Resumo:
A
atracção do ser humano pelo que mais o assusta sempre foi um poço de
criatividade bem aproveitado na literatura, pintura e acima de tudo na sétima
arte. O género de filmes de terror pode não agradar a todas as pessoas, mas é
um reduto aconchegante para alguns cinéfilos e um género que tem vindo a
desenvolver-se cada vez mais e a ganhar novos adeptos. O som e a música são
elementos essenciais neste tipo de filmes, por isso, não é de admirar que muitos
temas tenham ficado para sempre impressos no nosso consciente colectivo. Os
homicídios elaborados de Hitchcock, forças sobrenaturais e paranormais, slashers
ou retratos de realidades tortuosas, há todo um menu de medo e sombras que os
espectadores podem escolher e apreciar.
1- Introdução a Psycho, Bernard Herrman (1960)
1- Introdução a Psycho, Bernard Herrman (1960)
Psycho é um dos filmes mais populares de
Alfred Hitchcock e um dos grandes clássicos do cinema. A infame cena do
homicídio no duche é uma das mais reconhecidas universalmente e a banda sonora/score
composta por Bernard Herrman ajudou e muito para que este filme ficasse retido
no imaginário do cinema mundial. O tema que se ouve na cena em que Marion Crane
é brutalmente esfaqueada por um maníaco Norman Bates travestido é um clássico
que será sempre utilizado para descrever cenas de profunda tensão e que
culminam numa morte violenta. É um aglomerado de violinos agudos e violentos
que preenchem a cena e dão ainda mais crueza e realismo ao assassinato. Esta
banda sonora clássica para um clássico recai numa composição de género
cromático em que vários motifs de tema são utilizados frequentemente. É uma
banda sonora que também ajuda a ilustrar a configuração psicológica das
personagens, especialmente a repressão sexual e confusão mental de Norman Bates.
Personagem inspirada em Ed Gein num livro escrito por Richard Bloch que captou
a atenção de Hitchcock para realizar Psycho. Um dos filmes mais icónicos do
género de thriller e terror. Esta banda sonora é inteiramente tocada por
instrumentos de cordas orquestrais e tanto é ameaçadora quanto “assombrada”,
permanecendo como uma das peças composicionais mais complementares para filme e
que continua a reter a mesma frescura nos dias de hoje.
Carrie é capaz de ser o filme perfeito para
uma campanha anti-bullying. Rapariga problemática (Carrie) com mãe opressora e
fanática religiosa tenta ser igual aos seus colegas, mas é bullied
constantemente. Uma colega sente pena dela e tenta mudar a situação. As coisas
correm mal e corta para: Carrie mata toda a gente. Este clássico do cinema de
terror foi escrito por Stephen King num livro que agarra desde a primeira
palavra e que foi transporto para o ecrã por Brian De Palma. A banda sonora era para ser composta por Bernard Herrman, mas o compositor acabou por falecer após completar a banda-sonora de Taxi Driver, sendo que a tarefa de compor a música do filme recaiu em Pino Donaggio (que também compôs a de Dressed to Kill realizado
por De Palma) e que com algumas reminiscências do trabalho de Herrman (que constituiu uma homenagem) consegue transmitir inocência, pureza, raiva e melancolia. Existe
também uma progressão na música que acompanha a narrativa, primeiramente a
música é suave e inocente assim como Carrie que começa a acreditar que pode finalmente
ser aceite pelos seus colegas, mas depois quando o incidente com o balde de
sangue que leva ao massacre acontece, a música assim como o estado de espírito
de Carrie muda completamente, havendo bastante tensão nos instrumentos e alguma
dissonância. É uma banda sonora que anda lado a lado com o desenvolvimento
psicológico da personagem.
Michael Myers, serial-killer da saga
Halloween é tanto uma figura de cultura popular quanto é o tema principal do
filme. O tema composto por John Carpenter continua a ser um dos mais
reconhecidos mundialmente e que nos remete automaticamente para o assassino de
máscara branca, impassível e aparentemente calmo que assassina brutalmente as
suas vítimas. A banda sonora composta por Carpenter assenta principalmente no
uso de piano e sintetizadores que complementam e acentuam a atmosfera
aterradora e tensa do filme. Há também o uso de alguns motifs sonoros que são
mudados ligeiramente e usados para acentuar os momentos mais tensos do filme,
antes e durante as execuções das vítimas por Michael Myers. Estes momentos de
homicídio são sublinhados pela banda-sonora/score e ajudam a criar momentos de
perfeita aflição no espectador, assim como o uso de notas em stacatto quando
Michael Myers faz mais uma vítima. Essas técnicas minimalistas criadas por
Carpenter ajudaram a fazer de Halloween um dos filmes mais bem conseguidos de
terror e que gerou uma franchise bastante popular. A cena em que vemos Michael
Myers em criança mascarado e com uma faca na mão à frente da sua casa é também
uma das imagens mais marcantes do cinema de terror. Imagens fantásticas, um
vilão enigmático e uma banda sonora assombrosa são alguns dos elementos que
fazem deste filme um clássico do cinema de terror e para sempre distinto de todos
os outros slashers. Os Secret Chiefs 3 registaram uma versão do tema muito interessante.
