quarta-feira, 25 de setembro de 2019

FØREST FIRES: quatro elementos da Terra apelam à mudança de paradigma, educando para a prevenção e preservação da natureza. É um passo colectivo para a transformação.

(imagem cedida pelo músico)

Pedro Barceló lançou em Maio deste ano o projecto a solo FØREST FIRES. É guitarrista da banda sludge/doom metal LÖBO, um nome forte do género do underground nacional. Impelido a colocar em prática o seu imaginário audiovisual, cria FØREST FIRES sustentado em conceitos minimalistas e pouco concretos. A sua formação de engenheiro e misturador de som abriu o leque às possibilidades da música: a experimentação de diversos sons e texturas a partir da criação sonora e visual. Neste momento, foram lançados dois EP's "I" e "II", cujos conceitos se debruçam sobre as alterações climáticas e sobre as consequências que daí advêm. Os quatro elementos da terra são protagonistas de uma história que apela a uma mudança de paradigma.

Pedro Barceló no estúdio (imagem cedida pelo músico)

- Fala-nos do teu percurso criativo, Pedro. Da tua participação em LÖBO, do teu trabalho enquanto engenheiro de som e agora do teu mais recente projecto a solo FØREST FIRES.
PB: Após mais de 7 anos muito activos no underground português, a tocar em bandas punk/hardcore, fui convidado a ingressar nos LÖBO como baixista. Nesse momento o Älma já estava gravado, pelo que a prioridade foi ensaiar para o lançamento do disco, disco posteriormente editado em CD pela Major Label Industries. Em 2010 percorremos o país, com o Älma Tour, tendo os concertos suplantado de forma muito positiva todas as nossas expectativas. Entre 2009 e 2011, passei algumas temporadas em Londres onde, com a intenção de aprofundar os meus conhecimentos como engenheiro de som, ingressei na Alchemea - College of Sound Engineering. Aí frequentei diferentes cursos de áudio para imagem, mistura e masterização de música, e onde também recebi certificações em Avid Pro Tools e Apple Logic Pro, ambos programas de áudio amplamente utilizados em estúdios profissionais. Em 2011, mudei-me definitivamente para Londres onde ingressei numa Licenciatura em Gestão Financeira e Contabilidade. Vivi durante quatro anos em Londres, onde descobri imenso sobre quem sou e onde sinto que voltei às raízes, (nasci no Alto Alentejo rural), no sentido em que re-descobri a ligação com a natureza, através de uma vida mais sustentável e da criação e produção de um disco com sonoridades mais folk e acústicas, bastante inspirado nas paisagens verdejantes do Reino Unido, que acabei por denominar de WØODLANDS, e que será editado num futuro próximo. Em 2015 regressei a Portugal e esse regresso trouxe os LÖBO de volta ao activo, após alguns anos de hiato, desta vez como guitarrista. O lançamento do Älma em vinil, em 2016, trouxe alguns concertos, tendo sido um deles para um Sabotage Rock completamente esgotado com mais de 200 pessoas a assistir. Foi como músico um momento bastante gratificante. Entre 2015 e o presente ano o foco tem sido principalmente profissional, tendo contribuído na produção, pós-produção áudio para televisão, ficção e publicidade, assim como na mistura e masterização de inúmeros projectos musicais. Paralelamente, e como extensão da minha profissão, senti que havia espaço para criar dimensões sonoras/músicas que fundissem a minha necessidade intransigente de criar música, com a experiência e técnicas adquiridas através do desenvolvimento do meu trabalho como engenheiro de som. Dessa convergência nasceu FØREST FIRES.

"Contrariamente, e considerando os temas intrínsecos das faixas, muito patentes nas alterações climáticas e nos fogos florestais, espero conseguir alcançar o público em geral e consciencializar para um modo de vida mais sustentável e para os flagelos que rapidamente estão a destruir o nosso planeta."



- Como tem sido recebido FØREST FIRES?
PB: A receptividade a ambos os EPs I e II tem sido, ainda que tímida, bastante positiva e por isso estou, sem dúvida, bastante agradecido. Nas várias conversas que tenho tido sobre FØREST FIRES, os comentários têm sido unânimes no sentido em que são sempre dirigidos como algo descritivo da minha personalidade. Penso ser o melhor dos elogios, pois quando conceptualizei e produzi as músicas para FØREST FIRES, o intuito foi primeiramente não só de procura e encontro de algo novo no processo criativo, mas também de auto-definição e auto-realização. Só posteriormente, bastante tempo depois de as músicas estarem finalizadas é que considerei o lançamento digital. Considerando isso, neste momento está a ser preparado o lançamento em vinil de duas músicas, Climate Change e Strong Winds, com as respectivas remixes do João Vairinhosbaterista de LÖBO. Lançamento que terá como objectivo promover colaborações com diferentes artistas/músicos e de alcançar um público mais abrangente.

- Interessa-te trabalhar apenas para o público que acompanha mais a cena underground, ou achas que abrir o leque para outras áreas criativas faz parte do teu objectivo?
PB: Num momento em que praticamente tudo, até a música, tende a ser efémero e descartável, penso ser importante dar um passo atrás, ser mais consciente e tentar abrandar tudo o que se possa interpretar como consumo desenfreado e desregulado de massas. Considerando isso e a natureza das músicas patentes nos dois EPs, penso que o público alvo será sempre mais de nicho do que um público de massas. Contrariamente, e considerando os temas intrínsecos das faixas, muito patentes nas alterações climáticas e nos fogos florestais, espero conseguir alcançar o público em geral e consciencializar para um modo de vida mais sustentável e para os flagelos que rapidamente estão a destruir o nosso planeta.

