13 - Virtuosismo Emocional
Kaki King nasceu em 1979 nos EUA. O seu disco de estreia foi lançado em 2003 intitulado EVERYBODY LOVES YOU e é composto por 10 temas acústicos e instrumentais. Não há necessidade nem espaço para vocalizações porque é a guitarra a principal intérprete e o foco das 10 composições. A maneira muito própria de tocar de Kaki King é o principal chamariz deste disco que embora curto, demonstra todo o virtuosismo e técnica da guitarrista. A guitarra acústica é um instrumento de cordas mas também de percussão dando corpo a todos os temas. Seja em dedilhado ou ritmo são criadas melodias que cunham o estilo próprio de Kaki King. Os primeiros arrancam fortes e com algumas veias coloridas mas é em Night After Sidewalk que se sentem os primeiros pulsares da melancolia. Sentimento que continua em The Exhibition e Joi. É um disco que exibe o talento de uma guitarrista que não precisa do uso da voz para transmitir emoções.
Foi imediatamente no ano seguinte que lançou LEGS TO MAKE US LONGER. É um disco que reúne onze temas. Em Playing with Pink Noise, Kaki King faz exactamente o que o título da música indica. Brinca com a guitarra, usando-a como instrumento de cordas e percussão, ao mesmo tempo, que cria uma melodia com várias camadas. O seu virtuosismo é tão fluído que faz com o que toca pareça muito fácil. Há também a inclusão de outros instrumentos como em Doing the Wrong Thing, tema que fez parte da banda sonora do filme Into the Wild. É um disco que continua a revelar o estilo único de guitarra de Kaki King e cujos temas são um pouco mais meditativos e melancólicos que os do seu antecessor.
Em 2006 foi a vez de …UNTIL WE FELT RED. Neste disco a voz de Kaki King funde-se com as guitarras e restantes instrumentos. Há um cuidado especial com os arranjos e algumas influências de folk, pós-rock e até algum jazz. É um disco que quebra com o som dos seus antecessores que deixa de ter a guitarra acústica no seu centro e que acolhe outros instrumentos. Os instrumentais parecem assim mais cheios e com várias texturas, especialmente quando resvala para o terreno do pós-rock.
DREAMING OF REVENGE foi lançado em 2008 e arranca com a poderosa Bone Chaos in the Castle que faz fusão perfeita da guitarra acústica com eléctrica e uns efeitos sonoros bastante interessantes. Neste disco, apesar de se manter a componente virtuosa e técnica, nota-se um cuidado especial para criar atmosferas densas, algumas inclinações pop especialmente no uso da vocalização e nos acordes mais catchy.
Estas tendências atingem o auge no disco editado em 2010 intitulado JUNIOR que se afirma como um disco sólido de poppy indie rock. As composições seguem uma estrutura mais clássica que é embelezada pela voz de Kaki King. Há uma estrutura de verso e refrão mas que não condiciona a liberdade de cada um dos temas.
Em 2012 com GLOW há um retorno para a música totalmente instrumental. Composições complexas mas catchy que exibem virtuosismo e técnica sem nunca deixar de lado o sentido melódico e capacidade de transmitir emoções.
Há melódicas que evocam paisagens mentais como é o caso de Bowen Island que apesar de ser um tema relativamente curto é bastante eficaz na criação de uma atmosfera.
Essa criação continua no disco de 2015 THE NECK IS A BRIDGE TO THE BODY que assume um cariz bastante experimental e que faz usos inusitados da guitarra. A desconstrução aliada ao virtuosismo e imaginação consegue criar atmosferas sonoras bastante interessantes.
Kaki King foi eleita por várias revistas como uma das melhores guitarras contemporâneas e demonstra através dos discos que gravou que a diversidade e complexidade de melodias que uma guitarra acústica pode oferecer é simplesmente infindável.
14 – Flores e Guitarra
Foto por Robert Manella
Liz Phair nasceu em 1967 nos EUA. Apesar de ter gravado várias demos usando o nome Girly Sound, foi em 1993 que se estreou com um disco de longa duração intitulado EXILE IN GUYVILLE. Um disco que deu bastante que falar durante a década de 90, especialmente por causa do teor das letras de músicas como Flower e Fuck and Run. É um disco composto por temas sólidos e em que cada um tem a sua identidade própria e que apesar de muitos anos terem passado desde que foi lançado retém uma frescura e originalidade que pode muito bem colocá-lo na lista dos melhores discos de rock alternativo alguma vez gravados.
