19 - The Thing, Ennio Morricone (1982) The Thing de John Carpenter é um remake perfeito do filme homónimo dos anos 50. É um ...

BANDAS SONORAS EM FILMES DE TERROR: o som do medo (terceira parte)

19 - The Thing, Ennio Morricone (1982)


The Thing de John Carpenter é um remake perfeito do filme homónimo dos anos 50. É um filme com efeitos especiais muito à frente da época em que foi feito e que combina na perfeição o género de ficção-científica com o terror. A narrativa centra-se num grupo de cientistas estacionado na Antártida que descobre uma estirpe de criatura alienígena que consegue assimilar os corpos de humanos e animais usando-os como hospedeiros. O clima de tensão, desconfiança e medo instala-se quando o grupo fica sem saber quem está contaminado e quem não está. John Carpenter costuma compor as bandas sonoras dos seus filmes, mas neste caso passou o testemunho a Ennio Morricone e foi uma decisão bastante acertada. A banda sonora composta por Morricone consegue transpor para ambientes sonoros o clima de desconfiança que se começa a instalar no grupo assim como os ambientes de maior tensão. Consegue transmitir o ambiente inóspito da Antártida e quando ouvimos a banda sonora é como se fizéssemos parte do grupo de cientistas em risco de ser dizimado. É um trabalho bastante diferente do habitual de Morricone que se popularizou a compor para os spaghetti westerns de Sergio Leone, mas que mostra ser um músico extremamente versátil e talentoso ao ter composto uma banda sonora intensa para um filme que continua a ser um dos melhores de fusão de ficção-cientifica com terror. 

20 - Candyman, Philip Glass (1982)


Candyman é um filme realizado por Bernard Rose baseado numa short-story de Clive Barker. A narrativa gira à volta de Helen Lyle (magistralmente interpretada por Virginia Madsen) que está a escrever uma tese sobre lendas urbanas e descobre uma lenda interessante, a do Candyman. A partir daí, começa a investigar a lenda e vai descobrindo por sua conta e risco que a lenda não é tão lenda assim. A banda sonora coube a Philip Glass, um compositor de música clássica contemporânea, conhecido pelo seu minimalismo e repetição de motivos sonoros. Nesta abordagem, Glass compôs um dos mais reconhecíveis temas de filmes de terror, Music Box. A banda sonora é claramente de Glass ao usar certas passagens em repetições que criam um efeito hipnotizante. Há também uma bela canção em piano, Helen’s Theme que irrompe em coros femininos e masculinos numa sonoridade tipicamente de Glass. É uma banda sonora de cariz bastante gótico com os seus órgãos soturnos e coros que ajudam a recriar visões de Candyman (interpretado por Tony Todd) a procurar vingança. É uma banda sonora que ajudou que o filme conquistasse o estatuto de culto que hoje em dia tem.

21 - Videodrome, Howard Shore (1983)


Bem-vindos à nova era digital cortesia de David Cronenberg. Videodrome é um filme muito à frente do tempo em que foi realizado e mistura vários géneros, ficção científica, terror, thriller e até alguma sátira. A narrativa é sobre um produtor de televisão (interpretado por James Woods) que descobre um programa bastante obscuro chamado Videodrome. Rapidamente fica fascinado pelo programa e certas coisas estranhas começam a acontecer e à boa maneira de Cronenberg, há inúmeras mutações, fusões de homem com máquina e outras distorções fisiológicas. O filme é extremamente bem conseguido na área dos efeitos especiais e mostra todas as possibilidades que havia e o que se conseguia fazer bem antes da chegada do CGI. 

Estas mutações e distorções da realidade pela tecnologia estão bem presentes na banda sonora composta pelo veterano Howard Shore que mistura electrónica com ambiental negro de forma perfeita. É um complemento essencial para as imagens e ajuda a recordar certas cenas do filme que uma vez vistas são impossíveis de esquecer.

