sexta-feira, 9 de agosto de 2019

Numa relação séria com a Netflix: Anima (2019)


Quem ouve o nome Paul Thomas Anderson associa inevitavelmente a Radiohead, a banda do frontman Thom Yorke. O rigor e a criatividade do realizador reflectem-se, desta vez, em ANIMA, um mini-documentário musical e performático, lançado na Netflix, que foi pensado, ensaiado e planificado com detalhe e sensibilidade; cujo conteúdo parte da solidão para o encontro, melhor dizendo, da sonolência para o amor. Thom Yorke é o protagonista que opera em contraste com o grupo de dançarinos. 


Numa das conversas entre Thom Yorke e Zane Lowe, a propósito de ANIMA (nome que deriva de um conceito criado por Carl Jung, e título do seu terceiro álbum a solo produzido por Nigel Godrich, para a XL Recordings, editora que o lançou), o tema do sono é explorado e momento em que Thom admite ser obcecado pelo livro Why we Sleep, de Matthew Walker

Aquando de uma digressão que o levou à exaustão pela falta de sono entre concertos, o músico começou a pesquisar sobre o assunto. Movido pelo tema, afirma que se não dormirmos o suficiente não processamos o bastante, porque é no estado de sono profundo que desenvolvemos as ideias mais criativas, foi assim que cientistas e músicos desenvolveram as suas melhores ideias. Por sua vez, explica que existem dois tipos de sono, um que passa pela desfragmentação no nosso disco interno, em que o cansaço não é regenerado; e o REM, compreendido por ser o sono profundo, em que os olhos e os músculos fazem pequenos movimentos. É durante esse período que a maior parte dos sonhos ocorrem. REM é a abreviatura de movimento rápido do olho. Existe mais actividade no cérebro quando estamos no sono REM do que quando estamos despertos. 


Nesse estado de ausência aparente, Anima causa no espectador um bocejo e assim se entra no sonho que brinca com sombras e luz, com a ilusão óptica do espaço. As sensações transmitidas pelo veículo do corpo são reflectidas pelas imagens coleccionadas nos sonhos. Anima procura conexão e encontra o amor. Nesta obra de 15 minutos, que é iniciada num comboio onde se sentam passageiros vestidos com uma farda, existe uma mulher que prende o olhar de Yorke. 

Anderson presta homenagem às comédias dos filmes mudos dos anos 1920, incluindo elementos surreais e faz alusão às coreografias de Yoann Bourgeois. Anima é construído com um sonho de três partes, mas é ao mesmo tempo uma espécie de comédia. Yorke apaixona-se pela mulher (na realidade é a actriz e sua companheira Dajana Roncione) que se esquece do seu almoço no comboio, e Yorke persegue-a para o devolver. Há uma espécie de final feliz que representa o lado romântico presente em "Punch Drunk Love". 


Anima também aborda a influência que os dispositivos móveis exercem no comportamento humano: “Nós começámos a imitar o que os nossos aparelhos dizem sobre nós e a adoptar esses comportamentos. É por essa razão que vemos alguém como Boris Johnson a dizer mentiras e a prometer algo que nunca vai cumprir. Não precisamos de conectar directamente com ele, é apenas um avatar. As consequências do que fazemos não são reais, nós permanecemos anónimos. Enviamos os nossos avatares para abusar e lançar veneno e depois regressamos para o anonimato.”.

Enquanto obra visual, Anima não se dissocia da composição sonora; o encontro audiovisual é uma mensagem abstracta que só pode ser entendida por quem procura no sonho a ponte para as suas criações.

Texto: Priscilla Fontoura
Filme: Anima
Imagens: Frames do filme Anima (2019)