Resumo
Compositoras e intérpretes que têm a guitarra como sua fiel companheira. Podem fazer dela uma arma ou simplesmente um veículo para narrações de cariz introspectivo, narrativas de consciência social ou confissões de romances que resultaram em desamor. São vozes femininas que aliadas a uma guitarra ou composições com mais arranjos nos transportam e convidam para o centro dos seus imaginários.
Palavras-chave: cantautoras, indie, acústico
1- Introdução a Lisa Hannigan
Foto por Rich Gilligan
Nasceu em 1981 na Irlanda. Iniciou carreira tocando com Damien Rice mas foi em 2008 que se estreou a solo com o disco SEA SEW. Composto por dez temas que não são essencialmente acústicos, contando com arranjos delicados mas sem nunca se afastar de um registo indie folk suave, bastante melódico que por vezes pisca a o olho a um pop de bom gosto e que não deixa de lado alguma influência muito subtil de música irlandesa.
É um excelente disco de estreia, bastante equilibrado e que demonstra o talento de composição e vocal de Lisa Hannigan. Tanta homogeneidade faz com que seja complicado destacar temas, no entanto, Keep it All, é um dos temas que se impõe pela sua composição que apesar de parecer simples, é bastante bem arquitectada e que regista perfeita harmonia entre vários instrumentos de cordas.
PASSENGER editado em 2011 manteve a qualidade do seu predecessor. Abre com o fabuloso tema Home com uma entrada magistral de piano e cordas que depois dão lugar de destaque à voz de Lisa. Este disco contém temas que foram tocados ao vivo num excelente concerto que deu para a NPR inserido no contexto dos Tiny Concerts. São esses temas, Little Bird, Knots e Passenger.
Little bird é um tema de beleza única que com o seu ambiente bucólico e acordes delicados nos podem remeter para um estado de alguma comoção. Foi também um tema utilizado no filme MAUDIE de 2016, realizado por Aisling Walsh que conta com o excelente desempenho de Sally Hawkins e Ethan Hawke. Um filme que narra a vida de Maud Dowley, uma artista de Nova Scotia que apesar de sofrer de artrite reumatoide pintou inúmeros quadros e pequenos postais que a tornaram uma das artistas mais conhecidas do Canadá.
As suas pinturas de inspiração claramente naive mas com muita alma permanecem para ser apreciados.
Maud Lewis
Em Knots temos uma toada mais dinâmica e diria até mexido que dão total protagonismo à voz de Lisa que não precisa de efeitos para alcançar o seu potencial, possuindo uma boa dinâmica vocal. O vídeo oficial da música é também um portento que merece ser visto ou revisto.
Em 2016 lançou AT SWIM que acolhe onze temas. De forma geral, é um pouco mais melancólico que os discos anteriores. A voz de Lisa Hannigan continua em pleno destaque e nas suas letras há um cariz um pouco mais soturno e talvez mais maduro.
Para este disco juntou forças com Aaron Dessner (dos The National) que ajudou a produzir o álbum, tocou vários instrumentos e colaborou na escrita das letras.
É um disco poderoso, bastante mais eclético e que se afasta um pouco do registo folk puro e cru. Contendo passagens mais atmosféricas e criando atmosferas de alguma melancolia, especialmente em Prayer for the Dying e em Snow.
Lisa Hannigan continua a ser uma das multi-instrumentalistas mais interessantes da contemporaneidade, criando malhas e texturas profundamente melódicas que altruisticamente iluminam e sublinham a voz de Lisa Hannigan que não necessita de grandes artifícios ou efeitos para transmitir a sua amplitude e pureza.
2- Sensibilidade Country
Foto cortesia da artista
Laura Veirs nasceu em 1973 nos EUA. Fez parte da banda de punk-rock Rair Kx! composta unicamente por mulheres. Foi depois de uma intensa viagem à China que Laura Veirs reuniu inspiração para lançar o seu disco de estreia a solo homónimo que foi editado em 1999.
São temas que nunca excedem os três minutos e essencialmente acústicos. Os ritmos são apelativos e a sua forma de atacar a guitarra denota um estilo bastante próprio.
Consegue juntar com mestria alguma influência country, “americana” com a sua abordagem moderna de composição e lidar com a guitarra.
As letras reflectem bastante o feeling americano mas em American Way há espaço para alguma critica social.
Driving to my driveway mailbox,
time to send my taxes
I'm on a peace keeping mission to kick other countries' asses
Twenty two billion pentagon dollars unaccounted for last year
They're making twelve more lovely stealth bombers
I fund an institution of fear
I fund an institution of fear It's the American way
It's the American way
It's the American way
É um disco que apresenta bem a voz e técnica de guitarra de Laura Veirs. A este disco seguiu-se THE TRIUMPHS AND TRAVAILS OF ORPHAN MAE editado em 2001. O disco arranca com Jailhouse fire que com banjos e outros instrumentos de cordas oferecem uma boa entrada para um disco essencialmente acústico.
