sábado, 1 de dezembro de 2018

O lado B do cinema: filmes que desafiam a lógica, o bom-senso e o politicamente correcto (parte 1)

Palavras-chave: baixo-orçamento, terror, comédia

Resumo:A sétima arte está rechead
a de filmes clássicos que podem mudar a vida do espectador ou inspirá-lo a querer e sonhar com mais do que uma vida mundana e rotineira. São filmes usualmente feitos com um orçamento razoável, um realizador que sabe o que está a fazer, um argumento bem escrito e personagens densas que parecem ter vida até fora do ecrã. Alguns conseguem atingir a corrente mainstream, agradando a um vasto número de pessoas, e outros continuam com bons filmes independentes que agradam apenas a um número restrito de pessoas. Debaixo desse mundo de filmes de pretensa qualidade, existe um submundo gigante que quando começa a ser explorado, facilmente se torna num vício e que torna o clichê “tão mau que é bom” uma verdade universal. São feitos com um orçamento bastante reduzido, com actores que, muitas vezes, não entraram em mais nenhum filme, com um realizador que, por vezes, não sabe onde colocar a câmara, mas que mostra determinação e valentia para retratar uma narrativa com elementos bastante peculiares. É o mundo fantástico dos filmes que redefinem completamente os conceitos de qualidade e bom gosto. 

1 – Winterbeast 

(Imdb)

Este filme realizado por Cristopher Thies - que tem o seu quê de peculiar e fantástico  -, demorou alguns anos para ficar completo. Uma prova da tenacidade e persistência de alguns dos realizadores independentes que trabalham com orçamentos mais reduzidos do que o almoço quotidiano de certos políticos. Apesar de ter sido lançado em DVD nos anos 90, o filme mantém uma estética típica dos filmes independentes e de baixo orçamento dos anos 70, o que apenas lhe dá mais charme e encanto. Tentar seguir a narrativa é uma tarefa um pouco estóica, sendo que não segue uma linha de coerência ou de nexo linear (pelo menos no que se refere a conceitos humanos). Assemelha-se a um sonho febril, talvez às consequências de beber óleo de conservas num dia muito quente de verão ou então ser raptado/a durante a madrugada por um UFO e ser submetido a experiências pouco ortodoxas sob a influência de um tranquilizador alienígena. Para quem não se atreve a experimentar drogas alucinógenas, este filme prova ser uma alternativa bem mais segura e com efeitos análogos. No entanto, para os fãs mais selvagens de cinema, a narrativa mostra-se bastante intrigante. Foca-se numa comunidade de pessoas que vivem na montanha que é subitamente assolada por uma quantidade infindável de monstros de diversos tamanhos e feitios. Estes monstros aparecem porque a comunidade está amaldiçoada por espíritos de índios nativos norte-americanos que têm até o dom de possuir totems. Neste filme não há CGI’S nem efeitos especiais careiros, não! É tudo feito na base da animação em barro que partilha as mesmas características surrealistas dos inserts em animação feitos pelos Monty Python. Os actores apresentam uma representação fleumática e há muitas cenas em que discorrem em diálogos completamente alheios à narrativa, o que dá um carácter ainda mais misterioso ao filme. O cartaz promocional do filme é de elevado bom gosto e mostra uma criatura assustadora que não aparece no filme, tal podia ser encarado como marketing falacioso; mas há redenção no slogan do filme que nos diz “It must be seen to be believed”. Um filme para ver ou rever num dia em que se tenha horas suficientes para deixar os efeitos secundários dissiparem-se. É natural sentir alguma confusão e desfasamento da realidade depois da sua visualização. Um filme que é uma autêntica pérola que ultrapassa em valor sentimental qualquer que tenha sido a quantia miserável do orçamento. 

2 - The horror of Party Beach

(Imdb)

Este clássico dos anos 60 realizado por Del Tenney e feito com um orçamento bastante restritivo foi anunciado como o primeiro filme de terror musical com monstros! Claro que o que é entendido por musical trata-se apenas da participação da banda Del-Aires a tocar alguns temas na praia durante o filme, o que contribui (enormemente) para o factor entretenimento desta obra cinematográfica. A narrativa é bastante simples e fácil de acompanhar. Um bando de irresponsáveis decide que é boa ideia largar lixo radioactivo no mar e a partir daí, instala-se o caos na simpática comunidade costeira. Criaturas que parecem primos em segundo grau do monstro da lagoa negra aterrorizam e assassinam algumas pessoas. As sequências de ataque da criatura são extremamente inventivas, com close-ups frenéticos e uma dose generosa de gore e sangue (considerando a época em que o filme foi feito). Este filme tem imensos pontos altos, um deles é a cena da criação destas estranhas criaturas que parece uma autêntica peça surrealista. Os actores são convincentes nos seus respectivos papéis e até os diálogos com piadas extremamente imaturas conseguem arrancar um ou dois sorrisos do espectador. É um exemplo em que por vezes é bom ter expectativas baixas para as ver ser brilhantemente superadas. Um filme que merece bastante carinho. 

