intelligent oferecem uma perspectiva da vida de
um/a afro-americano/a na sociedade americana. A força do intelecto é constante
nos versos e nos seus significados. Em Time to say Peace, os professores
demonstram a força do intelecto e há interessantes coros femininos, fugazes mas
efectivos. Em Word to the Wise, somos transportados e levados ao colo em cordas
e ritmos funky e jazzy por entre um flow que nos garante que é bom ser
afro-americano e que nisso reside bastante orgulho.
Após HOLY INTELLECT,
editaram mais três discos todos na década de noventa.
O seu estilo
consciencioso prosseguiu e as batidas evoluíram com alguma influência funk.
Enquanto se abana a cabeça, pensa-se, reflecte-se e chega-se à conclusão que são
necessários mais professores como estes.
Lauryn Hill nasceu em
1975 em New Jersey e em 1998 lançou o mítico THE MISEDUCATION OF LAURYN HILL.
Tinha apenas 23 anos mas reuniu quatorze temas (mais duas hidden tracks) que
inspiram pela sua sabedoria e característica de bater no ponto certo enquanto
nos agarra forte pelo coração. O disco arranca com o tema Lost Ones em que
parte para a batalha com um flow destemido e seguro, desabrochando num tocante e sensível refrão.
You
migh win some but you really lost one
You
just lost one
It’s
so silly how come
When
it’s all done did you really gain from
What
you just done
It’s
so silly how come
Os temas são
intercalados por diálogos e sons numa classe de aulas que preenchem os espaços
em que não estamos na presença de Lauryn Hill. As influências soul são notórias,
tanto pelos coros femininos como pela suavidade de voz que Lauryn Hill por
vezes demonstra. Um dos temas mais famosos foi Doo Woop (That Thing) mas a
letra é bastante forte no que respeita à constante e creio que eterna, batalha
de sexos. O registo mais soft continua em Superstar que apesar das suas
batidas leves e melódicas, não deixam de dar presença a uma letra extremamente
irónica e que tenta trazer a verdade ao Hip-Hop, que nasceu do coração e cujo
flow tem de ser verdadeiro e nunca cansativo. Como refere, a música é suposto
inspirar e nada mais ou menos que isso.
Em I Used to Love Him, Lauryn Hill transmite-nos a sua melhor performance de voz soul e sem cair
no sentimentalismo barato, fala de uma história de amor e de como se apaixonou, mas agora já não. A realidade bate forte e o pós-amor é tão real quanto a paixão
e a conquista.
Há espaço para a versão do clássico Can’t take my Eyes Off of You que serviu de música final para
o fabuloso Conspiracy Theory de 1997 com Mel Gibson e Julia Roberts, (reforçando
a minha simpatia por Mel Gibson e a
minha neutralidade por Julia Roberts). Não sei se é miseducation mas é um exercício
de educação em como o Hip-Hop pode ser sentimental e consciente ao mesmo tempo.
5 - Soldado Universal
Aceyalone é de Los
Angeles, California, EUA. Fez parte dos Freestyle Fellowship, um grupo de Hip-Hop cujas batidas eram fortemente influenciadas por Jazz. Na sua carreira a
solo, conservou algumas das suas inclinações jazzísticas completando-as com um
flow cheio de consciência social e da realidade da sociedade norte-americana.
Um pouco reminiscente de A tribe called Quest em termos de batidas, Aceyalone
começa a traçar o seu caminho em ALL BALLS DON’T BOUNCE em 1995. Há
reflexões sobre o destino do Hip-Hop e algum sentido de humor, assim como um
flow conciso mas criativo.
Em 1998 lançou BOOK OF HUMAN LANGUAGE onde a influência jazz é ainda mais notória. É um disco que
pode ser considerado conceptual, cada tema debruça-se sobre um tema específico,
trazendo ao de cima a consciência do flow e lirismo. Por vezes, com rimas ou com
verso livre, Aceyalone transmite temáticas sensíveis e dignas de reflexão. Em
The Hunter, Aceyalone explica e refere os mecanismos de predação da sociedade
com um flow viciante e cativante.
A
good hunter don't hunt for the kill
A good hunter hunts for the hunt
Now that's a perfect hit right there
That's a perfect shot
That's a clean kill right to the heart, see that
Tendo a consciência
cada vez mais aberta, torna-se por vezes, mais fácil sobreviver em termos
exteriores mas mais complicado interiormente, mas é ao ouvir certos discos que
nos tornamos capazes de reconhecer e daí evitar, certos mecanismos predatórios.