A veia americana country continua bem presente mas com um refrescante toque de modernidade indie.
Black-eyed susan é uma autêntica balada country mas que mistura uma sensibilidade indie folk.
O uso do banjo torna-se fulcral em Orphan Mae, que com um ritmo intenso e frenético estende o tapete para a voz de Laura Veirs. É um disco que consegue fazer uma fusão de bom gosto entre o som tradicional do americana com o indie folk e rock.
Laura Veirs continuou a editar discos e a seguir a sua prolifera carreira que conta com quase vinte anos. Alguns dos seus temas foram usados em séries de TV e filmes americanos. Um bom exemplo é em WE GO WAY BACK, filme de 2006 realizado por Lynn Shelton. É um interessante e peculiar coming-of-age que vale a pena descobrir.
O seu disco mais recente é de 2018 e intitula-se THE LOOKOUT. Os arranjos são mais cuidados e a ambiência continua com uma fusão delicada entre country moderno americano e o indie folk.
3- Lo-fi Indie
Foto por Matthew James Wilson
Frankie Cosmos nasceu em 1994 e lançou o seu primeiro disco em 2012 intitulado MUCH ADO ABOUT FUCKING. O som é basicamente um lo-fi indie com letras que roçam o confessional. Essa tendência é amplamente demonstrada no tema Cryb Aby que apesar de ter apenas 50 segundos cria uma atmosfera mágica como se estivéssemos num quarto no exacto momento em que a música foi tocada. O registo lo-fi mantém-se ao longo das quatorze faixas do disco.
A partir desse disco a produção manteve-se célere, tendo editado mais dezasseis discos de originais.
O disco que se seguiu, SICKER WINTER, anuncia que “one day Frankie got sick, with stuffed up ears she made these recordings.” E realmente nota-se a voz um pouco congestionada de Frankie. O que ainda traz mais charme aos temas e acrescenta um je ne sais quoi à sua voz.
Ainda no mesmo ano editou dois discos. SEPARATION ANXIETY e THANKS FOR EVERYTHING. Contam com letras um pouco naive mas de uma pureza reminiscente de Daniel Johnston.
Foto por Landon Speers
Em 2013 lançou WOBBLING em cuja produção já se nota algum cuidado, afastando-se um pouco do lo-fi. Há também mais arranjos e diversidade na composição, apesar de se manter o mesmo registo de naivete. Ainda no mesmo ano lançou mais sete discos. MOSS, LOVE RIND, TOLD YOU SO, WHY AM I UNDERWATER?, DADDY COOL, I’M SORRY IM HI LET’S GO e PURE SUBURB.
O ano seguinte foi mais um ano de grande produtividade com três discos lançados. DONUTES, ZENTROPY e AFFIRMS GLINTING.
ZENTROPY, para além de ter uma capa lindíssima (tem um cão, enough said), é talvez um dos discos melhor produzidos e com um cuidado especial nos arranjos. Afasta-se do som lo-fi que caracterizou a sua extensa discografia e aproxima-se de um indie rock bastante melódico. Despretensioso e cheio de charme é um dos discos que mais se demarca na discografia impressionante da cantautora. O disco encerra com Sad 2, uma perfeita e bela canção de amor dedicada ao seu cão que faleceu. Man/woman’s best friend.
O último disco lançado foi em 2018 intitulado VESSEL que também conta com uma capa fantástica (com um cão, enough said). Assim como o seu antecessor, conta com vários instrumentos afastando-se da sonoridade bedroom lo-fi. O disco é bastante coeso, sendo complicado ressaltar pontos mais altos. Tem que se ouvir por inteiro e experienciar o espirito DIY e indie que recheia todos os temas. Frankie Cosmos ou Greta Kline (filha do actor Kevin Kline) dá uma nova motivação ao movimento DIY e indie. Música sincera, por vezes naive, mas desprovida de pretensiosismo.
4 - Voz com Soul
Foto por Dan Robinson
Nadia Reid nasceu em 1991 na Nova Zelândia e foi em 2015 que se estreou com o disco LISTEN TO FORMATION, LOOK FOR THE SIGNS que é composto por dez temas. Possui uma voz autêntica, grave mas suave. Não necessita de efeitos nem técnicas de estúdio para mostrar a verdadeira potência e alcance da voz.
A forma como toca guitarra é inspirada e tem uma inclinação forte e sensitiva para o ritmo. É um disco sólido e no qual os temas se encontram ao mesmo nível em termos de qualidade.
Em Reaching Through, temos a inclusão de guitarras eléctricas e harmonizações indie, bastante melódicas que acompanham uma letra profundamente inspirada.
