No dia 9 de Fevereiro, o Estúdio Time Out em Lisboa vai ser palco de um festival de Reggae que celebra os 74 anos do mítico músico Bob Marley. Os músicos que vão animar a noite são diversos e entre eles, vai estar Nish Wadada. Uma artista que já pisou vários palcos, mas cujas raízes pertencem a Cabo Verde. Ficámos cativados pela sua voz e quisemos saber um pouco mais sobre as suas raízes, influências e ligações ao reggae.
1 - Como e em que idade foi o primeiro contacto com a música de Bob Marley?
- O meu pai ouvia reggae quando eu era mais pequena: Jimmy Cliff, Peter Tosh e claro Bob Marley...O reggae fez parte da minha infância, da minha educação cultural e musical desde pequena. Foi um processo muito natural.
2 - Sabemos as colaborações com vários músicos de outros países. Como foi essa experiência?
- É sempre um privilégio enorme e um grande desafio poder fazer parcerias com outros artistas de renome mundial e novos artistas/produtores. Para além da importância em termos de crescimento e experiência musical, essas colaborações acabam por ser, ao fim ao cabo, encontros de almas. Encontros de pessoas que partilham uma simbiose mútua nas suas mensagens... assim vamos apreendendo, partilhando e ensinando, mutuamente. Esse é o papel da música e do reggae.
Tive a oportunidade de atuar e gravar ao lado de grandes produtores de reggae da atualidade como o Zion Train, Vibronics, Mad Professor, Roberto Sanchez, The Congos e Anthony B, entre outros trabalhos que estão quase a ser editados. Todos os dias agradeço as oportunidades que vão aparecendo e o reconhecimento do meu trabalho, pois as colaborações acabam por refletir a importância que a minha música e a minha mensagem têm no meio artístico. E eu estou sempre com vontade de crescer cada vez mais, pois acredito que estamos em constante evolução, sempre.
3 - Nascida em Cabo Verde, mas são muitas as viagens feitas por outros países. Qual foi o país onde te sentiste mais “em casa”?
- Na verdade nasci em Roterdão, Holanda, mas sou filha de pais cabo-verdianos, por isso também sou cabo-verdiana e sempre me senti assim. Pois a minha infância foi rodeada da língua e cultura de Cabo Verde, mesmo tendo crescido na Holanda. Os meus pais sempre fizeram questão de que eu soubesse de onde eles vinham e que conhecesse as minhas raízes, as minhas origens.
Não deixa de ser engraçado que, depois de vários anos a visitar Cabo Verde, de férias, hoje posso dizer que aonde me senti mais em casa é mesmo em Cabo Verde, onde vivo agora, na ilha de São Nicolau. Uma ilha rural, de uma riqueza natural e cultural imensa e de onde é inclusive o autor da célebre Morna Sodade, cantada por Cesária Évora. Viajo muito pela Europa, da Polónia, à Roménia, de Paris a Lisboa, de Itália à Alemanha. Já pisei inúmeros palcos onde sou sempre bem recebida. Mas, Cabo Verde é Cabo Verde, é o meu lar e a minha maior fonte de inspiração. Pois, como compositora das minhas próprias letras, sem dúvida que as minhas raízes e a própria história e o presente do continente africano acabam por se manifestar nas minhas composições.
4 - Com que idade é que começaste a seguir o rastafarianismo?
- Tinha 20 anos quando alguns amigos do movimento Rastafari, na Holanda, me convidaram para assistir a encontros, conferências e festas de reggae. Aos poucos fui tendo contacto com um estilo e uma consciência de vida diferente. Foi tudo com naturalidade... uma missão que fui encontrando. Fui pesquisando sobre o movimento rastafari e foi nessa altura que começou a minha jornada pela procura mais consciente das minhas raízes africanas e pela busca daquilo que poderia ser a minha contribuição no mundo, através da minha música.
5 - Quais são as maiores influências musicais?
- Muitas pessoas pensam que quem canta reggae só ouve reggae. Mas nem sempre é verdade. Eu escuto vários estilos de música, depende muito do meu estado do espírito, claro.
Ouço desde Sade, a Miles Davis, Bob Marley, Misty in Roots, Twinkle Brothers,OBF, J.Dilla, Ella Fitzgerald... mas também os criolos Sara Tavares, Boy Gé Mendes e Dino d´Santiago. São tantos os nomes que me inspiram, cada um à sua maneira.
6 - Que tipo de reggae sentes mais afinidade, o das raízes, ou o dos anos 70 popularizado por Burning Spear, Bob Marley ou Alpha Blondy?
- Sou uma vocalista que gosta, e se adapta, bem aos vários géneros do reggae, desde o reggae roots ate ao Dub electrónico! Tenho demonstrado isso nas minhas músicas, e quem trabalha comigo e assiste aos meus shows vê isso, que a versatilidade é uma das minhas grandes mais valias como cantora. E os produtores gostam muito disso, pois acabo por ser facilmente maliável em termos sonoros, o que é muito bom, pois, assim, conseguimos ser mais livres e propor coisas frescas para o público.
7 - O que é que aprecias mais e menos em Portugal?
- Essa pergunta não é fácil, pois pode ter múltiplas interpretações. Mas acredito que o bem estar é um estado de espírito, em qualquer lugar onde estamos, Em Portugal, que visito com muita frequência, sinto-me muito acarinhada. Tenho muitos amigos aqui e é inegável a importância da africanidade em Lisboa, da África lusófona que é parte integrante do pulsar diário da cidade. Mas, como todas as sociedades que foram conservadores e com um fascismo marcante e recente, há muitas coisas em Portugal em constante evolução e questionamento que não podem ser ignoradas e que devem ser debatidas sem tabus e trazidas à luz... mas isso faz parte do desenvolvimento social e espiritual comum. Como tudo, é um processo que não pode, nem deve ser marginalizado, escondido, nem ignorado. Lisboa é África e quem negar o contrário está a negar a própria história.
TEXTO e ENTREVISTA: CLÁUDIA ZAFRE
ENTREVISTADA: NISH WADADA