Palavras-chave: new-wave, post-punk, vanguarda
Resumo:
Os anos 80 em Portugal foram o palco de inúmeras bandas que um pouco influenciadas pelos movimentos musicais de outros países conseguiram criar a sua própria estética musical e “abanar” este país de supostos “brandos costumes”. Tanto pela imagem, como pelo recurso a composições musicais refrescantes e de moldes originais, foram muitas as bandas que enriquecerem o panorama musical português da agora nostálgica e sempre apaixonante década de 80.
1- Introdução a Corpo Diplomático
Corpo Diplomático foi uma banda formada em 1979 e que teve uma existência curta, acabando no ano seguinte em 1980. No entanto, durante esse ano de existência gravaram MÚSICA MODERNA. Um bom exemplo de post-punk feito em Portugal. A banda formada por elementos que depois fizeram parte dos Heróis do Mar e Delfins compuseram 8 canções que farão sempre parte do movimento musical vanguardista dos anos 80. Com influências de post-punk, new wave e algum punk mais artístico aliado a letras de cariz algo surreal, MÚSICA MODERNA é um título mais do que adequado para o disco.
Uma das letras mais interessantes do disco pode ser encontrada no terceiro tema, KAYATRONIC. A letra é debitada como um poema e acompanhada por efeitos sonoros e um órgão algo hipnotizante.
O tema que inicia o disco, LISBOA (QUEM QUER COMPRAR UM FERRARI) é recheado de riffs catchy e uma ambiência algo boémia que permeia o resto do disco.
É um disco que permanece na memória de muitas pessoas e cuja originalidade permanece inigualável.
Membros :
Dedos Tubarão (Pedro Ayres Magalhães) (voz, baixo),
Gato Dinamite (aka Flash Gordon)
Emanuel Ramalho (bateria, percussão, voz),
Rocky Tango (aka Ultravioleta, Paulo Pedro Gonçalves) (voz),
Falso Alarme (guitarra, voz),
Carlos Maria (teclas, voz),
Choque Eléctrico (sintetizador, voz)
Clube Naval foi uma banda formada em Lisboa que teve uma existência curtíssima e que editou apenas um single que se tornou bastante conhecido e alvo até de algumas piadas. O single em questão, PROFESSOR XAVIER é uma música pop extremamente dançável, aliada a um refrão inesquecível. Foi editado em 1983 com mais um tema, SALVA-VIDAS e no vinil constam duas versões diferentes desses temas. O tema foi eventualmente repescado e surgiu na compilação editada em 2008, LUSO POP.
Membros:
Godinho (voz),
Salema (voz)
Salema (voz)
Street Kids foi uma banda formada em 1979 em Lisboa e que editou em 1982 o disco TRAUMA composto por nove temas. É notória a influência new wave e inclinações synth pop durante todo o disco. Apesar do tom “colorido” das melodias e das inclinações para a pista de dança, há sofisticação na composição e algum cuidado para não cair em fórmulas. As letras também contêm alguma contestação social como em TROPA NÃO e PROGRESSO. Há também instrumentais surpreendentes como o tema ISRAEL e NOVA ATITUDE. É um disco marcante de new-wave português que detém o prestigio de não soar datado.
Membros:
Nuno Rebelo (baixo),
Luís Ventura (aka Mané) (voz),
Eduardo Sobral Pimentel (guitarra),
Nuno Canavarro (aka Nuno II) (teclas, 1980-83),
Flash Gordon (Emanuel Ramalho) (bateria, 1980-83)
BAN foi uma banda formada em 1981 no Porto. Estrearam-se em 1988 com o disco SURREALIZAR composto por nove temas. O som é reminiscente de um post-punk ou talvez post-pop com guitarras fluídas, ritmos certeiros e o cativante dueto de vozes de João Loureiro e Ana Deus. Um dos temas mais populares do disco foi IRREAL SOCIAL que continua a ser bastante “rodado” hoje em dia, no entanto, o disco é composto por temas igualmente interessantes. Depois de SURREALIZAR, foi a vez de MÚSICA CONCRETA com a mítica canção Dias Atlânticos. O disco é composto por dez temas de um pop bastante suave mas que nunca teve medo de explorar os seus limites e quebrar barreiras.
