Palavras-chave:  baladas, homicídio, macabro  Resumo  A atracção pelo macabro e pela psicologia de pessoas que praticam actos desviante...

MURDER BALLADS: Cantigas do macabro e do lado negro

Palavras-chave: baladas, homicídio, macabro 

Resumo 
A atracção pelo macabro e pela psicologia de pessoas que praticam actos desviantes sempre foi uma constante fonte de curiosidade para algumas pessoas. Estes actos criminosos, alguns premeditados e outros fruto de reacção passionais sempre preencheram parte do nosso imaginário enquanto espécie e permanecem ainda hoje como uma fonte de fascínio. Antes e mesmo depois do advento da imprensa, havia cancioneiros solitários ou em grupo que viajavam de terra em terra a declamar em poesia (e por vezes com acompanhamento musical) os actos aberrantes que tinham sido praticados por uma pessoa ou por um grupo. Desde homicídios de vários géneros, parricídios, matricídios, envenenamentos em série, todos esses temas e casos trágicos serviram de mote para as apelidadas Murder ballads. 

1 – The Saugerties Bard 

Esboço por Johyn Hughes Kerbert

Em meados de 1800, havia um homem que viajava numa caravana pelos EUA de terra em terra no estado de Nova Iorque para declamar a sua poesia, muitas vezes acompanhado por flauta ou violino. A multidão juntava-se para o ouvir musicar poemas que tinha escrito sobre os crimes mais polémicos e arrepiantes da época. 

O seu nome era Henry Sherman Backus e apesar de ter falecido num estado de pobreza extrema, o seu legado foi bastante vasto no que diz respeito à arte de musicar homicídios, desastres e acidentes naturais. 

Backus ganhava a vida a vender os manuscritos dos seus poemas que lhe permitiam continua a sua peregrinação ao longo do estado de Nova Iorque. 

De acordo com Benjamim Myer Brink no seu livro EARLY HISTORY OF SAUGERTIES, o bardo aparentava ser bastante inofensivo, mas excêntrico, impulsivo e com uma grande capacidade de improviso de rimas. 

Apesar de ser tornado uma lenda após a sua morte em Saugerties, pouco ou quase nada se sabe o que levou a enveredar pela carreira de bardo de murder ballads. 

Uma das suas baladas mais famosa foi sobre Albert W. Hicks (Hicks The Pirate), um homem que já com o advento da imprensa, figurou em vários jornais após relatos do seu caso se tornarem cada vez mais incríveis e sanguinolentos. Apesar de apelidado de pirata, Albert Hicks não passava de um psicopata que aguardando que a tripulação do barco em que embarcou depois de fazer amizade com o capitão, fez questão de assassinar toda a gente a bordo por questões monetárias. 

Eis alguns excertos da famosa balada: 

But upon this oyster vessel
A pirate bold had found his way
With wicked heart, this vassal
The captain & 2 boys did slay
He seized the gold & silver
Which this poor captain had in store
His watch & clothes did pilfer
While he lay struggling in his gore

A balada é bastante mais longa e pode ser encontrada na internet. Ao longo da sua carreira como bardo, Henry Backus narrou muitos mais casos polémicos da época. A razão pela qual decidiu embarcar nessa odisseia permanece um mistério, mas pela quantidade de pessoas que atraiu nas suas performances, é caso para dizer que o lado sombra descrito por Jung sempre fez parte do colectivo consciente da humanidade. 

2 - A balada de Lydia Sherman
Lydia Sherman 

Lydia Sherman era aparentemente uma mulher respeitável e bastante cuidadosa e querida pela sua família. No entanto, os seus familiares pareciam morrer todos de causas aparentemente naturais. Parecia que quem se aproximava demasiado de Lydia acabaria mais cedo ou mais tarde por ser acometido por dores horríveis, mau estar nauseante e inevitavelmente a morte. Após a desconfiança de um dos médicos que secretamente mandou examinar um dos corpos, descobriu-se uma quantidade incrível de arsénico no cadáver. 

