Imagem cedida pela Organização Jazz em Agosto Numa noite perfeita de verão com um vento muito ligeiro, mas refrescante, o anfiteatr...

Secret Chiefs 3, um hino a John Zorn

Imagem cedida pela Organização Jazz em Agosto

Numa noite perfeita de verão com um vento muito ligeiro, mas refrescante, o anfiteatro ao ar livre da Fundação Calouste Gulbenkian deu palco aos sete músicos que compõem os Secret Chiefs 3. O silêncio imperou antes da chegada dos músicos que delicadamente pegam nos seus instrumentos, afinando-os e preparando-os para cerca de 1h10 de concerto. Secret Chiefs 3 preparam-se para tocar John Zorn’s Masada Book 3: Beriah.

Durante a preparação, o vento ligeiro parecia estar também ele a sofrer por antecipação e entusiasmado para o que estava para vir. E com as suas razões, porque o arranque do concerto foi bombástico. Um tema inspiradíssimo em ritmos e melodias do médio-oriente com um vibrafone excelentemente tocado por Ches Smith que também se encarregou da bateria e percussão (com darbuka, bombos e congas). Ches Smith partilhou as honras da percussão com Kenny Grohowski durante todo o concerto.

No segundo tema, fomos presenteados com melodias tipicamente klezmer e com o violino tocado de forma excelente por Eyvind Kang. O terceiro tema foi uma viagem no tempo para os anos 70 com um tema reminiscente do rock progressivo que se fazia na época e com linhas de baixo singulares e fortes tocadas por Shanir Blumenkranz. Foi um interlúdio, porque no tema seguinte voltámos ao médio-oriente com a guitarra eléctrica de Trey Spruance a liderar a melodia aliada à guitarra eléctrica de Jason Schimmel, até a intromissão ritmicamente delirante e de timing perfeito da pandeireta tocada por Ches Smith. Foi um klezmer com arabescos e com algumas passagens surf-rock cortesia de Trey Spruance na guitarra eléctrica. Neste tema, até o vento quis participar, assumindo-se como um efeito sonoro natural que quase parecia também ele saber o timing exacto em que os músicos se moviam.

No tema seguinte, começamos com um sintetizador tocado por Matt Lefobsky com um efeito reminiscente do instrumento cravo. Este tema foi o único que não se serviu de bateria ou qualquer tipo de percussão, com um papel especial reservado ao vibrafone e guitarra que trabalharam de mãos dadas.

Mas é claro que a percussão voltou e em grande com um duelo de congas tocadas pelos homens da percussão, Ches Smith e Kenny Grohowski, foi este duelo que inspirou todos os outros instrumentos a participar de forma entusiasmada com a guitarra eléctrica de Spruance a delinear alguns riffs de inspiração metálica mais pesada.

As teclas voltaram a ser foco no tema seguinte numa melodia novamente de inspiração do médio-oriente e foi o tema que precedeu talvez o tema mais melancólico do concerto e no qual o ventou ameno voltou a participar. O violino é quem começa o tema e este desenvolveu-se parecendo, por vezes, a banda sonora de um western melodramático. A qualidade técnica dos músicos já se tornara evidente, mas, no tema seguinte, o violino foi dedilhado de forma delicada, o vibrafone tocado num timing perfeito, assim como a darbuka (instrumento de percussão turco) que mergulhou na melodia nas alturas ideais.

Os dois temas seguintes seguiram o mote do médio-oriente e foi lá que ficámos. No deserto com o cheiro vibrante e sabor adocicado do chá de rosas e o céu azul celeste pontuado por estrelas. Fizemos a festa fora da tenda no último tema que une o klezmer à música de inspiração árabe, podia certamente ser uma música de casamento no deserto. Esta intensidade foi ajudada pelo bombo tocado apaixonadamente.

No final do tema, os músicos abandonaram o palco, mas a audiência bateu palmas de forma entusiasmada e não se viu quase ninguém sentado no anfi-teatro, toda a gente quis mais e ouviram-se muitas palmas. Felizmente, os músicos regressaram para tocar o tema com mais inclinação heavy-metal do concerto. Uma linha de riffs formidável tocada por Spruance e a banda em perfeita sintonia com ela. Depois do tema, a banda retirou-se por baixo dos aplausos da audiência que se levantou dos seus lugares. Spruance apresentou os membros da banda ao público e os músicos abandonaram o palco. O vento ligeiro parece que foi com eles. Numa noite que se esperava demasiado quente, tivemos uma brisa de ar fresco de música bela e inspirada, tocada por músicos experientes e apaixonados pelo que fazem. Um concerto belo e memorável.


TEXTO: CLÁUDIA ZAFRE

IMAGENS:
LOCAL: Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa
DATA: 5 de Agosto, 2018
Jazz em Agosto, John Zorn, Special Edition