As letras são ao mesmo tempo cómicas e devastadoras. Retratam vários temas mas o pano central são as relações interpessoais. Não há momentos altos no disco porque todo ele é uma montanha russa de emoções com os seus momentos mais melancólicos e vulneráveis que complementam aqueles mais crus e angustiantes. As letras são também bastante importantes e é bastante apetitoso ouvir o que Liz Phair tem para dizer. São confessionais mas ao mesmo tempo iradas, no entanto, há uma aura de vulnerabilidade. É um disco que se assumiu na altura como um clássico do indie rock e que hoje em dia retém a mesma originalidade e carisma.
Foi no ano seguinte que lançou WHIP-SMART que contém autênticos hinos de indie rock como é o caso no tema Supernova. Há um maior cuidado de produção e arranjos que no seu antecessor. De destacar, os assobios em Support System. As músicas são um pouco mais optimistas e não contêm o elemento choque do seu disco de estreia, no entanto, é um disco agradável de indie rock.
Em 1998 foi a vez de WHITE CHOCOLATE SPACE EGG que abandou um pouco as raízes rock e abraçou um conjunto de temas mais orientados para o indie pop e que de certa forma foi a porta de entrada para os seus discos posteriores que decidiram seguir uma linha mais pop e talvez comercial.
No entanto, EXILE IN GUYVILLE continua a ser um disco de estreia extremamente interessante e recheado de bons temas.
15 – Epifanias Folk
Brenda Kahn nasceu em 1967 nos EUA. Foi em 1990 que se estreou com GOLDFISH DON’T TALK BACK. Composto por doze temas de puro folk rock com letras interessantes e inteligentes. São temas equilibrados a nível de qualidade, não havendo espaço para “fillers”. Há algum destaque para o tema surreal e divertido Eggs on Drugs.
Todas as altas expectativas que este disco ofereceu foram completamente ultrapassadas em 1992 com o disco EPIPHANY IN BROOKLYN que arranca com o excelente tema, I don’t Sleep, I drink Coffee Instead que teve direito a um teledisco muito bem conseguido e que exala na perfeição o espírito dos noventa. As letras continuam a um alto nível, transmitindo alguma melancolia mas também um certo espírito optimista. São narradas histórias que se passam ora na grande cidade ora no estilo de vida mais pacato do midwest dos EUA. A voz de Brenda Kahn é apaixonante e possui uma grande dinâmica emocional, sendo capaz de nos fazer sentir cada palavra que canta. Destaque para o fabuloso “She’s in Love” que apresenta o estilo ritmicamente muito forte da guitarra acústica de Brenda Kahn aliada a uma letra bastante sofisticada na sua aparente simplicidade.
É um disco que atravessa vários estados emocionais e que geograficamente nos faz viajar ao longo dos vários estados dos EUA.
Após este disco essencial e marcante da sua carreira, Brenda Kahn fez digressões com vários músicos, incluindo Jeff Buckley que participou num dos temas do seu disco de 1996, DESTINATION ANYWHERE. Foi um disco que sofreu alguns percalços graves com a Columbia Records a desvincular-se de Brenda Kahn e deixando-a sem editora. Felizmente, este disco foi salvo por uma editora independente e mais pequena, Shanachie Records.
É um disco que se afasta um pouco das raízes anti-folk e que aposta num caminho mais electrificado. Os temas são um pouco mais melancólicos e conta com a belíssima música Faith Salons com a participação de Jeff Buckley. Brenda Kahn editou mais três discos e o mais recente é de 2010 intitulado SEVEN LAWS OF GRAVITY.
É uma cantautora que faz um excelente uso das palavras e que transmite emoção com tanta simplicidade e genuinidade que faz com que isso pareça uma coisa fácil. O facto de não ter obtido mais reconhecimento ao longo da sua carreira permanece um enigma.
16 – Folk Psicadélico
Linda Perhacs nasceu em 1942 nos EUA. Foi em 1970 que lançou o disco PARALLELOGRAMS. São onze temas de folk puro e altamente bucólico. Acentuado pelos dedilhados suaves e pela voz cristalina, mas de grande alcance emocional de Linda Perhacs. É um disco bastante gentil e com alguns laivos de psicadelismo que nos transportam para outras paisagens e cenários. Estranhamente, o disco não obteve grande reconhecimento ou divulgação nos anos setenta, fazendo com que Linda Perhacs se dedicasse totalmente ao seu emprego na área da saúde dental. Para além do belo trabalho da guitarra acústica, há mais instrumentos presentes desde a percussão, flauta, saxofone e até harmónica. É um disco que merece ser revisitado e que valeu o reconhecimento de músicos como Mikael Akerfeldt (Opeth) e Steven Wilson (Porcupine Tree). Primeiramente somos embalados pelo belíssimo tema Chimacum Rain. E assim continua a viagem conduzidos pela voz angelical, intimista e emocional de Linda Perhacs.