Suspiria realizado por Dario Argento é um
dos filmes mais populares do sub-género de terror, giallo, criado em Itália. Os
filmes Giallo são uma espécie de variante europeia do filme slasher e dependem
bastante da estética visual e também sonora. A música é normalmente de género
progressivo e bastante expressiva. O trabalho de câmara é sofisticado e em
termos narrativos há sempre um grande elemento de mistério. Há também a
presença de alguma nudez e bastante gore, sendo que os assassinatos neste tipo
de filme são bastante detalhados e gráficos.
Tendo em conta a importância da
expressividade neste género de filmes é adequado que a tarefa da banda sonora
tenha recaído na banda Goblin que são exímios em criar atmosferas de ameaça e
suspense. Esta ameaça está presente no tema principal do filme que dá ao
ouvinte uma espécie de desconforto que traduz essencialmente a génese do filme.
Suspiria é um filme que mistura elementos sobrenaturais, terror gótico e as
técnicas narrativas do giallo da melhor forma.
Goblin é uma banda com um som totalmente
próprio e que apesar de ser considerado rock progressivo com alguns laivos de
electrónica, são autores de um som que é absolutamente uma marca registada.
The Shining realizado por Stanley Kubrick é
um dos clássicos do cinema mundial e não é de estranhar que a banda sonora
também seja considerada uma das mais icónicas e importantes no universo da
música feita para cinema. A banda sonora composta por Wendy Carlos pode ser
ouvida independentemente do filme tal é a sua magia e força.
No filme, existe imediatamente um clima de
algum suspense gerado essencialmente pela música nas cenas iniciais do filme. O
que acontecerá a seguir? Já ficamos com a ideia que não será nada de bom. Também
há o uso de peças clássicas de Penderecki e Ligeti que servem para acentuar os
momentos de tensão extrema. A música de cariz religioso é utilizada para fins
com intuitos mais sinistros e que pretendem acentuar as cenas de terror mais
extremo. A Requiem Mass de Ligeti é reproduzida ao longo da cena climática do
filme, dando resultados satisfatórios pela orquestração dos coros que
originalmente seriam utilizados para fins religiosos. Para além da música, há
também um elemento essencial nos filmes de terror: o grito. E este é utilizado
de forma perfeita no momento em que Jack Torrance (Jack Nicholson) tenta entrar
na casa-de-banho quebrando a porta com um machado e onde uma Wendy está
completamente aterrorizada. O grito de Wendy (Shelley Duvall) é um dos mais
aterradores da história do cinema e sai do ecrã entrando directamente na nossa
consciência. Os temas originais complementam as peças clássicas que parece que
foram compostas a pensar neste filme, tal é a perfeição da sua adaptação.
A Dark Song é um filme realizado por Liam
Gavin que sobressai pelo carácter de tensão e suspense. Boa interpretação pela
actriz principal, Catherine Walker que encarna o papel de uma mulher atormentada
pelo passado e que procura vingança. No entanto, não há acção nem o uso de
sangue exagerado, mas sim um crescendo de tensão com diálogos inteligentes e
que reflectem bons conhecimentos de conceitos esotéricos do ocidente. Os
rituais, encantamentos e palavras que definem certas tradições do oculto são
aqui representados de forma realista e sem apetrechos sobrenaturais. É tudo
demasiado realista e cru. A banda sonora ajuda a criar a tensão e o
desmoronamento da personagem principal que se vê cada vez mais afectada (física e psicologicamente) pelos rituais que vai praticando dias a fio. A banda sonora
é uma mistura de folk com algum experimentalismo e foi composta por Ray Harman,
um compositor de origem irlandesa. A banda sonora é efectiva na criação de
ambiente e ajuda a sublinhar a tensão e suspense deste interessante e original
filme de terror. Pode também ser ouvida independentemente do filme tal é a sua
capacidade musical a nível criativo.
Hellraiser nasceu da imaginação de Clive
Barker e tomou forma nos ecrãs em 1987 quando Clive Barker transportou Pinhead
e a sua legião de cenobitas para a tela. Assim como Halloween também detém uma
franchise bastante popular e frutífera, no entanto, é no original que
encontramos um dos melhores exemplos de filme de terror com elementos do
sobrenatural. Tudo começa a correr mal quando o ganancioso e depravado Frank
Cotton decide abrir a caixa intitulada The Lament Configuration. É aí que tem
contacto com os piores castigos e torturas do inferno e nós como espectadores
também. É um dos filmes mais brutais da sua época e continua a sê-lo hoje em
dia, inspirando nalguns espectadores um terror genuíno.