A investigação recaiu sobre Lydia Sherman que durante a sua vida foi envenenando membros da sua família quando eles se revelavam um “peso” para as suas finanças e independência. 

Lydia Sherman foi uma das primeiras mulheres considerada como assassina em série e como é habitual, foi cunhada com várias alcunhas, tais como “The Poison Fiend” ou “The Queen Poisoner”.

Acabou por ser presa a 7 de Junho de 1871 e condenada a prisão perpétua, acabando por falecer de cancro enquanto cumpria a sentença. 

Lydia Sherman ficou presente no universo do crime com uma cantiga rimada que se tornou bastante popular na época. Eis um excerto: 

Lydia Sherman is plagued with rats, 
Lydia Sherman has no faith in cats. 
So Lydia buys some arsenic, 
And then her husband gets sick;
And then her husband, he does die. 
And Lydia’s neighbors wonder why.

A balada foi interpretada e tocada na contemporaneidade pela banda The Mockingbirds. A origem da cantiga original e respectiva letra permanece de origem anónima. 

3 - Tom Dooley 

Tom Dooley

A balada de Tom Dooley é talvez uma das canções mais conhecidas do Folk e que retrata o homicídio supostamente perpetrado por um soldado da confederação durante a guerra civil americana. O seu nome era Thomas C. Dula e foi acusado de assassinar Laura Foster, uma mulher com quem mantinha um relacionamento romântico. No entanto, além dessa relação, Tom Dooley também tinha um caso com uma mulher casada, Ann Melton. Tom Dooley acabou por assassinar Laura Foster e alguns dizem que com a ajuda de Melton, no entanto, apenas Tom foi condenado e enforcado em 1866. 

Diz a lenda que Tom Dooley a caminho da sua execução tocou num banjo e cantou a música que o faria famoso anos mais tarde. As suas famosas últimas palavras foram: 

You have such a nice clean rope, I ought to have washed my neck.

Em 1958 a canção “Tom Dooley” gravada pelo The Kingston Trio alcançou o número 1 nos charts Billboard e contribuiu para o revivalismo e força da música folk. 

Na área do cinema, a música também foi popularizada nas cenas iniciais do filme slasher de terror “Friday the 13th”. 

Apesar da lenda de que foi o próprio Tom Dooley a compor a cantiga, há também registos de um poeta chamado Thomas Land que escreveu o poema logo após a execução de Tom Dooley

Hang down your head, Tom Dooley
Hang down your head and cry
Hang down your head, Tom Dooley
Poor boy, you're bound to die

I met her on the mountain, there I took her life
Met her on the mountain, stabbed her with my knife

Hang down your head, Tom Dooley
Hang down your head and cry (ah-uh-eye)
Hang down your head, Tom Dooley
Poor boy, you're bound to die

4 – The Harry Hayward song ou The fatal ride 

Retrato de Harry Hayward

Harry Hayward era um rapaz de boas famílias, bem-apessoado e com um charme aparentemente irresistível para as mulheres. Foi assim que conheceu Catherine Ging e a persuadiu a fazê-lo o beneficiário do seu seguro de vida. Harry Hayward era um bom vivant, com bigode alourado e extremamente galante. No entanto, tinha um outro lado, uma espécie de Jeckyl and Hyde como é frequente neste tipo de criminosos. Tinha o vício do jogo e era frequente acumular dívidas. Foi com muita frieza e deliberação que planeou o assassinato de Catherine Ging. Primeiro contactou o seu irmão, Adry, que recusou a proposta de assassinar a jovem e contou ao advogado da família o plano do irmão. Na altura, o advogado não deu importância ao relato e só depois do crime ser cometido é que se dirigiu à polícia e contou o sucedido. 

Demasiado galante para sujar as mãos de sangue, Harry Hayward encontrou em Claus Blixt, o assassino perfeito.

Retrato de Claus A. Blixt.