Aceyalone oferece-nos
algumas respostas sobre a existência, sociedade e a melhor forma de sobreviver.
6 - Profetas do Futuro
The Roots formaram-se
em 1987 e em 1995 editaram DO YOU WANT MORE?!!!??! que munido de uma forte
componente jazz, tornou-se um dos discos mais influentes da década de noventa
no campo do Hip-Hop alternativo e independente. É uma fusão perfeita de jazz e
hip-hop.
É em ILLADEL PHALFLIFE editado em 1996 que começam a definir o seu som, não abdicando do jazz
mas com muitas influências boom bap. Seguiram com a sua produtiva carreira e
entraram nos 2000’s editando em 2006, GAME THEORY que depois da intro abre com
False Media, um tema que nos alerta sobre os perigos da mainstream media. No
tema que dá nome ao disco, há uma boa fusão de Hip-Hop com Soul e um acompanhamento
agradável de guitarra que se faz ouvir por vezes e que permeia um flow imparável.
É um disco que carrega uma atmosfera mais negra que os seus antecessores. No
entanto, a forte componente de crítica e de consciência social permanece.
Em 2010, lançaram o
disco HOW I GOT OVER que conta com colaborações de vários músicos,
inclusivamente Joanna Newsom. Há também uma maior inclusão de melodias cantadas
e a ambiência não é tão negra como nos discos anteriores.
Passado apenas um ano
saiu UNDUN, um disco delicado e de índole conceptual que conta a história de um
rapaz e dos seus mais profundos sentimentos mas que infelizmente, se vê
apanhado e envolvido numa forma de vida dominada pelo crime. O som de The Roots
está em constante evolução mas o seu cariz reflexivo continua de boa saúde.
7 - Mente antes da Matéria
Mos Def nasceu em
1973 em Brooklyn, NYC. Construiu uma carreira sólida tanto na música como no
cinema, tendo entrado no clássico “Be Kind rewind” de Michel Gondry. Tem uma
presença carismática e na música destaca-se pelo seu flow forte e de consciência
social, seja a denunciar as injustiças sofridas por afro-americanos numa
sociedade maioritariamente branca ou nas tiradas de ordem introspectiva. Em
1999 lançou o disco BLACK ON BOTH SIDES que apesar das batidas jazzy e por
vezes, divertidas, oferece letras inteligentes como é o caso de “Mathematics”
em que usa números para contabilizar as injustiças e hipocrisia social. São
temas que vagueiam entre o jazz, r&b, soul e até algum rock. Há variedade e
imprevisibilidade que alimentam a corrente de palavras que Mos Def profere a
uma velocidade não tão alucinante mas efectiva e especial.
Em “Love” há espaço
para introspecção e sentimento sóbrio quando reflecte sobre a sua infância e o
desabrochar do seu amor pelo Hip-Hop e respectiva cultura.
E em “Brooklyn” há
espaço para uma recriação breve de “Under the Bridge” de Red Hot Chilli Peppers
com a letra ligeiramente mudada e onde Mos Def relata a sua vivência em
Brooklyn.
É um disco recheado
de bons temas e que deu origem a um lançamento só de instrumentais. E que
apesar de já contar com praticamente vinte anos de existência continua fresco e
actual.
Em 2009 editou THE ECSTATIC que arranca em força com Supermagic que conta com solos e riffs
potentes de guitarra com uma influência Médio-Oriental. O eclectismo continua
presente no uso de samples e das batidas e em Auditorium com beats hipnóticos e
cenários sonoros que nos remetem para um cenário algo onírico, por vezes canta-se
e por outras há flow lento mas efectivo, acompanhado por samples interessantes
do Médio-Oriente. As influências geográficas são várias e em “Pistola” usa o
espanhol para entregar um tema algo melancólico na sua essência. É um disco
surpreendente que reúne influências de música do mundo, incluindo samba. Com
THE ECSTATIC, Mos Def demonstrou que o seu carisma continua presente na música,
tanto quanto no cinema.
7 - Galáxia Rap
Cannibal Ox formou-se
em 1998 em Nova Iorque. Em 2001 atraiu muita atenção com o lançamento de COLD VEIN
produzido por El-P. As batidas são futuristas e reminiscentes de um filme pós-apocalíptico,
tornando ainda mais forte pelas vocalizações. O disco começa de forma melancólica
com Iron Galaxy que contém sample de um diálogo do filme The big Chill de
Lawrence Kasdan.
It’s
a cold world out there
Sometimes
I feel like I’m getting a little frosty myself.
