Palavras-chave: terror, mockumentary, possessão Resumo:  A ficção e o documentário interligam-se muitas vezes no universo da séti...

O realismo do terror: Found-footage

Palavras-chave: terror, mockumentary, possessão

Resumo: 
A ficção e o documentário interligam-se muitas vezes no universo da sétima arte, normalmente através do docudrama que recria situações que aconteceram na realidade e eis que então abre-se a porta para a ficção. O cinema de ficção é bastante rico em géneros e um dos mais populares é o de terror. 

Fantasmas, zombies, assassinos em série, maldições ancestrais, sociedades secretas e tantos mais protagonistas entram no nosso imaginário, aterrorizando-nos e entusiasmando-nos, mas, ao rolar dos créditos, voltamos ao embalo seguro da realidade. Sabemos que se trata de ficção e que não existem monstros no escuro. 

No entanto, a experiência imersiva e de voyeur que a sétima arte nos proporciona, chega mais longe quando se aplica uma lógica análoga ao documentário no género de terror. 

Filmes caseiros que são encontrados por outras pessoas e cujo conteúdo é sempre assustador, é o cerne do found-footage que ganhou extrema popularidade depois do êxito de Blair Witch Project em 1999. Seguiram-se outros filmes que se revelaram também eles um sucesso, tais como Paranormal Activity (2007), [REC] (2007), Cloverfield (2008), V/H/S (2012) e The Bay (2012). 

O medo toca-nos mais profundamente e nós cedemos, longe da segurança e conforto das nossas quatro paredes. 

1 - THE LAST EXORCISM (2010)


Pessoas comuns que ficam possuídas por demónios não é um tema raro no universo do terror desde que Regan fez chichi no meio da sala ou desceu as escadas em “aranha”. Apesar de ser bastante comum, não deixa de assustar ou perturbar e é por isso que continua a ser um dos trunfos de vários cineastas. 

Este filme realizado por Daniel Stamm é uma autêntica boneca russa. É um filme que se baseia na realização de um documentário sobre um pastor que se compromete a fazer um exorcismo. Acompanhamos o pastor e a equipa de documentaristas a uma quinta, onde se encontra uma jovem, que de acordo com o pai está possuída por uma entidade nefasta. 

Utilizando técnicas de mockumentary, o filme é exímio em transmitir suspense e tensão nos momentos charneira, não precisando de mostrar sangue e tripas para “prender” e assustar o espectador.

2 - WILLOW CREEK (2013)


O mundo da criptozoologia está recheado de criaturas interessantes e que estimulam o nosso imaginário, e que por vezes, nos causam algum terror. Uma das criaturas mais interessantes e alimentada pela cultura popular é o BigFoot, supostamente avistado por algumas pessoas, esse monstro de pés grandes pode ser também uma fonte indescritível de terror. 

Realizado por Bobcat Goldthwaith (o polícia com voz de Tazmanian Devil da Academia de Polícia), responsável pelo fantástico Shakes the Clown (1991) e o polémico God Bless America (2011), este filme captura as férias de um casal que decide passar uns dias na vila onde o Bigfoot supostamente habita. Aquilo que encontram é bem mais do que uma lenda do folclore.

A realização é fantástica ao misturar humor com suspense e tensão e os últimos 20 minutos de filme são satisfatoriamente aterradores. Um filme que prova que mesmo com um orçamento modesto é possível criar uma narrativa coesa e intrigante. 

3 - THE DEN (2013)


A tecnologia está em constante evolução e facilita muitas coisas, mas pode ter também um lado negro. Neste filme realizado por Zachary Donohue, a fonte do terror é algo que nos é bastante familiar, a Internet. 

Filmado a partir de webcams e de programas de interacção visual ao jeito do Skype, o filme consegue capturar o terror da personagem principal, uma jovem que assiste a um homicídio online e que a partir daí, tem a sua vida em risco constante. 

Servindo-se do mito, ou talvez não, dos red rooms (sites onde se pode assistir a homicídios reais) que se diz que existem na dark web, o filme alimenta os medos que se alojam no nosso subconsciente ou consciente sobre a falta de privacidade e os riscos de estar online. 

4 - GHOST TEAM ONE (2013)


A comédia e o terror têm um longo historial de romance, por vezes, acaba mal, outras corre bastante bem. Neste filme realizado por Ben Peyser e Scott Rutherford existe esse romance. Para bem ou para mal, a verdade é que o humor é um pouco juvenil, mas não deixa de arrancar alguns sorrisos. 