22 - Quién puede matar a un niño? (Who can kill a child?), Walter de Los Ríos (1976)


Filme espanhol realizado por Narciso Ibáñez Serrador e que retrata a viagem de um casal inglês a uma ilha espanhola para passar umas férias bem merecidas. O problema é que a ilha é habitada por crianças que viraram homicidas sanguinolentos e sádicos. Uma premissa aparentemente simples, mas chocante para o seu tempo e com excelentes interpretações por parte do elenco juvenil. A razão pela qual as crianças viram assassinos em série não é completamente explicada, mas existe um subtexto que sugere um elemento paranormal. A atmosfera criada por Serrador é bastante competente e nos dias a seguir à visualização do filme é provável que o espectador, quando deparado com um parque infantil, subconscientemente comece a andar num passo mais apressado ou mesmo de corrida. 

A banda sonora deste clássico ficou a cargo do compositor Walter de Los Ríos que usa sons das crianças, nomeadamente risos de cariz um pouco sádicos e que se imiscuem profundamente nas composições dramáticas e ameaçadoras. Há também alguma dissonância que reflecte na perfeição os instintos homicidas das crianças. É uma banda sonora bastante livre em termos composicionais e surpreendente. 

23 - Kill List, Jim Williams (2011)


Kill List é um filme realizado por Ben Wheatley que cria automaticamente um clima de alguma tensão, apesar de não sabermos ainda as razões, temos a certeza que algo de horrível vai acontecer e os dez minutos finais do filme são a prova disso e também um teste ao estômago do espectador. O filme começa por levar o espectador a crer que se trata de um drama sério inglês até começar a dar dicas que algo de mais soturno está a acontecer. A personagem principal interpretada por Neil Maskell entra numa espiral de paranóia e alguma instabilidade mental que nos faz duvidar se o que vê é realmente verdade. No entanto, o terceiro acto do filme deixa-nos sem dúvidas. Há realmente algo de horrível a acontecer. O ritmo lento do filme contribui para a construção da atmosfera até ao clímax final do filme que é um autêntico soco forte no estômago. A banda sonora é composta por Jim Williams e tem o condão de ser puramente sinistra. É um género de ambiental muito negro que se insere completamente no espírito do filme. Tem momentos de ameaça, calma e melancolia. É um disco com peças perfeitas que podem ser ouvidas independentemente do filme. 

24 - The Exorcist, Jack Nitzsche, Mike Oldfield (1973)


Quando a tua filha entra na sala e faz xixi pelas pernas abaixo, roda completamente a cabeça, vomita em jactos explosivos um líquido verde alface, caminha em posição de aranha e diz obscenidades que fariam corar os bêbados numa taberna numa cidade portuária em pleno século XVIII está na altura de chamar alguém. Não propriamente os ghostbusters, mas provavelmente um padre que faça exorcismos. E foi precisamente o que a mãe de Regan fez. Na altura, foi um filme que aterrorizou uma geração inteira e que ainda hoje provoca os devidos arrepios. Este filme realizado por William Friedkin continua a ser a imagem de marca quando se pensa em filmes de terror e o carácter realista do exorcismo apesar de estar mesclado com alguns elementos do sobrenatural é bastante aterrador. A banda sonora contém algumas peças clássicas que ajudam a complementar a atmosfera do filme, para além de um bom uso do tema Tubular Bells de Mike Oldfield. É uma banda sonora que ajuda a complementar a atmosfera do filme mas que por si só não tem um efeito tão poderoso. 

25 - Eraserhead, David Lynch & Alan R. Splet (1982)


A primeira longa-metragem de David Lynch e que demorou vários anos a concluir é uma obra-prima que mistura surrealismo, humor negro e bizarro com situações grotescas que envolvem temas como morte, sexualidade entre outros temas “difíceis”. O ambiente industrial, as sombras que invadem o ecrã estão presentes na banda-sonora composta por David Lynch e pelo engenheiro de som do filme, Alan R. Splet. A narrativa foca-se num casal que acaba de ter um filho. No entanto, o rebento é uma espécie de alienígena que está constantemente a chorar. São imagens de autênticos pesadelos que desfilam pela tela e apesar da aparência mutante da pequena criatura não podemos deixar sentir um pouco de empatia. A banda sonora desenvolve-se num drone subtil com excertos de diálogos do filme e um ambiental soturno e industrial. A única música completa do disco é a popular In heaven (Lady in the radiator song) que mais tarde teve uma versão feita pela banda indie rock Pixies. É uma banda sonora de ambiental negro que completa e sublinha a atmosfera do filme.