Voltou a editar apenas em 2014 o disco THE SOUL OF ALL NATURAL THINGS. Foi o seu segundo disco passado 44 anos. O tema que dá nome ao disco é de uma delicadeza e suavidade abissal. Essa suavidade continua a sentir-se ao longo dos dez temas do álbum. Há várias camadas de guitarras que criam uma atmosfera talvez celestial ou onírica. É uma cantautora que entregou em dois discos todo o seu potencial, mas que não podemos deixar de lamentar que não tenha lançado mais discos.
17 - Sensibilidade Grunge
Marika Hackman nasceu em 1992 em Inglaterra. O seu disco de estreia foi lançado em 2015 e intitulado WE SLEPT AT LAST. São doze temas que contam com cuidados de arranjos e que não se focam unicamente na guitarra acústica. O ambiente que consegue criar é algo soturno e extremamente emocional, especialmente em Skin e Claude’s girl. Vale a pena ver o teledisco de Animal Fear. I was a teenager werewolf. É um disco que com belíssimos arranjos faz crescer a fé na continuação do movimento indie rock. O disco encerra com Let me In. Há dedilhados que complementam a voz misteriosa de Marika Hackman. A letra é também ela misteriosa, mas bela.
Em 2017 foi a vez de I’M NOT YOUR MAN que arranca com o tema Boyfriend. Indie rock no seu esplendor. Verso, refrão, verso, refrão. Há algumas reminiscências de uma das bandas mais brilhantes da história da música, Nirvana, especialmente em Gina’s World. E My lover Cindy é uma música catchy com um teledisco bastante fora-da-caixa que inclui esgrima e uma boa dose de surrealismo. Um dos pontos altos é Cigarette onde se ouve todo o potencial da voz de Marika Hackman acompanhada de guitarras acústicas dedilhadas. É um disco que apesar de ser de 2017 contém alguma da irreverência, originalidade e sinceridade dos anos 90.
18 - Voz Activista
Malvina Reynolds nasceu em 1900 nos EUA. Foi uma cantautora de folk e blues americana que também deu os seus passos de activismo social, especialmente no que tocou aos direitos das mulheres. Tardiamente, na sua vida, contribuiu com canções e conteúdos para a Rua Sésamo.
Em 1960 lançou ANOTHER COUNTRY HEARD FROM com quinze temas de absoluta distinção. É um disco bastante complicado de encontrar, mas que quando se encontra é um autêntico tesouro.
Foi em 1967 que lançou SINGS THE TRUTH. O tema que arranca o disco The New Restaurant está disponível no youtube em que toca o tema ao vivo. Contém o tema Little Boxes que fez parte da banda sonora da divertida série Weeds durante as primeiras três temporadas. I don’t Mind Failing tem uma letra bastante interessante.
I don't mind failing in this world,
I don't mind failing in this world,
Don't mind wearing the ragged britches
'Cause those who succeed are the sons of bitches,
I don't mind failing in this world.
I don't mind failing in this world,
I don't mind failing in this world,
I'll stay down here with the raggedy crew, '
Cause getting up there means stepping on you, so I don't mind failing in this world.
The Bloody Neat, é um tema que merece destaque. Tanto a nível da guitarra como da ferocidade da voz.
É um disco que merece ser ouvido e que não soa datado. Antes do seu falecimento em 1978, foi realizado um documentário sobre a vida de Malvina Reynolds. O seu nome é LOVE IT LIKE A FOOL e foi realizado por Susan Wengraf.
Malvina Reynolds permanece como uma das grandes vozes americanas e cujo fulgor activista nunca foi apagado.
Conclusão
Seja confessional, introspectivo ou um grande pontapé no patriarcado. As cantautoras sabem o que cantam e tocam. Sente-se cada palavra e acorde. E não há nada mais fascinante que uma mulher com uma guitarra ao ombro.
TEXTO: CLÁUDIA ZAFRE