Tudo o que vem com esforço é muito mais valioso. Neste mundo onde predominam várias injustiças, o mérito é muitas vezes posto de parte e muitos dos que alcançam projecção conseguem-na por outras razões. Felizmente, não é o que acontece com os Elder. A técnica que flui daquelas guitarras, força motriz da banda, não é aleatória, mas reflexo de muito tempo dedicado a explorar acordes, escalas e contratempos.
Estradas, estúdios, palcos, a vontade de quem quer fazer disto vida, são certamente os grandes desafios que esta banda tem enfrentado para que mais pessoas possam imergir neste mar, ora brando, ora tempestuoso. A identidade desta banda, oriunda de uma pequena cidade da costa de Massachusetts, caracteriza-se, essencialmente, por ambientes atmosféricos e progressivos. O som destes anciãos encaixa que nem luva numa noite de Verão, mas nesta a atmosfera é diferente, há neblina no exterior que não é impedimento para que a chama se acenda, assim que Nick DiSalvo calca o Bif Muff.
Nick DiSalvo é já por si uma figura carismática. Chamam a atenção os cabelos cor pérola que exprimem liberdade assim que solta riffs pujantes. Pouco ou nada se iguala a um corpo que se liberta pelo embate das ondas sonoras. O líder da banda domina escalas com os seus dedos longos e não é novidade que dedos longos facilitam o domínio das escalas. Não é por isso que o jovem bem parecido se deixa levar facilmente pelo abuso de virtuosismos bacocos para mostrar o quanto sabe tocar, apresenta, também, o outro lado, o do punk/hardcore que faz eriçar pêlos, causando boa disposição, essa panaceia para todos os males. Afinal de contas não é de uma masterclass que se trata este concerto...
Reflections of a Floating World é ouvido no centro do rock do Porto, no HardClub, Nick solta o riff de Sanctuary e o público canta em uníssono como se fosse o hino universal do hardcore:
Deception is the book of faith
Silence is the only embrace
We walk the land without a choice
Screaming as though we have a voice
Sanctuary, Sanctuary
Sem dúvida uma canção que alberga sentido de pertença e que quebrou a saudade vivida naquela noite de Verão no SonicBlast Moledo, no ano passado, naquele concerto em que não se sentiu o tempo passar e deixou saudades de um possível regresso que se deu nesta noite.
Vêem-se mãos no ar. O público rendido declara saudades do stoner/doom/rock mais presente em Dead Roots Stirring, assumidamente influência directa de Colour Haze — banda que marcou presença ainda este ano neste mesmo espaço. A bateria bem marcada de Matt Couto, que lembra o jeito Robby Staebler, abre caminho para guitarras que se movem nas camadas harmoniosas. Sente-se a catarse que faz esquecer uma vida cheia de problemas.
Com mais de 10 anos de experiência, confirmam-se uns Elder mais coesos, com identidade firmada num género que outrora estaria pouco definido. Com a presença de Mike Risberg nos palcos, sente-se a força das guitarras que de outra forma poderiam ficar aquém, se ficasse apenas pela mão de Nick. A voz, enquanto elemento secundário, não serve de base para a composição, é apenas um detalhe que marca a diferença na identidade sónica da banda, tal como o órgão tocado por Mike Risberg.
Vêem-se vinis de Reflections of a Floating World no chão da sala. Os técnicos organizam o palco para o concerto tão aguardado. Acompanhado pela banda entra Scott Heller AKA Dr. Space, com a sua caixa de sintetizadores analógicos. A meio do concerto, Dr. Space leva-nos para a estratosfera, ao som de III e, num momento em que o ambiente fica mais agitado, eis que de rompante chega a hora para a meditação cósmica. Lá fora há neblina que humedece a cidade, mas estes Elder moveram uma sala que jamais se fez fria.
Mais cedo, os portugueses Vircator, preencheram a primeira parte, numa mesma fase em que preparam o sucessor de Sar-i-Sang. Fecharam o concerto com o novo tema Lady Fern que será incluído no próximo trabalho.
Texto: Priscilla Fontoura
Imagens: Priscilla Fontoura, Sophia Petra
Local: Hardclub, Porto
Data: 11 de Novembro, 2018
Concertos: Vircator, Helder,
Promotora: Garboyl Lives