26 - The Evil Dead, Joseph LoDuca (1981)


The Evil Dead realizado por Sam Raimi é mais uma prova do que se pode alcançar com um orçamento reduzido, mas uma montanha de dedicação e criatividade. A narrativa segue um grupo de cinco jovens que decide passar férias numa casinha de madeira no meio da floresta. As coisas começam a complicar-se quando têm acesso a um livro, o Necromicon e a partir daí há uma série de incidentes que envolvem motosserras, demónios e sangue, muito, muito sangue. O herói do filme, Ash (interpretado por Bruce Campbell) vê-se numa situação complicada ao ver os seus amigos a ser aterrorizados por forças demoníacas. A banda sonora de LoDuca é bastante atmosférica, usa e abusa de instrumentos de cordas o que cria suspense e tensão no ouvinte. Há alguns momentos mais idílicos como em Love never Dies, apesar do carácter ameaçador da melodia continuar presente. Esta banda sonora teve uma reedição este ano de 2018 sob o nome, THE EVIL DEAD: A NIGHTMARE REIMAGINED e é uma expansão da banda sonora original. LoDuca voltou ao estúdio e gravou novamente os temas que fazem parte deste filme de culto que gerou uma grande legião de fãs e seguidores. 

27 - Oculus, The Newton Brothers (2013)


Os filmes de terror sobrenatural focam-se normalmente em objectos que são susceptiveis de estar amaldiçoados ou assombrados, seja uma casa, um livro ou outros objectos. No caso deste filme realizado por Mike Flanagan é um espelho antigo que dois irmãos estão convencidos que detém um poder demoníaco e que influenciou negativamente a infância deles. A premissa é aparentemente simples, mas o que dá cor ao filme é o uso de flashbacks e a linha não-cronológica da narrativa. A banda sonora criada por The Newton Brothers é uma compilação de peças ambientais cuja progressão lenta culmina sempre num ponto alto de tensão, voltando a acalmar logo de seguida. 

É uma score que ajuda a incrementar a tensão que se sente ao longo do filme. 

28 - Starry Eyes, Jonathan Snipes (2014)


Starry Eyes é um filme realizado por Kevin Kolsch e Dennys Wydmier que mistura terror psicológico com alguma violência gráfica, mas que é filmada estilisticamente e com bom gosto estético. É a história de Sarah, uma aspirante a actriz que está disposta a tudo (literalmente) para conseguir um papel num filme. A sua ambição é desmesurada e vende literalmente a alma ao diabo para mudar de vida e conseguir uma carreira. A transformação ou metamorfose que Sarah atravessa é uma das mais aterradoras do cinema de terror contemporâneo. O filme pode até ser considerado como uma sátira à cultura obcecada pela fama e pelas celebridades, no entanto, a magia do filme prende-se com o facto de Sarah querer anular por completo a sua personalidade e renascer de acordo com os trâmites da seita que está infiltrada no show-business e que se encarrega de gerar a sua carreira. É um filme fascinante e que eleva o estatuto dos filmes de terror contemporâneos. As mutações físicas e psicológicas a que Sarah se submete para conseguir ter fama em Hollywood são nauseantes e angustiantes. A banda sonora composta por Jonathan Snipes mistura a inocência e pureza com um lado mais sombrio e decadente. É uma banda sonora que funciona independentemente do filme e que assim como o filme é surpreendente, criativo e invulgarmente feroz. 

(CONTINUA...)

TEXTO: CLÁUDIA ZAFRE
IMAGENS: Frames dos Filmes