I've been walking forward only to forget
Where that i have been and who that I have met
If I am bound for something honey understand
That love will grow thicker in search of foreign land
Whoooooo knew that I was reaching through
Who knew that time would heal our wounds
I keep the art separate from the love
I always keep the truth separate from my heart
If knew how to ride it, I would surely understand
That love will grow thicker in search of foreign land
Seguimos para Holy Low que inclui uma passada um pouco mais melancólica que com arranjos inspirados focalizam a voz carismática de Nadia Reid que se desdobra num refrão melódico e reminiscente de blues americano.
Some are Lucky revela o poder dramático e tocante da voz de Nadia Reid. Acompanhada por guitarras algo dreamy e com ecos. É no entanto, a sua voz que se destaca. Um disco encantador que mistura na perfeição composições inteligentes e melódicas com uma voz carismática e isenta de artifícios.
O disco que editou a seguir, PRESERVATION em 2017, volta a acentuar o poder quase hipnótico da sua voz. O tema que abre o disco com o mesmo nome, prova isso mesmo. É uma voz que partilha a sua alma connosco.
The Arrow and the Aim arrasta-se para uma sonoridade mais indie rock com arranjos perfeitos e apontamentos certeiros de piano. Essa inclinação perdura no tema Richard para o qual foi feito um teledisco bastante interessante. Em Te Aro, o foco vira-se para a voz de Nadia Reid e para os brilhantes arranjos de cordas, suaves e subtis.
São dois discos que lançam Nadia Reid para o bastião das cantautores mais interessantes e com alma da contemporaneidade.
5 - Sinais de fumo
Foto cortesia da artista
Phoebe Bridgers nasceu em 1994 nos EUA. Editou um EP intitulado KILLER e um LP em 2017 chamado STRANGER IN THE ALPS.
É dotada de uma voz carismática e forte. O EP é constituído por três temas. Killer, Georgia e Steamroller. A produção esteve a cargo de Ryan Adams. O foco está na voz de Phoebe e na sua maneira de tocar guitarra, ritmicamente forte e com sentido apurado de melodia. As letras são de cariz confessional sem cair no sentimentalismo barato.
Foi depois deste EP que foi bastante acarinhado que gravou e lançou STRANGER IN THE ALPS. O disco começa de forma intensa com o hipnotizante tema SMOKE SIGNALS, cujo teledisco talvez faça recordar o filme de 1962 CARNIVAL OF SOULS. É um tema de extrema beleza que nos envolve tanto pela composição como pela poesia da letra. O tema que se segue é mais agitado e envolto numa boa dose de indie rock, é ele, Motion sickness que nada mais é que uma boa canção de rock alternativo com algumas inclinações pop de bom gosto. Fica indubitavelmente na cabeça.
Em Funeral, recebemos um tema que composto de forma maravilhosa e acordes memoráveis, entrega uma letra de cariz bastante confessional com o qual nos podemos identificar plenamente. É uma música que ouvi repetidas vezes e que de todas as vezes apresenta sempre um detalhe novo. Extramente emocional, sincero e tocante.
O tema que se segue, Demi Moore, é um pouco reminiscente da obra de Elliott Smith. É mais um tema que nos agarra, acarinha e não larga.
STRANGER IN THE ALPS é um maravilhoso disco de estreia com uma capa fantástica. Bastante coeso e que é melhor experienciado enquanto ouvido na integra. Phoebe Bridgers assume-se como uma cantautora de extrema sensibilidade composicional que traz alma e frescura à cena alternativa e independente.
6 – Natureza suburbana
Sarah Jaffe nasceu em 1986 nos EUA e estreou-se em 2010 com o LP SUBURBAN NATURE. O arranque é poderoso com o tema Before you Go, um verdadeiro hino indie rock. O tema que se segue, Stay with Me, demonstra a forma peculiar e única com que Sarah Jaffe dedilha e domina a guitarra, ao mesmo tempo que projecta a voz e lhe infere dinâmica.
Em Better than Nothing, segue-se uma letra bastante confessional que abre num refrão de contornos épicos. Essa veia confessional estende-se em Pretender Pt.1.
I climbed up that tree
Cause these feelings in me
That nobody Knows
I buried my head
In so deep
And held my breath To see I tied up my hands
Convulsed in the quicksand
Was not steady
But I wanted to see
O tema que se segue, Pretender, estende-se em texturas e ambiências complexas mas melódicas. É um disco que abriga alguma melancolia contida mas com melodias bastantes acessíveis e que é uma boa estreia para uma cantautora que para além de possuir uma boa voz é dotada de uma apurada sensibilidade composicional.
Inesperadamente ou não, Sarah Jaffe optou por uma mudança radical de sonoridade após o seu disco de estreia. Optando por um som mais pop e abandonando a sua veia acústica, apostando em arranjos com tendências synth pop e numa abordagem muito mais comercial.
TO BE CONTINUED...
TEXTO: CLÁUDIA ZAFRE