A história centra-se em dois amigos que partilham uma casa. Numa das festas que dão em sua casa, um dos amigos fica aterrorizado porque pensa ver um fantasma. A partir daí, a sua obsessão pelo paranormal chega a limites insuportáveis e decidem investigar se de facto, o fantasma existe. O que se seguem são situações assustadoramente cómicas ou o que acontece de mal quando não chamamos os ghostbusters. 

5 - CREEP (2014)


Um dos elementos mais eficazes do terror é a sua capacidade de nos deixar vulneráveis e o pensamento obsessivo que nos assola “Isto podia acontecer-me a mim”, o que faz com que sintamos empatia pelas vítimas e medo dos vilões. 

Mas como nem tudo é preto e branco, pode haver situações em que empatizamos com um vilão por desconhecermos a sua verdadeira natureza. Neste filme, realizado por Patrick Brice, o vilão da história (interpretado por Mark Duplass) conquista a nossa simpatia por emular emoções que achamos positivas, uma das características dos psicopatas. O que mais aterroriza no filme, é a imprevisibilidade do vilão. Não sabemos o que fará de seguida, mas é garantidamente algo que nos causará impressão. 

Um trabalho fantástico de realização e interpretação, fazem de creep um dos filmes independente de terror mais interessantes do nosso tempo e que teve direito a um remake recentemente. 

6 - THE POSSESSION OF MICHAEL KING (2014)


Quem é que nunca jogou ao jogo do copo? Eu, por exemplo, mas isso não interessa. O que interessa é que tabuleiros de ouija, jogos do copo ou outras actividades são tidas como divertimento e raramente levadas a sério, a não ser que…aconteça algo, claro. 

A narrativa apresenta-nos Michael King é um homem que acha que isso do oculto, não passa de um aglomerado de patacoadas sem legitimidade alguma. A sua ausência de crenças ou espiritualidade faz com que empreenda uma missão. Provar que tudo não passa de superstições sem fundamento e que Deus e o Diabo são invenções humanas. Como tal, consulta vários especialistas em demonologia e embarca em vários rituais para provar que tudo não passa de trapaças, ao mesmo tempo, que regista diariamente as suas actividades. 

Michael acaba por abrir portas que deveriam estar fechadas e a sua deterioração física e psicológica é realista e assustadora. Este filme realizado por David Jung é eficaz a aterrorizar e na criação de suspense.

7 - AS ABOVE, SO BELOW (2014)


O conceito de inferno foi vulgarizado. Pode ser ter de assistir a reality-shows porque a/o namorada/o obriga, descobrir que aquele sonho em que se foi para o trabalho sem calças não foi realmente um sonho, o final da happy hour no pub ou a simplicidade terrível de comer pizza fria. 

No entanto, terá sempre conotação negativa e será sempre um local de dor indescritível. Subterrâneo, alumiado por chamas intensas e pleno de sombras aterradoras. Neste filme, realizado por John Eric Dowdle acompanhamos um grupo de jovens às profundezas das catacumbas de Paris liderados por uma jovem que procura um artefacto antigo e misterioso. 

As catacumbas, escuras e misteriosas abrigam os seus maiores medos e traumas e o processo de transmutação da alma é demonstrado através da personagem principal. 

O filme está carregado de simbologia e subtexto alquímico e esotérico, indicado pelo título do filme, uma das citações na Tábua de esmeralda (escrito por Hermes Trismegisto) e que está aberta a muitas interpretações, sendo que uma das mais populares é que as acções do homem na terra fazem um paralelo com as acções de Deus no céu. 

É um filme que deixa espaço para muitas interpretações e que não desilude.

8 - THE TAKING OF DEBORAH LOGAN


Este filme realizado por Adam Robitel parte de um cenário incrivelmente realista que podia pertencer a um filme de drama, o caso de Deborah Logan, uma mulher que começa a sofrer os primeiros sintomas de alzheimer. Esse cenário torna-se cada vez mais distorcido, à medida que entramos no reino do sobrenatural e coisas estranhas começam a acontecer. 

