Os espectáculos ao vivo são uma boa forma de conhecer novas bandas e de aferir a qualidade de outras já conhecidas apenas em registo estúdio. Ao vivo é mais difícil de camuflar a falta de qualidade. Na minha juventude, há muitos anos atrás, a divulgação passava por leitura de jornais e revistas estrangeiras, o boca-a-boca de amigos mais velhos e viajados, os reduzidos programas de autor na rádio que se dedicavam à música que se ia fazendo no mundo. Radialistas como António Sérgio, onde Saturnia se estreou ao vivo no “A hora do lobo”, escasseiam. Talvez Nuno Calado na Antena 3 continue a resistir, mas de resto pouco mais sobrevive. Ouço cada vez menos e quase sempre a mesma estação, mas até esta parece estar a perder gás quando se ouve o mesmo tema (de qualidade mais do que duvidosa) duas e três vezes por dia. Quanto a bandas novas e portuguesas em particular, são quase sempre as mesmas, dando a impressão que só os que pertencem ao círculo de amigos e / ou têm a sorte de ter uma editora influente têm direito a ser divulgados. Felizmente agora temos a Internet e com ela uma plataforma de acesso ao que vem sendo produzido. Infelizmente essa produção é tão vasta que, sem as pistas certas, não conseguimos abarcar tudo e corremos o risco de ignorar projectos interessantes. Do “too less” passámos ao “too much”.
Os Solar Corona, que fizeram a primeira parte do concerto, são um destes casos de bandas que conheci pela Internet no seguimento da sua participação no Sonic Blast Moledo 2018. Escutados os temas no seu Bandcamp, fiquei agradavelmente surpreendido e curioso quanto à sua actuação ao vivo. O (com muito) power trio de Barcelos não me desiludiu. Tocando um rock psicadélico com toques de stoner rock e mesmo de speed metal, Rodrigo Carvalho (guitarra e teclados), José Roberto Gomes (baixo) e Peter Carvalho (bateria), fizeram um set quase sem interrupção, batido e tocado, muitas vezes, a 200 km/h. Muito bom e uma banda a rever mais vezes.
Depois dos Solar Corona chegou o cabeça de cartaz Saturnia. É redutor classificar o trabalho de Luís Simões a.k.a Saturnia como de alguém ex-qualquer coisa. Seja de ex-elemento de uma banda de culto ou de outra com mais impacto mediático e de aceitação pública mais generalista. O som de Saturnia não renega as influências do rock progressivo e psicadélico, mas re-make e re-model fazem parte da criação musical. Neste concerto Luís Simões (guitarra eléctrica, sitar e gongo) esteve acompanhado na bateria pelo, já quase inevitável, André Silva e por Rui Guerra nos teclados. A setlist foi idêntica à de maio passado no Musicbox, aquando da apresentação do seu mais recente disco The Seance Tapes. Oportunidade para ouvir, entre outros temas, Chrysalis, I am Utopia, The real high, Mindrama, The Twilight bong e Cosmonication, onde não faltou uma dedicatória em memória ao grande guitarrista Filipe Mendes, falecido no passado mês de Agosto. Uma actuação certinha e de grande qualidade como já é hábito em Saturnia. Os seus concertos são escassos e é pena. Esperamos, ansiosos, por novos temas que possam impulsionar mais aparições ao vivo.
Durante um par de horas o Titanic deixou de estar “sur mer” e ficou “dans l’espace". Uma viagem que deverá ter continuado com os DJ’s Deus do Psicadélico e Candy Diaz, mas da qual eu já tinha desembarcado.
TEXTO: JOSÉ MARQUES
LOCAL: TITANIC SUR MER, Lisboa
DATA: 16 de Novembro, 2018
CONCERTOS: Saturnia e Solar Corona