sexta-feira, 24 de maio de 2019

Sound Arcade: As bandas-sonoras de jogos

Palavras chave: banda-sonora, OST, ambientes 

Resumo: 
Os jogos de computador ou consolas que fizeram parte da nossa infância e adolescência estão sempre acompanhados de bandas-sonoras que podemos julgar esquecidas, mas nos trazem sentimentos de nostalgia quando as ouvimos passado alguns anos. 
São trabalhos de compositores prolíficos e dedicados que transcreveram os ambientes, estilo e moods dos jogos. Seja um jogo de racing, aventura ou acção, a música adapta-se e ganha vida própria, tornando-se autónoma e respirando bem depois de termos desligado a consola ou o computador. 

1 - OUTRUN


Uma estrada ampla, mas muito matreira nas curvas, ladeada por palmeiras e areia num dia quente de verão. Guiamos um Ferrari Testarossa Spider com uma jovem de cabelo louro ao nosso lado. É esse o ponto de partida para Outrun, um jogo lançado pela Sega em 1986 que se tornou um autêntico sucesso de vendas, sendo adaptado para sistemas de consola e computadores. Feito para permitir ao jogador experienciar o apelo da condução, o objectivo do jogo era acelerar e escapar aos outros carros até chegar aos cinco destinos permitidos pelo jogo. 
Um outro apelo era a condução ao som da banda-sonora composta por Hiroshi Kawaguchi, um prolífico compositor japonês que sempre trabalhou para a Sega. É virtualmente impossível ter jogado Outrun sem a presença da banda-sonora. E é a ouvi-la passado tantos anos que recordamos o jogo. 


Para comemorar o trigésimo aniversário do jogo, a Data Discs editou em 2016 um vinil com a banda-sonora que é composta pelos temas, Magical Sound Shower, Splash Wave, Passing Breeze, Last Wave, Step on Beat, Cruising Line e Camino a mi Amor. Há influências de jazz de fusão, típico dos anos 80, misturados com as melodias soalheiras latinas e das Caraíbas. É um mix muito descontraído, mas cheio de progressões e tempos imprevisíveis que fazem das composições peças memoráveis no imaginário dos jogos produzidos na década de 80. 

2 - CASTLEVANIA


Simon Belmont do Clã Belmont é um nome imprescindível e presente no imaginário de quem jogou já Castlevania, tanto no formato original como nas suas inúmeras sequelas. O jogo foi lançado em 1986 pela Konami e foi um dos maiores sucessos da empresa japonesa. No jogo, usamos um chicote apelidado de Vampire Killer para derrotar monstros e finalmente o próprio Drácula, enquanto vagueamos pelo seu castelo assustador.

A música original para este jogo foi composta pela dupla de compositores japoneses, Satoe Terashima e Kinuyo Yashamita, sendo que as bandas-sonoras mudam de sequela para sequela, mantendo-se apenas alguns temas originais, tal como Vampire Killer


Uma das bandas-sonoras mais influentes, fantasmagórica e bela foi composta em 1997 pela compositora japonesa, Michiru Yamane para o jogo Castlevania: Symphony of the Night, cujo sucesso foi estrondoso, tornando-se um autêntico jogo de culto. 

A banda-sonora é negra, críptica e hipnotizante, transportando-nos para o mundo de sombras de Drácula. As composições são complexas, misturando o lado mais pesado do hard-rock e gótico com a elegância da música clássica e barroca. O título do jogo, Symphony of the Night, faz justiça às inúmeras peças presentes na banda-sonora. Desde coros femininos arrepiantes que remetem para presenças envoltas em mantos numa catedral abandonada, até aos ritmos mais pop e catchy. A banda-sonora mantém-se vigorosa e ecléctica, sem nunca perder o bom gosto ou o foco. Fazer com que o jogador seja novamente um dos do Clã Belmont num mundo envolto pelas trevas, onde apenas a coragem e a tenacidade pode desbravá-las e encontrar a luz. 

A Netflix comprou em 2017 a série de animação inspirada nesta saga de jogos. A série acompanha as aventuras de Trevor Belmont na luta contra Drácula e os seus carrascos. A qualidade da animação é fantástica, ao nível das melhores produções japonesas de anime, assim como o elenco de vozes. A banda-sonora flui entre temas de cerne um pouco gótico, mas ricos em melodias. A saga dos Belmont promete continuar. 

