© Rita Carmo
TOOL, aparentemente um nome singelo que apenas significa “ferramenta”, mas para os conhecedores e amantes da banda, TOOL é um nome que semioticamente nos remete para um outro mundo. Aquele onde a bateria é tocada por um titã dos mares que parece ter mais do que 2 braços, talvez 4 ou 8, falamos de Danny Carey que deixa qualquer drum machine mais avançada a ofegar para tentar acompanhar a sua velocidade. Onde existem várias vozes, mas apenas a de Maynard Keenan nos segreda coisas interessantes ao ouvido com o seu timbre único e característico. TOOL é uma ferramenta que nos é oferecida para nos destrinçarmos do mundo aparente e embarcarmos num outro que é rico em subtextos líricos de cerne metafísico e místico.
MAYDAY, MAYDAY, MAYDAY remete-nos para uma música que para muitos foi porta de entrada para esta banda mítica e mística. Aenima, tema e também nome do disco lançado em 1996 foi a escolhida para abrir o concerto da banda para uma arena que estava cheia e expectante. O público ansioso e cheio de saudades, vibrou automaticamente com os primeiros segundos de Aenima, eclodindo numa maré de vozes que acompanhava Maynard, conhecendo a lírica da música de trás para a frente.
O heptagrama (símbolo místico da Kabbalah) que segurava os holofotes de luz que tinha permanecido tímida e discreta antes da entrada em palco dos TOOL, fez-se uma estrela das grandes, sendo projectada na tela e vibrando também ela em cada acorde, cada batida e em cada mudança de ritmo.
Maynard de seguida fez a pergunta a que muitos já sabiam a resposta e que se cantou em coro. Who are you to wave your finger? O público respondeu de imediato, era The Pot do disco 10, 000 Days, último trabalho de estúdio lançado pela banda em 2006. O título foi interpretado pelos seguidores de Tool como uma referência ao período aproximado entre a mãe de Maynard se tornar incapacitada decorrente de um AVC, quando Maynard tinha 11 anos, e o falecimento dela em Junho de 2003.
As projecções de luz englobaram-nos numa onda laranja, apesar do calor físico e real que se estava a sentir, havia também um “calor humano” que desvirtuando-se do seu significado de cariz popular, criou um significado de calor humanitário, de humanidade que uniu toda a audiência numa só forma. Uma metamorfose adequada para:
So familiar and overwhelmingly warm
This one, this form I hold now.
Embracing you, this reality here,
This one, this form I hold now, so
Wide eyed and hopeful.
Wide eyed and hopefully wild.
Os primeiros versos de Parabol que antecederam a sua gémea Parabola formam o dístico demolidor de coração místico de Lateralus lançado em 2001. Dois temas que funcionam em simbiose e que não conseguem subsistir uma sem a outra.
Depois das gémeas de Lateralus, viajámos para o tempo presente com Descending, um dos temas recentes da banda que foram apresentadas este ano para o disco que vai sair no final de Agosto. As projecções vídeo ajudaram a criar o clima de recepção para esse tema longo, progressivo e com o som característico da banda. TOOL continua a ser TOOL sem se mostrar agastado ou com esgotamento do seu som. Existe uma fórmula, talvez, mas esta nunca será genérica e permanece inimitável.
Para gáudio da audiência, seguiu-se Schism com uma projecção de vídeo que enfatizou o carácter romântico-místico-metafisico da lírica. A audiência sabe e saberá para sempre que as peças encaixam.
Invincible, foi o segundo tema novo que a banda tocou, mais um que foi lançado durante este ano e para a qual muito do público já sabia a letra, os espaços e os intervalos da composição.
O contraste do futuro com o passado, sucedeu com o tema seguinte, Intolerance, a primeiríssima do debut de Tool lançado em 1993. Fala-se do poderoso Undertow. O público sabia verso por verso da música e eclodia em danças espasmódicas com o ritmo e a toada da letra. Cantando-se em coro You lie, cheat and steal.
Aos primeiros acordes de Jambi, a audiência parecia prestes a explodir, e houve até momentos em que se se fechasse os olhos, o som era tão imenso e as letras tão intimistas que parecia que estávamos sós naquele anfiteatro enorme. Sem auxiliares de percepções como álcool ou outras drogas, Tool serve-nos perfeitamente para expandir a consciência.
Para delírio da audiência, seguiu-se Forty Six & Two, onde se cantou sobre o nosso lado sombra, as possibilidades de metamorfose por vezes dolorosas ou soturnas, mas sempre necessárias. Algumas das ideias na letra desta música referem-se aos ensinamentos de Drunvalo Melchizadez com alguma psicologia jungiana à mistura. É-nos dito que há dois cromossomas extra que nos permitem atingir o nosso estado messiânico, a nossa mente talhada à imagem de Cristo e daí:
See my shadow changing.
Como o público bem o sabe, há anos o cantou em uníssono pela primeira vez no Ozzfest.
As luzes apagaram-se, os músicos saíram de palco mas a audiência fincou os pés firmes porque sabiam que iram voltar. E voltaram, primeiro, Danny Carey que fez quase uma masterclass na bateria com a ajuda de efeitos sonoros que programara. Depois entraram os outros membros da banda e foi com Vicarious, o primeiro tema de 10,000 Days que a audiência voltou a mover-se como uma membrana totalmente dependente do som que provinha do palco.
Para acalmar, ouviu-se um trecho pequeno de (-) IONS de Aenima para depois explodir com Stinkfist com a sua entrada carismática e memorável que levou a audiência ao seu auge. A banda despediu-se calorosamente do público, tocando no peito, esse que ainda bate e sempre baterá sempre que os fãs da banda ouvem a palavra Tool, para eles nunca será um mero vocábulo inglês, mas algo muito mais profundo.
A primeira parte do concerto, foi garantida pela banda francesa Fiend que pratica um doom bastante progressivo e com piscares de olho ao sludge. Músicas longas, com progressões de ritmo e mudanças imprevisíveis que coabitam com as vocalizações ora furiosas ora limpas do vocalista, Heitham Al-Sayed. Uma banda que se deve seguir com atenção.
Texto: Cláudia Zafre
Imagem: © Rita Carmo
Concertos: Tool, Fiend
Data: 2 de Julho de 2019
Locais: Altice Arena, Lisboa