3 - Beyond Atlantis


(Imdb)

Uns quantos cocktails e muita tendência para o escapismo são os pré-requisitos para a visualização deste filme que consegue fundir ficção-cientifica, aventura e terror numa audaz peça de entretenimento. Realizada pelo lendário Eddie Romero - responsável pelo excelente White Mama, Black Mama -, encontrou os cenários mais paradisíacos possíveis para filmar uma trama aparentemente simples, mas que se espraia em sub-plots interessantes. Há até um sub-plot de amor bastante curioso com cenas sub-aquáticas! Tudo começa quando um pescador (aparentemente ingénuo) recolhe uma data de pérolas e decide vendê-las a um homem de reputação duvidosa. Esse homem unido a uma cientista, um mergulhador de bom coração e corajoso e um mercenário também mergulhador, partem em direcção à ilha para arranjarem pérolas e mais pérolas. Claro que nem tudo são facilidades, porque a ilha é habitada por criaturas estranhas com olhos brancos salientes e que conseguem respirar debaixo de água. São uma espécie de humanoides anfíbios. Uma das líderes desta tribo é a bela Syrene (Leigh Christian) que atormentada pela tribo e o seu pai (que parece o Tritão da pequena sereia), é levada a seduzir um dos humanos para dar à luz e assegurar a salvação da sua tribo. É um filme extremamente bem filmado com umas sequências a roçar o surrealismo e que em complemento com o décor paradisíaco fazem deste filme uma experiência digna de ser vista ou revista. 

4 - Truth or Dare? A Critical madness

(Imdb)

Este filme realizado por Tim Ritter quando era ainda adolescente é a prova de que com criatividade e devoção se pode tirar o maior partido de um orçamento muito reduzido. A narrativa foca-se na espiral de demência, em que a personagem principal embarca depois de apanhar a sua esposa a ter relações carnais com o melhor amigo. A partir daí, é consumido pela loucura e os seus instintos homicidas metamorfoseiam um homem outrora pacato e razoável numa autêntica máquina de destruição e carnificina que aniquila todas as pessoas que se encontram no caminho, até as que estão sentadas na boa à espera do autocarro. Sem dar spoilers, uma das cenas mais memoráveis envolve uma moto-serra, um miúdo e um carro em andamento. A violência é surpreendente e gráfica mas tão over-the-top que nos transporta para um universo de comicidade negra. Não chega a chocar nem aterrorizar, mas consegue prender o espectador na insanidade da personagem principal e entretê-lo com diálogos surreais, interpretações quase caricaturais e cenas de homicídio que por vezes fazem lembrar os cenários lendários dos desenhos do coyote e do bip-bip. Para filme que se considera de terror, o elemento mais assustador é sem dúvida a música que decidiram colocar no genérico.

5 - Teenagers from outer Space

(Imdb)

Os anos 50 foram um oásis de filmes de baixo-orçamento sobre criaturas alienígenas, monstros e animais que assumem proporções gigantescas. Foi uma década imaginativa que fundiu o género de terror com a ficção-científica. Um dos trabalhos mais interessantes da década é este filme intrigante realizado por Tom Graeff, o único filme que realizou tendo cometido suicídio passado alguns anos. No entanto, o trabalho e investimento criativo que colocou neste pequeno filme de ficção-científica é notório e bastante impressionante. A narrativa segue um grupo de rapazes de outro planeta que aterram no planeta Terra com o intuito de trazer os seus Gargons, basicamente lagostas gigantes, para a Terra para que possam devorar os humanos a seu belo prazer. No entanto, há um dos jovens que se opõe a esta missão e que os tenta impedir. Estes jovens estão também munidos de pistolas laser que quando disparadas reduzem uma pessoa a um esqueleto. Uma das cenas mais fascinantes do filme é a de uma lagosta gigante a descer uma montanha. Um filme que apesar de apenas ter tido um orçamento de 5000 dólares consegue cativar e entreter o espectador. 

6 - The Terror of Tiny Town 

(Imdb)

“The Simpsons done it” é um episódio de South Park que brinca com o facto de todas as possibilidades narrativas e plots do mais surreal ao mais simples já terem sido feitas pela série Simpsons. Por isso, se um dia se desejou estar a ver um western em que os heróis e vilões em vez de entrarem de peito feito pela porta do saloon prontos a esvaziar o seu revólver, entrarem por baixo da porta do saloon devido à sua estatura, esse desejo já foi concretizado e em 1938! Este filme western realizado por Sam Newfield tem um elenco constituído apenas por pessoas anãs que em vez de andarem em cavalos andam em póneis. Este filme sofreu algumas represálias e críticas duras por ser supostamente uma exploração de minorias e a polícia do politicamente correcto por certo terá algumas coisas negativas a dizer sobre o filme, mas o que há de tão negativo em ter um elenco constituído por uma minoria que aceitou de bom grado ter trabalho na indústria? Não sei. Apenas sei que é um filme que infunde elementos cómicos e musicais, num género que já de si é austero como é o caso do western. É um dos filmes proclamados como um dos piores de sempre, uma afirmação que acho bastante hiperbólica, sendo que é bastante mais interessante e intelectualmente estimulante que qualquer comédia romântica genérica produzida por Hollywood nos últimos anos. 