3 - BROKEN SWORD: Shadow of the Templars


Um dos meus jogos preferidos da década de 90 (e também disponível nos vôos de longo curso no sistema de entretenimento da TAP) foi lançado em 1996 pela Revolution Software. É um jogo de aventura com um plot intricado e inteligente que deu fruto a várias sequelas. 

No jogo, assumimos a pele de George Stobbart, um americano que viaja pela Europa e se vê envolvido numa conspiração complexa que envolve os templários. Há misticismo, aventura, mistério e até romance neste primeiro jogo da saga Broken Sword

A banda-sonora ficou a cargo de Barrington Pheloung, um compositor australiano cujo trabalho assenta também em trabalhos para filmes e séries televisivas. 


As composições são delicadas, suaves e extremamente atmosféricas, permitindo ao jogador imergir-se no universo conspirativo e misterioso do jogo. É também uma banda-sonora que consegue sobreviver sozinha, sendo encantador ouvi-la mesmo à parte do jogo, como a peça delicada em piano intitulada Hotel Ubu e as guitarras bravas aliadas ao ambiente latino do tema Spain, que nos transporta para um clima de um calor quase opressivo, enquanto nos sentamos à porta de uma taberna a beber uma malga de vinho fresco e cristalino. 

Todas as composições carregam esse poder mágico de transporte, fazendo-nos viajar por paisagens e sensações muito diferentes entre si. 

O jogo recebeu vários prémios e merecidamente, continua a ser um dos jogos de aventura com um argumento inteligente, bem pensado e até com alguns twists

4 - ROBIN HOOD: Conquest of the Longbow


Este jogo lançado pela Sierra On-Line em 1991 não é apenas um jogo de aventura que tira partido da popularidade do herói do arco e flecha, mas sim fruto de um planeamento histórico e cultural como poucos jogos da altura. A narrativa do jogo é complexa e entusiasmante, especialmente quando se tem em conta a pesquisa histórica exaustiva que o desenvolvimento do jogo acarretou. 

Os gráficos são bastante satisfatórios e atraentes para a altura e a narrativa floresce em situações interessantes e algumas de bastante suspense que fazem a adrenalina pulsar em crescendo. Um dos apontamentos mais interessantes do plot é o romance entre Robin Hood e Maid Marion que serviu de mote para vários filmes, livros e romances. Neste jogo a relação entre os dois personagens também é abordado de forma delicada, idílica e quase heróica. Um belo encontro entre os dois amantes numa clareira e as legendas curtas, mas poéticas, fazem deste jogo um dos mais interessantes na abordagem a este herói universal. 


A banda-sonora foi também fruto de uma colaboração exaustiva entre vários compositores. A direcção musical ficou a cargo de Mark Seibert e a score dividiu responsabilidades entre Ken Allen, Christopher Braymen, Orpheus Hanley e Aubrey Hodges

Os sintetizadores desdobram-se em melodias alegres com tonalidades de música inglesa medieval, onde podemos vislumbrar com clareza a trupe de “foras-da-lei” reunidos na floresta de Sherwood à espera das ordens e direcções do seu líder, Robin Hood. Há também passagens belas e meditativas que reforçam o carácter introspectivo, delicado e romântico do jogo. 

É uma composição musical episódica que reforça os ambientes e moods das personagens em certas situações do jogo. O intimismo, quando se trata da relação entre Marion e Robin e os momentos mais bóemios que retratam as actividades dos “fora-da-lei”, aguardam esperançosamente o regresso do seu querido Rei, ao mesmo tempo que lutam contra a corrupção e tirania do sistema vigente. 

É um jogo interessante e estimulante para fãs de jogos de aventura e está disponível para jogar gratuitamente no site archive.org

Conclusão:
São por vezes as bandas-sonoras que nos remetem para os lugares mais felizes e confortáveis da nossa infância, para o escapismo agradável que nos faz encarnar, por algumas horas, a pele de outra personagem, vivermos a sua vida, embarcarmos nas suas aventuras e romances. São os jogos e as suas banda-sonoras que nos permitem recordar peças do passado que julgávamos esquecidas, as nossas e as das nossas queridas personagens. 

Texto | Text: Cláudia Zafre