Ana Deus, por Bruno Simão
Membros:
João Loureiro (voz),
João Ferraz (guitarra),
Paulo Faro (bateria),
Francisco Monteiro (baixo),
Emanuel Ramalho (bateria),
Ana Deus (voz),
Rui Fernandes (saxofone),
Ricardo Serrano (teclas),
Emília (1994, voz)
João Loureiro (voz),
João Ferraz (guitarra),
Paulo Faro (bateria),
Francisco Monteiro (baixo),
Emanuel Ramalho (bateria),
Ana Deus (voz),
Rui Fernandes (saxofone),
Ricardo Serrano (teclas),
Emília (1994, voz)
Sétima Legião formou-se em 1982 em Lisboa e durante a década de 80 editaram três discos fantásticos. A UM DEUS DESCONHECIDO em 1984, MAR D’OUTUBRO em 1988 e DE UM TEMPO AUSENTE de 1989. No seu som conseguem fundir a modernidade de um post-punk com a música folk tradicional e com um espírito ou essência do que é ser português. Usam uma quantidade infindável de instrumentos que conseguiram criar a mística necessária para se tornarem uma das bandas mais importantes e interessantes dos anos 80. A UM DEUS DESCONHECIDO é composto por onze temas, incluindo os instrumentais Pois que Deus assim o quis e A Partida (versão). É um disco que assinala a estreia de uma banda que apesar da sua curta duração contribui com grandes clássicos para o repertório musical português.
Sétima Legião, Revista Visão
MAR D’OUTUBRO abre com a mítica canção Sete Mares que continua actual hoje em dia e possui também alguns instrumentais dignos de nota como Noites Brancas, Este amor que nos separa, O baile (das sete partidas) e Onde tem estado o Outono?.
A fechar a década de 80 com DE UM TEMPO AUSENTE surge o tema que permanecerá intemporal Por quem não esqueci. É um disco que assume algumas tendências de música tradicional portuguesa fundida com o som do post-punk que se fazia na altura, assim como algumas influências de música folk celta. Sétima Legião editou mais dois discos durante a década de 90 até terminar em 2000. No entanto, o seu legado continua a ser riquíssimo para a cultura musical portuguesa.
Membros:
Rodrigo Leão (baixo, órgão, 1982-96),
Pedro Oliveira (voz, guitarra),
Nuno Cruz (bateria, percussão),
Susana Lopes (violoncelo, 1983-84),
Paulo Marinho (gaita de foles, flauta),
Ricardo Camacho (órgão),
Gabriel Gomes (acordeão),
Paulo Abelho (percussão, samples),
Lúcio Vieira (baixo, 1996-?),
Francisco Menezes (percussão, voz secundária)
Linha Geral formou-se em 1984 e editou em 1989 o seu disco de estreia e homónimo. É um disco composto por 8 temas e cuja apresentação singela, apenas uma capa de cartão com o logotipo a vermelho da banda impresso no canto superior direito, é a carta de entrada para uma das bandas mais promissoras de post-punk português da década de 80. As letras são cantadas em português e há um carácter urgente que impele a uma revolução, havendo um carácter contestatário que perpassa pelos 8 temas do disco. Esse carácter é sentido especialmente em Ousadia, Dança das sombras e no fantástico Auto de fé.
Vinil Linha Geral
Trata-se de um disco de post-punk com secções rítmicas explosivas e criativas, linhas de guitarra electrizantes e vocalizações carismáticas. É instrumentalmente bastante competente e assume o papel de um dos discos mais férteis e interessantes do post-punk português da década de 80. A banda não editou mais nenhum disco de originais mas têm alguns temas em compilações como DIVERGÊNCIAS editado em 1986, MÚSICA MODERNA PORTUGUESA – VOLUME 2 também editado em 1986 e mais recentemente AMA ROMANTA SEMPRE de 1999.
Uma banda que apesar de só ter editado um disco de originais permanece relevante para quem está interessado em ouvir post-punk cantado em português.
Membros:
Carlos Manso (vocals, guitar),
Fernando Soares (drums),
Tiago Lopes (guitar),
Pedro Alvim (bass)
Rádio Macau formou-se em Lisboa em 1983. Tornaram-se uma das bandas mais importante e incontornáveis do pop-rock cantado em português e foi com o disco homónimo de 1984 que fizeram a sua estreia. O disco é composto por 9 temas e em todos há uma certa afeição por contar histórias seja do quotidiano ou não com Lisboa como pano de fundo. Reflecte também as mudanças de mentalidade e também sociais que Portugal teve durante a década de 80. Uma das músicas mais populares foi Bom dia Lisboa mas há também temas igualmente interessantes, tais como No comboio descendente, um poema musicado de Fernando Pessoa, Diabos no Paraíso com uma boa linha de baixo e A Noite que faz um relato narrativo da atmosfera dos anos 80 em Portugal.
