Sion Sono é um dos realizadores japoneses da actualidade mais produtivos, criativos e imprevisíveis. Os seus filmes centram-se em várias temáticas. Relações familiares, alienação típica dos adolescentes, religião, suicídio e o poder destrutivo da violência. Apesar de abordar temas negros e pesados, há sempre uma corrente de sátira e alguma comicidade over-the-top que se torna presente. Há o uso inteligente da violência que apesar de extrema, é filmada com bom gosto e completamente justificada pela narrativa, nunca roçando a vertente da violência gráfica e gratuita.
Apesar de ter realizado muitos mais trabalhos, foi com SUICIDE CLUB (2001) que começou a atrair mais atenções. É um filme que aborda uma bizarra epidemia de suicídios colectivos e organizados entre a população mais jovem no Japão. Mas não se prende unicamente à questão do suicídio enquanto fenómeno social e explora as causas e motivações. A alienação entre os adolescentes, a sua apatia e escapismo da realidade através de uma cultura pop um pouco frívola e inconsistente na maneira como é ditada por modas efémeras e facilmente substituíveis.
Mais tarde, realizará o que foi apelidado da sua trilogia sobre o “ódio”. Esta trilogia é composta por LOVE EXPOSURE (Ai no mukidashi) de 2008, COLD FISH (Tsumetai nettaigyo) de 2010 e GUILTY OF ROMANCE (Koi no tsumi) de 2011.
LOVE EXPOSURE é um filme que tem a titânica duração de quatro horas e que à superfície poderia ser apenas mais um coming-of-age. No entanto, aborda temas como religião, amor, sexualidade, desejo e fenómenos cultistas religiosos. É um retrato de uma história de amor que com laivos cómicos, nonsense, profundos e por vezes melodramáticos, conferem ao filme a sua originalidade e potencial para que nos deixe tristes, contentes e perturbados durante a sua narrativa.
É um filme que exala imprevisibilidade e que mistura géneros de forma coerente e dando até a impressão que é coisa fácil de fazer. Comédia, acção e melodrama são misturados de forma eximia. Esse ecletismo é também transmitido pela banda sonora que é constituída por temas de música clássica e algum J-rock moderno.
COLD FISH explora a tirania da violência e os efeitos que pode ter num homem aparentemente estável, com família e um negócio próprio. À medida que a narrativa progride, vemos esse mesmo homem transformar-se lentamente e a reagir finalmente a toda a violência que lhe é imposta.
O filme explora os géneros de thriller e terror psicológico, assente numa boa caracterização de personagens. A violência que é mostrada nunca chega a ser gratuita, apesar de extremamente chocante em algumas cenas.
GUILTY OF ROMANCE apresenta uma cinematografia mais colorida que COLD FISH. Mas esta característica estética não é sinal de que a narrativa é leve ou fácil de digerir, muito pelo contrário. Neste filme, temos mulheres como personagens principais e assistimos a uma subversão inteligente e visceral do papel da sexualidade e intimidade. Actos que naturalmente nascem de amor e sentimentos profundos de afecto, são transformados em actos de vingança, despeito e rebeldia.
O filme retrata a mente e quotidiano de uma mulher japonesa, Izumi. Que nos é apresentada como esposa devota e algo submissa ao seu marido. Este retrato é meramente uma das faces da moeda pois é cedo na narrativa que Izumi começa a levar uma vida dupla. Um pouco reminiscente do filme Belle de Jour mas muito mais gráfico e violento.
Apesar de toda a agressividade que existe durante o filme e a abordagem da sexualidade como arma e instrumento de vingança, perpassa um clima melancólico e de desolação ao longo de toda a narrativa.
É mais uma vez um filme que desafia o espectador e que o faz experienciar uma miríade de emoções. Esta trilogia é devastadora no seu poder de conseguir confrontar o espectador e fazê-lo meditar nas questões mais profundas e desejos mais negros que por vezes, reprimimos bem dentro de nós.
Continuando na sua onda de produtividade admirável que consegue equilibrar quantidade com qualidade, realizou em 2013 WHY DON’T YOU PLAY IN HELL? (Jigoku de naze warui) que mais uma vez mistura comédia negra com acção, sem nunca descurar a construção 3D das personagens.
É um filme que expressa uma devoção e é uma autêntica ode em tela ao espírito do cinema e ao amor que se tem ao fazer filmes. Sem revelar muito do plot que é frenético, imaginativo e imprevisível, há a junção explosiva entre um grupo de cineastas amadores completamente apaixonados e obcecados pela ideia de fazer um grande filme e dois clãs rivais de yakuza.
Sion Sono continua a surpreender e a produzir com bastante qualidade e espera-se um novo filme falado em inglês e com a possível participação de Nicholas Cage.
TEXTO: CLÁUDIA ZAFRE
IMAGENS: Frames tirados dos filmes