Assim como Catherine Ging também Claux Blixt foi facilmente persuadido por Harry Hayward, claro que não o persuadiu usando o seu charme masculino mas com promessas de riqueza misturadas com alguma ameaça. Claus Blixt afirmou mais tarde que bastava o olhar fixo de Harry Hayward para convencer qualquer pessoa a fazer o que fosse, como se fosse um hipnotista maléfico. 

Os detalhes do crime variam dependendo de quem o conta mas a teoria mais acertada é que os dois assassinos alugaram uma carruagem para transportar Catherine, que surpreendida, pela presença de Blixt pouco pode fazer evitar o seu destino trágico, sendo encontrada perto da linha de comboio, tendo sido alvejada. 

Harry Hayward foi uma das personagens que mais críticas e ódio recebeu pelo calculismo exibido, falta de remorso e qualquer traço de empatia. Sendo revelado posteriormente que matou um parceiro de jogo a sangue-frio e de uma forma bastante grotesca. 

Com os crimes descobertos, Harry Hayward foi condenado à morte e enforcado. O seu parceiro num dos crimes recebeu alguma leniência e foi apenas condenado a prisão perpétua.

Devido à natureza macabra do caso, foi mais um crime que mereceu a balada “The fatal ride” ou “The Harry Hayward” escrita por pessoa anónima. 

Eis um excerto:

Refrão:
The stars were shining brightly
And the moon had passed away.
The roads were dark and lonely
When found dead where she lay.
Then tell the tale of a criminal
She was his promised bride.
Just another sin to answer for,
Another fatal ride.

When for pleasure she went riding
Little did she know her fate
That took place on that lonely night
On the road near Calhoun Lake.
She was shot while in the buggy,
And beaten, 'tis true to speak,
Until all life had vanished,
Then was cast into the street.

5 – As baladas sentimentais para Pearl Bryan 

Retrato de Pearl Bryan

Pearl Bryan era a filha de um agricultor abastado e estudante de música que sofreu um destino para lá de trágico ao ser assassinada brutalmente. O seu corpo foi encontrado decapitado e com várias lesões traumáticas. Foi automaticamente considerado um dos crimes mais brutais do século, até porque na altura em que foi assassinada, Pearl estava grávida. A investigação apressou-se em descobrir a mente monstruosa por trás do crime e recaiu em não um, mas dois suspeitos. Scott Jackson e Alonzo Walling que apesar de anunciarem a sua inocência, vários dados foram revelados durante a investigação que Pearl tinha engravidado de Scott Jackson que a tinha convencido a fazer um aborto. Pearl acedeu ao pedido depois de várias insistências e foi nessas circunstâncias que conheceu Alonzo Walling, o companheiro de casa de Scott Jackson.

 
Esboços de Alonzo Walling e Scott Jackson

Os dois homens tentaram culpar-se um ao outro, envolvendo também um médico de renome na época. No entanto, a teoria investigacional que prevaleceu foi que drogaram Pearl e cometeram o assassinato em conjunto de forma brutal numa zona de macieiras. 

Acabaram por ser ambos executados e enforcados pelo assassinato. Este caso que chocou a sociedade na altura foi musicado e teve pelo menos seis versões de registo. 

Eis um excerto da versão mais popular : 

Deep, deep in yonder valley 
Where the flowers fade and bloom, 
There lies poor Pearl Bryan 
In a cold and silent tomb.
She died not broken hearted, 
Nor lingering ill befell, 
But in an instant parted 
From one she loved so well.

6 – O crime de Quiet Dell 

O instinto predatório de alguns humanos não se revelou com o advento da internet, pode ter sido acentuado e mais casos foram reportados, mas muito antes da Internet, havia correspondências para solteiros em classificados de jornais. Os solteiros trocavam endereços e depois começavam a enviar cartas e se a correspondência corresse bem podia até resultar em casamento.


Foi dessa forma que Harry Powers (na realidade, o seu nome era Herman Drenth) trocou correspondência com várias mulheres que acabaram por ser as suas vítimas. Usava vários pseudónimos, personalidades e identidades dependendo da mulher com quem estava a corresponder-se. 