Passado dois anos editam SPLEEN, um disco que contém 10 temas e que se inicia com a canção épica Há dias assim que ficará para sempre impressa no imaginário do rock português. Há também alguma influência new wave como em O Oposto do Amor. É um disco que continua a marcar a diferença e a manter Rádio Macau como um dos projectos mais dignos de nota no panorama da música nacional.
Rádio Macau, foto por Olhos a Zumbir
Esse lugar foi automaticamente cimentado com o disco de 1987 ELEVADOR DA GLÓRIA que se inicia exactamente com o tema que deu nome ao disco. Um tema electrizante e icónico que fará parte do panteão das melhores músicas rock alguma vez feitas em Portugal.
O disco também acolhe O ANZOL uma das músicas mais populares na altura e que ainda hoje retém a sua frescura. É um disco que não contém um tema fraco ou filler e que faz uma fusão muito boa do new-wave com pop rock e tudo isso cantado em português com letras criativas na voz inconfundível de Xana.
Para fechar a década de 80 editaram o fantástico O RAPAZ DO TRAPÉZIO VOADOR em 1989 que possui o clássico, Amanhã é sempre longe demais, mas que afigura um certo tom leve mais experimentalista que o distingue pela positiva dos discos que o antecederam.
Durante a década de 90 continuaram a editar discos e a fortalecer o seu estatuto como uma das bandas de rock português mais influentes e interessantes do nosso país.
Membros:
Xana (voz),
Flak (guitarra),
Flak (guitarra),
Luís Filipe Valentim (órgão),
Alex (baixo),
Emanuel Ramalho (bateria, 1980-86),
Alberto Garcia (bateria, 1986-89),
Luís San Payo (bateria, 1989-93),
Fred (bateria),
Ricardo Frutuoso (guitarra)
Mler Ife Dada formou-se em 1984 em Lisboa. Editaram dois discos durante a década de 80, COISAS QUE FASCINAM em 1987 e ESPÍRITO INVISÍVEL em 1989. COISAS QUE FASCINAM contém 13 temas e arranca com o clássico Zuvi Zeva Novi. Acolhe também outros clássicos e músicas de uma delicadeza pop artística como nunca se tinha feito em Portugal, como é o caso de Valete de Copas e Sinto em mim.
Há o uso de muitos instrumentos de sopro que complementam na perfeição as composições criativas e imprevisíveis. Digno de nota é também a voz de Anabela Duarte com um timbre fascinante e que consegue modular a sua voz em contextos fascinantes.
Mler Ife Dada, imagem revista Umbigo
As letras têm uma componente dadaísta, especialmente em 8 doces e a Elsa Disse. É um pop de cariz artístico cuja inovação e marca própria os colocam numa liga só deles.
O álbum que se se seguiu, ESPÍRITO INVISÍVEL em 1989 confirma a tendência para um pop vanguardista, bem tocado e interpretado. Depois do estrondoso e realmente fascinante, COISAS QUE FASCINAM, seria complicado lançar mais um disco que conseguisse seguir as pegadas do seu antecessor, no entanto, este disco de 89 continua o legado dos Mler Ife Dada com temas bastante interessantes como O feiticeiro de Oz e a bruxa má do Oeste, Xwe Xwe e Fake Jazz men. É um disco que vale a pena descobrir ou redescobrir tendo em conta a sua componente vanguardista e criativa. Música que continua a ser bastante relevante nos dias de hoje e que sim, continua a fascinar.
Membros:
Nuno Rebelo (guitarra, baixo),
(continua)
Augusto França,
Pedro D'Orey (voz, 1984-85),
Kim (voz, 1984-88)
Anabela Duarte (voz, 1985-90),
Sofia Amendoeira (voz, 1990),
Zezé Garcia (José Garcia) (guitarra, 1985-90),
Nini Garcia (António Garcia) (bateria, 1985-90),
José Pedro Lorena (saxofone, 1986-90)
(continua)
TEXTO: CLÁUDIA ZAFRE