7 - Attack of the Beast Creatures

(Imdb)

Há um encanto particular em filmes passados em ilhas, a tradução literal da nossa tendência e desejo de escapismo. E o que poderá ser melhor que um grupo de pessoas que sobreviveram a um desastre de avião e aterraram numa ilha? Só mesmo o cenário em que são aterrorizados e chacinados por criaturas baixinhas cujas dentadas são mais aflitivas e mortíferas que as de uma piranha. Para quem alguma vez se perguntou qual seria a aparência de um boneco troll se tivesse feito um pacto com Satanás, pode ver este clássico dos anos 80 e ver a sua questão perfeitamente respondida. Eles atacam em bando e o som dos seus passos é francamente memorável. O filme tem um ritmo um pouco lento no geral até às cenas de massacre e carnificina que são merecedoras do adágio “contado ninguém acredita”. Estas criaturas minúsculas e homicidas são também os melhores actores do filme. 

8 - Sgt. Kabukiman Nypd

(Imdb)

A vida seria impossível de ser experienciada ao máximo sem os filmes dos estúdio Troma que durante anos nos ofereceram clássicos de entretenimento inesquecível. Uma das minhas obras preferidas da Troma é este filme realizado por Michael Hertz e Lloyd Kaufman que numa autêntica folia estilística e estética conseguem fundir comédia, acção, fantasia, terror e kabuki! A história é divertida e original, seguindo as desventuras de um polícia que após ser beijado por um actor de kabuki se vê na posse dos poderes mais incríveis e fica assim munido para combater vilões, encarnando a sua nova forma de super-herói, kabukiman! O filme está recheado de metáforas, simbolismos, piadas que podem ser grosseiras para activistas do politicamente correcto e uma subtil mensagem anti-capitalista. É uma autêntica rapsódia fílmica de cores com um ritmo frenético mas bem articulado com a narrativa que fará as delícias dos espectadores de qualquer faixa etária. 

9 – Sorority babes in the slimeball bowl-o-Rama

(Imdb)

Quem se senta para ver um filme com este título não pode certamente esperar uma narrativa de densidade psicológica Bergianiana, mas terá certamente uma experiência que rompe os limites do non-sense e do conservadorismo mais cinzento. Esta pérola de diversão cinematográfica realizada por David DeCocteau mistura com mestria humor dito imaturo (que para mim significa humor requintado), com terror absurdamente ilógico e como tal, divertido. Um filme que usa uma cabeça decapitada como bola de bowling só pode garantir ao espectador uma paleta de situações hilariantes que ainda assim mantêm o suspense e o ritmo tenso típico dos filmes de terror. A história segue um grupo de nerds que são desafiados (ou melhor obrigados), por um grupo de raparigas a entrar num bowling depois da meia-noite para roubar um troféu. Infelizmente, esse mesmo troféu é a residência de um demónio com um sentido de humor distinto e uma voz inconfundível que está disposto a aniquilar os jovens, um por um. Um dos nerds que, apesar de ficar bêbado com apenas uma cerveja, junta esforços com uma delinquente chamada Spider que tem as melhores linhas de diálogo do filme para derrotarem o demónio de uma vez por todas. Um dos melhores exemplos de filmes de terror dos anos 80 que, apesar de não se levarem muito a sério, conseguem criar uma atmosfera mágica e divertida que cativa o espectador. 

10 – The Killing of satan 

(Imdb)

Este filme bastante enigmático rodado nas Filipinas por Efren C. Piñon apresenta-nos uma personagem principal que enfrenta Satanás com um cajado mágico e que vence! Além de conseguir derrotar o príncipe da escuridão, Ramon Sevilla (o actor que interpreta este destemido herói), é alvo de um mito que alega que é pai de cerca de 80 crianças, um número claramente exagerado e cujo valor mais sensato será talvez 40, mas o número factual é apenas dez. Apesar do filme conter alguma nudez, cobras gigantes que se transformam em pessoas e efeitos especiais da velha-guarda que nos apresentam algum gore, a narrativa possui uma qualidade um pouco inocente, na medida em que há literalmente uma batalha entre o bem e o mal e em que o bem sai claramente vencedor. É um filme que apesar das fracas qualidades técnicas e de representação, consegue hipnotizar o espectador pela sua qualidade surrealista e ingenuidade verdadeira. 

(CONTINUA...)

TEXTO: CLÁUDIA ZAFRE
IMAGENS: Cartazes dos filmes (Imdb)