Para além de homicida e predador, Herman era um homem casado que possuía uma quinta apelidada Quiet Dell. Foi nessa quinta que os investigadores encontraram os cadáveres das suas vítimas. 

A quinta possuía também uma cave que ficou célebre como “Death Dungeon” onde Herman Drenth aprisionava as suas vítimas. 

A sua prisão gerou inúmeras manifestações e as suas idas ao tribunal tiveram de ser feitas sobre uma escolta rigorosa para não ser publicamente linchado. Como muitos psicopatas, tentou a defesa de legalmente insano, no entanto, examinado por vários psiquiatras, ambos concluíram que sabia distinguir o certo do errado e como tal, foi considerado legalmente são. 

Acabou por ser condenado à morte por enforcamento a 18 de Março de 1932. Este caso que horrorizou e chocou a maior parte da população, foi também ele musicado com o nome “The crime of Quiet Dell”. Há duas versões da música bastante distintas apesar de partilharem o mesmo nome. Uma delas foi composta por A. H Grow e a outra por Leighton D. Davies. A acompanhar as baladas vinha o aviso que a música não servia para apelar e satisfazer os interesses mórbidos do ouvinte mas sim para servir de aviso para quem confia demasiado em estranhos que conhece através de correspondência. 

Eis alguns excertos :

A foul crime was committed there 
That shocked the depths of hell. 
Upon this scene a place was built 
Away from sight and sound 
With gallows in the upper part 
And prisons underground.

The prison poor without a door 
Devoid of air and light, 
With deadly gas jets on the walls 
Presents a gruesome sight. 
The bloodstains on the prison floor, 
The graveyard just outside, 
When taken all together tells 
Just how the victims died.

7 – As Murder Ballads de Nick Cave 

Capa do álbum Murder Ballads, Nick Cave and the Bad Seeds

Em 1996, Nick Cave and the Bad Seeds gravaram um disco bastante original que se focou em temas originais e versões. Os temas principais focam-se na morte e na violência, temas que sempre fascinaram o músico e que foram transpostos na perfeição para os dez temas que compõe o disco. Conta com as participações de P.J Harvey e Kylie Minogue com quem faz dois duetos memoráveis.

Nick Cave

Faz também uma versão impecável da balada clássica americana Stager Lee ou (Stagolee), uma canção sobre um homicídio que ocorreu durante a época natalícia do ano de 1895. 

Além do carácter violento das letras, há também uma certa componente de humor negro bastante forte, especialmente em The curse of Millhaven que contém um versão que apesar de sádico revela alguma ingenuidade que é apelativa. O massacre feito por um só homem num saloon na música 0’Malley’s bar e o tema final com coros belíssimos que nos garante que Death is not the end

Com este disco, Nick Cave transpôs para a contemporaneidade a tradição cancioneira de crimes grotescos e de violência, por vezes, tão excessiva que parece que estamos a ver um filme japonês de samurais em que o sangue esguicha como um jacto durante cerca de meio minuto.

É um disco que vale a pena ouvir ou adquirir nem que seja pelo belíssimo artwork e pelo booklet. 

Conclusão:
A violência no seu estado mais puro e primário ou de forma dissimulada e calculista sempre atraiu um número de artistas e músicos que pretenderam de alguma forma representar os crimes, uns de forma gratuita e exploratória e outros como forma de reflexão e prevenção de crimes. O macabro e a atracção pelo abismo sempre exerceu algum fascínio no ser humano e a música assim como a poesia ocuparam-se dessa necessidade, por vezes assumida, por vezes oculta na maior parte dos seres humanos.

TEXTO: CLÁUDIA ZAFRE

Fontes utilizadas: 
NET: http://www.murderbygaslight.com/

Livros:
- Psycho U.S.A – Harold Schechter 
- Classic american ballads – Smithsonian Folkways
- Bloody versicles - the rhymes of crime de Jonathan Goodman