Alzheimer é uma doença assustadora só por si, mas neste filme revela-se para lá de aterradora. A narrativa centra-se num grupo de documentaristas que pretende retratar o quotidiano de Deborah na convivência com a sua doença. À medida que o filme progride, a tensão e suspense aumentam devido à violência dos episódios que Deborah Logan vai sofrendo. Essa violência planta a dúvida nos documentaristas. Será a doença ou algo diferente?

É sempre delicado retratar certas doenças em filmes, especialmente quando se trata de filmes de terror, mas neste filme a doença é tratada com sensibilidade e respeito.

9 - HELL HOUSE LLC (2015)


Antes de mais, se sofre de coulrofobia não veja este filme. É pior que o IT, Vulgar e Stitches e não faz rir como o Killer Klowns from Outer space. Este filme realizado por Stephen Cognetti capta imediatamente a nossa atenção nos primeiros minutos ao sermos confrontados com vídeos online que mostram que algo de terrível se passou num evento de Halloween. 

Ficamos imediatamente curiosos para saber o que provocou o pânico generalizado num evento de casa assombrada realizada por um grupo de amigos. A interacção e dinâmica entre os amigos é fruto de muito boas interpretações e um argumento coeso e realista. 

A história foca-se nesse grupo que decide alugar um antigo hotel para servir de atracção de Halloween como casa assombrada. O hotel é tão “perfeito” que não precisam de fazer quase nenhumas remodelações, o que é um bom sinal para eles ou será?

A manutenção do suspense é extremamente bem orquestrada e há sempre espaço para um jump-scare aqui e ali. Um filme criativo, com um bom argumento e que continua a dar mau nome às caves. 

10 - BE MY CAT: A FILM FOR ANNE (2015)


É provável que a actriz Anne Hathaway nunca tenha visto este filme ou então estaria escondida na Patagónia ou numa aldeia bérbere. Be my Cat: a film for Anne pode fazer tremer alguns, fazer rir outros, ou uma combinação das duas coisas. O filme nasceu e germinou na mente de Adrian Tofei, um cineasta romeno com uma grande dose de criatividade e um fascínio criminoso (esperemos que fingido) pela actriz Anne Hathaway. 

O filme começa de forma inocente, Adrian Tofei interpreta um cineasta romeno que quer fazer um filme com Hathaway e para isso, decide mostrar à actriz que é merecedor dos seus talentos. Como tal, recruta algumas actrizes romenas para o ajudarem a fazer um filme, um filme para a sua Anne. O que poderia ser inocente, cedo resvala para um cume de depravação e insanidade que faria um stalker finalmente largar os binóculos e fazer algo de útil e edificante. 

Além de ter uma narrativa sólida, boas interpretações, especialmente por parte de Tofei, o filme é inovador e criativo. Quando o filme acaba, mesmo que não queiramos, damos por nós a pensar se Hathaway chegou mesmo a ver este filme e se aumentou a sua equipa de seguranças. 

11 - UNFRIENDED (2014)


A Internet como instrumento de terror está bem presente neste filme realizado por Leo Gabriadze. O cyberbullying é um dos fenómenos mais prementes da nossa sociedade tecnológica e têm sido muitos filmes que têm abordado as suas consequências e investido em campanhas e mensagens contra esses tipos de comportamento. 

Este filme é também ele um poderoso mensageiro anti-cyberbullying e foca-se num grupo de jovens que comunicam regularmente pela internet. Num dos seus encontros cibernéticos apercebem-se da presença de mais um utilizador que não sabem quem é e julgam tratar-se de um hacker. A partir daí, as coisas começam a complicar-se e temem pelas próprias vidas. 

É filmado através de webcams e simula tempo real, o que faz escalar a tensão e o sentimento que algo horrifico pode acontecer a qualquer segundo. Um filme original que ganha bastante pelas interpretações realistas e competentes dos actores e actrizes. 

Conclusão:
O elemento “documental” no género de terror amplifica a nossa qualidade de voyeur e tenta destruir o nosso sentido de segurança, muitas vezes proveniente do escapismo da ficção pura. Vemos as filmagens quotidianas de alguém que se rendeu à insanidade ou que ficou preso nas garras de um poder maléfico e superior à vontade humana. Percebemos e reflectimos que a tecnologia pode ser usada para fins criminosos e tememos pela nossa própria segurança. A experiência imersiva da found-footage continua e continuará a atrair alguns e a repelir outros.


Texto: Cláudia Zafre