terça-feira, 21 de maio de 2019

Breaking the fourth wall: «Devil at the Crossroads» (2019)


A partir de duas imagens de Robert Johnson é construída a narrativa visual do documentário expositivo Devil at the Crossroads, realizado por Brian Oaks, para contar a história, um pouco especulativa - parte de várias suposições sem se basear em grandes registos -, da vida do mestre do Delta Blues. Na realidade, ao contrário do que se pensa, de que o Blues teve, na sua génese, influência nos hinos das igrejas evangélicas de toda aquela região do Mississippi, este género de música (tão natural da alma), teve origem nos campos de algodão lavrados pelos escravos negros. Talvez tenha sido a música a grande catarse libertadora do sofrimento causado pelo jugo dos patrões brancos com mente de senhores feudais. Cantar era o escape terapêutico que os escravos precisavam para esquecer a dor gritante que interiormente ansiava por uma revolução. 


Apesar das obrigações que o delta ditava, Robert Johnson contrariou o destino e fez da sua guitarra o campo que teria que lavrar para tocar e cantar o Blues. Na primeira oportunidade que encontrou para apresentar as suas canções, foi vexado pelo público "experiente em Blues" que o assistia a tocar na sua guitarra de 4 cordas, muito mediocremente, apesar de, na altura, ser um bom tocador de harmónica. A partir daí, desapareceu da sua região durante um ano e meio. Ao longo do documentário alguns testemunhos são prestados, inclusivamente do seu neto Steven Johnson, que só aos 50 anos descobre que é descendente do músico. Johnson influenciou vários músicos, Bob DylanKeith Richards, Eric Clapton e Robert Plant fazem parte dessa lista. 

Poderia pensar-se que no filme O Brother, Where Art Thou?, escrito pelos Irmãos Coen e realizado por Joel Coen, a referência a Robert Johnson é feita com o personagem Tommy Johnson, mas, de facto, trata-se de outro músico. Na verdade, Robert Johnson não foi o primeiro músico de Blues que supostamente aprimorou as suas habilidades com a ajuda do "Príncipe das trevas". Um ex-guitarrista chamado Tommy Johnson - que não é parente de Robert Johnson, mas cresceu no mesmo estado do Mississippi - teve a sua guitarra afinada pelo próprio diabo, quando o encontrou na encruzilhada. O diabo pergunta por que Tommy trocou a sua alma eterna, Tommy responde que não a estava a usar para nada. (Uma biografia de Tommy Johnson inclui uma entrevista com o seu irmão, que diz que Tommy contou pessoalmente a história desse encontro.) Dos 29 temas que R. Johnson gravou, antes da sua morte prematura, constam Terraplane Blues, Cross road Blues, Come on in my Kitchen, Walking Blues


A vida de Johnson não foi fácil. Viveu com a sua mãe e com o seu padrasto numa casa muito humilde na estado do Arkansas. Aos 18 anos apaixonou-se por Virginia, cuja família era muito religiosa, com quem viria a ter um filho. Quando Virgina deu à luz, Johnson estava ausente em digressão, e assim que foi ao seu encalço, Johnson encontrou a sua mulher já enterrada a 7 palmos de terra, momento que nunca mais superou.

Após o desaparecimento de Johnson, surgiram muitos mitos criados pela comunidade. Depois de um ano e meio, o incógnito Johnson reapareceu com a sua guitarra transformada com 7 cordas para tocar frente ao público que outrora o tinha vexado. Este novo Johnson dominava a guitarra como ninguém, baixos e solos eram tocados simultaneamente ao ritmo da mesma mão, enquanto as bocas do público espalhavam que o músico teria feito um pacto com o diabo, por tocar com tanta mestria num tão curto espaço de tempo. Diziam que teria vendido a alma ao diabo em troca de talento e fama. Mas... quando se faz um contrato com o diabo, há um preço a pagar. E assim aconteceu... Mito ou não, Robert pagou o preço e morreu envenenado aos 27 anos, juntando-se ao clube dos 27. 


Texto: Priscilla Fontoura
Imagens: Frames do doc. Devil at the Crossroads, Brian Oaks