A banda sonora teria de estar igualmente
no mesmo patamar e é o que acontece ao longo dos temas compostos por
Christopher Young. Há uma grande variedade de instrumentos e produção
orquestral que começa inocentemente e que vai mudando de toada à medida que o
filme avança e somos apresentados aos demónios liderados pelo mítico Pinhead.
A tensão que se sente é reforçada pelos ritmos acelerados e a urgência das
composições. É uma banda sonora que ouvida aparte do filme, tem a qualidade de
evocar imediatamente as cenas mais icónicas e memoráveis do filme. Por vezes um
pouco melancólica e por outras tão perfurante quanto os espigões de metal que
decoram o rosto de Pinhead.
Realizado
por Roman Polanski e adaptado do romance de Ira Levin, Rosemary’s Baby é um dos
filmes de terror mais efectivos e aterradores do final dos anos 60. Lida de
forma absolutamente realista com o oculto, nomeadamente uma variante de
satanismo, ao mesmo tempo que nos faz duvidar da própria sanidade da personagem
principal interpretada por Mia Farrow, dúvidas essas que se vão dissipando à
medida que a narrativa avança. O tema principal usa de lullabies para criar uma
atmosfera aterradora e foi trazido novamente à ribalta com a versão feita pelos
Fântomas para o seu disco, DIRECTOR’S CUT. Há o uso de teclas, coros e entoação
de cantigas de adormecer que favorecem a atmosfera claustrofóbica do filme e
que ilustram a angústia e terror da personagem principal feminina à medida que
se vê cada vez mais oprimida e aprisionada pelos vizinhos aparentemente
simpáticos, mas que apenas a estão a usar para dar à luz o anticristo.
Na
banda sonora há também momentos mais relaxados e ausentes de tensão como as
passagens algo jazzísticas que complementam as mais atmosféricas que prenunciam
uma ameaça grave. É uma banda sonora perfeita para complementar o filme, tanto
a sua atmosfera como a própria época em que a narrativa decorre. Também retém a
sua independência sendo passível de ser ouvida fora do universo das imagens. Há
trechos das invocações do oculto ditas em modo quase de segredo que contribuem
para a atmosfera desconcertante da banda sonora. É um disco que assim como o
filme, é também um clássico das bandas-sonoras.
Há
várias coisas que este filme nos ensina e uma delas é não usar pendentes com um
cheiro de ervas estranhas. Tenham cuidado, isso e mousse com um sabor
esquisito.
The Innocents é um filme realizado por
Jack Clayton em 1961 e que é um bom exemplo de terror gótico de grande
sofisticação e cuja tensão vai escalando devagar e deixa ao espectador muito
espaço para as suas reflexões pessoais e para definir as suas próprias
conclusões. A actriz principal do filme, Deborah Kerr interpreta uma governanta
contratada para tomar conta de duas crianças, no entanto, coisas estranhas
começam a acontecer e a suposta inocência das duas crianças começa a ser
questionada. É um dos primeiros filmes a caracterizar a criança como possível
vilão. Esta atmosfera de desconforto é construída bem devagarinho e parte de um
princípio totalmente idílico. A banda-sonora composta por Georges Auric
sublinha essa atmosfera misteriosa e de prenúncio da descoberta de segredos.
Georges Auric foi também responsável pela banda-sonora de outros clássicos do
cinema como Roman Holiday (1953), Le Salaire de la Peur (1953), La Belle et la Bête
(1946) e Le Sang d’un Poète (1932) entre muitos outras. É uma banda sonora
misteriosa e por vezes de uma inocência absoluta que transcreve na perfeição a
atmosfera do filme.
Carnival of Souls é um filme de 1962
realizado por Herk Harvey e é uma das primeiras grandes conquistas no campo do
terror psicológico, onde há uma subtil e ténue linha que separa a realidade da
irrealidade, a sanidade da insanidade e a lucidez das alucinações. Candace
Hiligoss encarna o papel de Mary Henry que tem um acidente de carro e a
partir daí o mundo parece-lhe completamente diferente, sendo-lhe impossível
distinguir o que é real e o que é alucinatório.
A banda-sonora composta por Gene Moore
reflecte o estado de espírito interior da personagem que se sente completamente
confusa e num permanente delírio que a afasta cada vez mais da realidade. Para
esse efeito, Gene Moore utiliza várias camadas de órgãos que dão um som
fantasmagórico e ajudam a sublinhar a atmosfera onírica do filme. A banda-sonora também tem excertos sonoros do filme em que constam diálogos importantes
entre a personagem principal e as outras que permeiam a sua aparente realidade.
A banda-sonora não diegética assume uma
função essencial de complemento para o terror deste filme low-budget que
quebrou bastantes barreiras na altura e que hoje em dia, é considerado um filme
de culto.
(CONTINUA...)
(CONTINUA...)
TEXTO: CLÁUDIA ZAFRE
IMAGENS: Frames dos filmes