Esse gelo é sentido
em A b-boy’s Alpha, um tema que abre com versos belos mas de certa forma, algo
cruéis. O tema caracteriza-se pelo uso de batidas viciantes e um piano que por
vezes, parece assombrado.
I
lost my first wish
But
remember every detail of my first kiss
That’s
that Bronx tale bliss
Em Pigeon abre-se com
um arrastado riff de guitarra e o flow começa primeiro com spoken word
evoluindo depois com as batidas. As letras são crípticas, poéticas, espaciais e
especiais.
Há uma mistura
interessante de old-school com futurismo. As batidas quebradas e uma permanente
ambiência cinematográfica fazem de COLD VEIN um clássico do Hip-Hop underground
dos princípios de 2000.
9 - Alquimista Sonoro
El-P nasceu em 1975
em Brooklyn. Considerado como um dos fundadores do movimento do Hip-Hop mais
progressivo do século XXI. É um beatmaker talentoso e criativo. Em 2002 editou
o disco FANTASTIC DAMAGE que mudou para sempre o panorama do Hip-Hop mais
alternativo e experimental. As batidas são fragmentadas mas frescas e
apelativas, complementando na perfeição o flow de El-P. O disco conta também
com participações de Aesop Rock e Vast Aire dos Cannibal Ox, entre outros. São
também usadas samples que ofertam uma atmosfera futurista e quase espacial.
As letras acarretam
alguma crítica social como é o caso do tema que dá nome ao disco, Fantastic
Damage aborda uma cidade pós-9/11, devastada pelo ataque terrorista e as mudanças
que daí advieram. Em Squeegee Man há espaço para alguma introspecção em que
El-P relata parte da sua infância e a sua ascensão no mundo do Hip-Hop. Um dos
temas mais interessantes acaba por ser Dead Disnee no qual El-P, usa o imaginário
Disney para criticar a ganância e narcisismo das grandes empresas.
Tendo mudado o
panorama do Hip-Hop com FANTASTIC DAMAGE, El-P seguiu o seu caminho, lançando
discos instrumentais e HIGH WATER em 2004 com a participação da banda de jazz
vanguardista The Blue Series Continuum. É um disco que se distancia do Hip-Hop
e tem uma abordagem fresca ao jazz moderno. É também um disco que dedicou ao
seu pai que foi um pianista de jazz.
Em 2007 retornou ao Hip-Hop com I’LL SLEEP WHEN YOU’RE DEAD que conta com outra participação de
Aesop Rock e nomes um pouco mais inesperados tais como Cat Power, Trent Reznor,
Omar Rodriguez Lopez e Cedric Bixler-Zavala.
O tema que abre o
disco, Tasmanian Pain Coaster é bastante forte e com uma atmosfera negra,
instrumentalização inovadora mas melódica e participações de dois músicos dos
At-the Drive-In e The Mars Volta. Run with Numbers tem a colaboração de Aesop
Rock e é um tema frenético que combina o flow de dois dos mais interessantes músicos
do Hip-Hop alternativo. Em Flyentology que tem vocalizações de Trent Reznor,
experiencia-se uma ambiência um pouco mais industrial mas catchy, as letras
exploram os limites da religião ao mesmo tempo que alguma desesperança impera.
Para fechar o disco,
El-P presenteia-nos com Poisenville Kids no Wins (this must be our time) com a
colaboração de Cat Power nas vocalizações. É um tema maduro e que de certa
forma age como canção de despedida, mas uma despedida que é mais um “até já”
porque El-P seguiu o seu caminho e continuou a mudar o espectro do Hip-Hop
alternativo.
10 - Elegância Jazz
A Tribe called Quest
nasceu em 1988 em Queens, NYC. Em 1990 lançaram PEOPLE’S INSTINCTIVE TRAVELSAND THE PATHS OF RHYTHM que apresenta uma fusão perfeita de jazz com Hip-Hop. É
um disco relaxado e cheio de bom espírito que serve de sólido predecessor para
dois discos que lhes valeram o estatuto de uma das bandas mais interessantes e
eficazes de jazz Hip-Hop. Foi em 1991 que editaram THE LOW END THEORY que conta
com quatorze temas que, tal como o seu predecessor, usa e abusa de jazz com
batidas relaxadas e suaves. É um disco cool se é que se pode adjectivar assim.
A tribo tem muito a dizer sobre a indústria musical como é caso do tema Show Business. São bastante claros e eloquentes na sua crítica ou talvez sátira,
mantendo a boa disposição e o espírito cool, traços que não abundavam no Hip-Hop da altura, sendo que o sub-género Gangsta rap crescia em popularidade.
