Créditos: Hugo Calhim Cristovão
Percorremos o corredor da Casa Viva, espaço interventivo, para chegarmos ao jardim que une duas casas, a Casa Viva à casa ao lado. Aparenta estar abandonada. Recebe-nos uma mulher misteriosa, vestida com um hábito, iluminada pela chama de uma vela que segura.
Somos seis pessoas numa sala que tem nas paredes desenhos de criaturas em diversas fases, autoria da actriz Paula Cepeda Rodrigues. À nossa frente está uma mulher em pé que aguarda, em silêncio, que nos sentemos. O silêncio da sala é perturbador. Inicia-se um monólogo de uma hora e alguns minutos que gradualmente cai em multiversos, sonhos misturados com pesadelos e pesadelos misturados com sonhos. Nós continuamos sem nos movermos e assistimos a tudo. Parece a entrada para o mundo oculto, para um exorcismo que se foi acentuando e ficando cada vez mais intenso, caótico, raivoso, rebelde, destemido, louco, apocalíptico, todas essas palavras que mexem com a nossa psique. Paula confunde-se com uma Charlotte Gainsbourg em Antichrist de Trier, de minuto a minuto somos surpreendidos ora com gestos agressivos, ora com movimentos doces.
A audiência sentiu-se agitada pela interpretação catártica da actriz. Paula conseguiu com o seu talento causar-nos medo, insegurança, questões, dúvidas e exigiu-nos uma atitude de resposta a tudo o que aconteceu naquela pequena sala.
Abbadon, uma criação, com encenação e realização de Hugo Calhim Cristovão, no contexto ZuIsIs ZoBoP (Associação Cultural de Criação, investigação e formação no domínio das Artes performativas), foi a peça que vimos. Na realidade, Paula Cepeda Rodrigues nunca mais nos saiu da cabeça. Sabemos que estudou Mitologia no Instituto de Teatro de Barcelona, cursou Estudos Teatrais na Escola de Artes da Universidade de Évora e estudou Linguística na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. É membro da NuIsIs ZoBoP e é actriz de profissão. O lado enérgico de Paula traduz um pouco o seu percurso: é autora do ensaio Mergulho da mesma maneira que o sangue me corre nas veias e é membro do grupo de investigação em fonologia Phon'UP do centro de linguística da FLUP.
Podemos dizer que não sabemos de onde veio a força que a levou a todos os estágios da peça, mas ao mesmo tempo afirmamos que a memória nunca apagará aquela noite.
Paula, muito gentilmente, respondeu-nos à Bagagem e escolheu 5 livros, 5 canções, 5 filmes. Ficam aqui as suas sugestões.
5 livros:
- “Um Estranho numa Terra Estranha” de Robert A. Heinlein
- “Artaud le Mono” de Antoine Artaud
- “Cantos de Maldoror” de Lautréamont
- "Orlando” de Virginia Woolf
- “O Programa Minimalista” de Noam Chomsky
5 canções:
- “Piece of My Heart” por Janis Joplin
- “In my Time of Dying” por Bob Dylan
- “Ain't Got No, I Got Life” de Nina Simone
- “Pyramid Song” de Radiohead
- “Anarchy In The UK” de Sex Pistols
5 filmes:
- “Breaking the Waves” de Lars von Trier
- “Old Boy” de Park Chan-wook
- “Tokyo Gore Police” de Yoshihiro Nishimura
- “Battlestar Galactica” de Ronald D. Moore
- “Underground” de Emir Kusturica
Texto: Priscilla Fontoura
Bagagem: Paula Cepeda Rodrigues
Imagem: Hugo Calhim Cristovão