Os ritmos jazz
continuam em Check the Rhyme que convida os mais afoitos a dançar, o flow é
partilhado e desenrola-se uma conversa entre dois músicos. É um álbum relaxado
e suave mas que cunhou o termo jazz rap e ofereceu uma nova frescura ao género.
A coolness continuou
com MIDNIGHT MARAUDERS editado em 1993 que se revela um pouco mais catchy que
THE LOW END THEORY. Há também uma presença mais destacada de teclas.
A Tribe called Quest
entra na história do género como uma das bandas que conseguiu lançar três
discos consecutivos que foram considerados clássicos e ajudaram a definir um género
que mistura de forma eficiente o jazz e o Hip-Hop.
11 - Mensageiro Celestial
Lecrae é um músico
norte-americano que se estreou em 2004 com REAL TALK, um dos discos mais
importantes de Hip-Hop cristão. O seu flow é intenso, rápido e potente
debitando a sua crença e as dificuldades com que lida no mundo secular. O disco
começa com Souled Out onde Lecrae não tem papas na língua ao descrever e
espalhar a sua crença. O carácter messiânico é concentrado nos quatorze temas
que compõe o disco mas há espaço para a experimentação como é o caso do tema
Aliens com um flow frenético e um conjunto de batidas interessantes e
criativas. Lecrae seguiu com o seu Hip-Hop cristão e adicionou-lhe uma camada
de consciência social em REBEL editado em 2008. O disco assume também uma certa
sensibilidade pop enquanto o flow de Lecrae se mantém coeso rompendo em refrões
catchy e positivos como é o caso de Don’t Waste your Life.
Mas foi em 2014 com
ANOMALY que Lecrae marcou e fincou o pé no campo do Hip-Hop alternativo e
consciente com algumas inclinações pop. O disco começa de forma melancólica e
intimista com o tema Outsiders que reforça que mais vale estar à margem e
manter os valores intactos do que fazer compromissos e sacrifícios que nos
sujam a consciência. Welcome to America é um hino de um músico americano com um
forte senso de justiça social. Say I Won’t com a participação de Mineo é um
tema sólido e catchy que apela à força da persistência e do orgulho em se ser
diferente e único.
Fear inicia-se com um
excerto recitado do Salmo 23 e prossegue com o flow meio melancólico e meio
exasperado de Lecrae que culmina num refrão melódico.
O sentido melódico
atinge o seu cume no último tema do disco, MESSENGERS com a participação de
King & Country, uma banda cristã de Nashville. ANOMALY é um disco sólido,
diversificado e de forte componente melódica que colocou Lecrae no brazão do Hip-Hop consciente mas de forte constituição pop.
12 - Sabedoria das Ruas
Nas nasceu em 1973 em
NYC. Tinha somente 21 anos quando lançou ILLMATIC em 1994 que se tornou um clássico
e é ainda hoje considerado por especialistas um dos discos mais importantes da
história do Hip-Hop. E percebemos porquê quando começamos a ouvir e a absorver
as batidas de NY state of mind assim como os seus versos.
I
never sleep, cause sleep is the cousin of death
Beyond
the walls of intelligence
Life
is defined
I
think of crime when I’m in a New York state of mind.
Apesar de só
conter dez temas, ILLMATIC é coeso e bastante bem produzido. Cada um dos temas
tem a sua essência própria, Nas entrega um flow sólido com boa dicção e uma
boa escolha de palavras, fruto de um vocabulário vasto. Temos o icónico
HALFTIME que foi composto por Nas quando tinha apenas 17 anos. Todos os temas criam
na cabeça um imaginário da carismática e mágica cidade de Nova Iorque nos anos
90 desde o seu centro até aos seus subúrbios. A cidade de Nas.
Foi com elevada
antecipação que se esperou pelo sucessor de ILLMATIC e ele chegou. Um disco
mais orientado para o género gangsta rap e um pouco mais comercial e
easy-listening. No entanto, IT WAS WRITTEN, editado em 1996 oferece alguns
temas interessantes como é o caso de Affirmative Action, Sweet Dreams e If I Ruled the World com a participação de Lauryn Hill.
Em 2002 foi editado
THE LOST TAPES, uma colecção de temas que ficaram de fora dos seus discos de
originais. É o regresso possível a ILLMATIC, batidas suaves e samples delicados
envolvem o flow sempre coeso de Nas.
TO BE CONTINUED...
TEXTO: CLÁUDIA ZAFRE