- O visual de FØREST FIRES é também importante, o som e a imagem caminham lado a lado para formar uma narrativa audiovisual. 
PB: Penso fazer todo o sentido, a imagem permite expandir imenso a ideia patente nas músicas e nos efeitos sonoros.
Num mundo cada vez mais digital e tecnológico, que nos dá a possibilidade de fundir som com imagem, 3d, performances e outros, a obra de um artista nunca é estática, está em constante mutação e maturação. Considerando isso, tenho vindo a desenvolver uma imagética para acompanhar possíveis concertos/performances, em que estarão patentes os temas das músicas de ambos os EPs, numa primeira fase, I, a Natureza; as florestas, os oceanos, as montanhas e o deserto e numa segunda fase, II, a Terra; os planetas e o universo.
Mais, e contemplando essa constante mutação e maturação das músicas, a criação de residências e colaborações com outros artistas em galerias, museus e outros locais que não os convencionados para concertos, poderão permitir de forma bastante positiva a re-interpretação, extensão e até criação de novas obras a partir das existentes.

"Comecei por reduzir os alimentos de origem animal, principalmente a carne, a comprar alimentos e outros produtos a grosso e no mercado, reduzindo assim o uso de sacos e embalagens de plástico e utilizar a electricidade e água de forma mais consciente, reduzindo assim o consumo e as contas mensais. Isto são apenas alguns dos exemplos em que a consciencialização me levou à prática, tornando-se facilmente hábitos diários."



(imagem cedida pelo músico)

- Os conceitos dos Ep's "I" e "II" não são inovadores tendo em conta a preocupação internacional que tem havido em relação ao assunto, mas pouco se tem feito para mudar o paradigma. Como achas que essa consciencialização se pode tornar uma prática?
PB: Gostaria de considerar dois pontos para essa mudança de paradigma, da consciencialização aos actos, o primeiro ponto a nível individual e o segundo a nível de sociedade.
Primeiro e referenciando Aliya Haq, Director da Natural Resources Defense Council:“Change only Happens when Individuals Take Action”. Penso que através da intervenção e colaboração de cada um de nós a consciencialização para as alterações climáticas pode tornar-se uma prática, pois a mudança começa nas acções de cada um de nós no seu dia-a-dia.
Como anteriormente mencionei, durante a minha estadia em Londres iniciei um modo de vida mais sustentável, com uma considerável alteração de hábitos diários a fim de reduzir a minha pegada de carbono. Comecei por reduzir os alimentos de origem animal, principalmente a carne, a comprar alimentos e outros produtos a grosso e no mercado, reduzindo assim o uso de sacos e embalagens de plástico e utilizar a electricidade e água de forma mais consciente, reduzindo assim o consumo e as contas mensais. Isto são apenas alguns dos exemplos em que a consciencialização me levou à prática, tornando-se facilmente hábitos diários. Mais, penso que, cada um de nós tem o dever de passar a mensagem de uma vida mais sustentável a familiares, amigos e outros, para que esses hábitos se tornem de todos.
Como segundo ponto e a um nível mais global, de sociedade, penso que os governos têm de ser mais agressivos e exigir mais das populações, serviços e empresas na alteração de hábitos, através da criação de legislação que permita limitar ao máximo o aumento de temperaturas, de CO2 e outros gases com efeito de estufa. Este é um momento de urgência, pois estas limitações e alterações de hábitos já são consideradas tardias, mas espero que todos façam o que estiver ao seu alcance para uma mudança real.

(imagem cedida pelo músico)

"Mais, durante a minha infância e adolescência, através do meu avô, tive a oportunidade de aprender imenso sobre oliveiras, sobreiros, terrenos agrícolas, plantas e animais, o que me educou e consciencializou para, uma vida mais sustentável e de proximidade com a natureza."


- Os incêndios florestais têm sido uma preocupação alarmante que assolam o nosso país, e outros, principalmente na altura do Verão. As causas naturais estão fora do alcance do homem, mas vários estudos apontam para que a maior parte dos incêndios sejam devido à negligência e intencionalidade humana, muitos de origem criminosa e outros são, manifestamente, casos de negligência. Para ti, como se pode dar uma mudança efectiva?

PB: Gostaria de salientar dois pontos para uma mudança real no panorama nacional e internacional dos incêndios florestais. Em primeiro lugar a nível governamental e das instituições, e em segundo lugar a nível das comunidades que todos os anos são assoladas por profundos incêndios florestais.
Primeiramente, é da responsabilidade do governo e das instituições público-privadas assegurarem uma constante monitorização e previsão do clima, do risco de incêndio por regiões/zonas, da notificação das populações em caso de risco elevado de incêndio, da detecção de fogos postos ou acidentais e a criação de meios para uma rápida supressão dos mesmos. Em segundo lugar, a nível das comunidades, é necessário educar para que não se façam fogueiras ou queimadas quando existe risco elevado de incêndio, a utilização de veículos ou máquinas durante horas de grande exposição solar, e mais importante que tudo educar para a prevenção e preservação da natureza. Mais, e considerando, o caso específico de incêndios de origem criminosa ou de negligência, penso ser importante incorporar mais operacionais a nível florestal, sejam eles comunitários ou institucionais, a fim de maximizar a vigilância e diminuir os incêndios florestais. É imperativo salvaguardarmos a nossa floresta e os nossos terrenos, independentemente de serem a Amazónia ou Pedrógão Grande. Como seres humanos temos o dever urgente de defender e preservar o nosso planeta.



- Serralves tem patente a exposição "O v/nosso Futuro é Agora" de Olafur Eliasson, que também pode ser interpretada como uma chamada de atenção para o futuro que estamos a construir/arruinar. Como achas que a arte pode ser interventiva e activista nas causas ambientais?
PB: A exposição "O v/nosso Futuro é Agora" de Olafur Eliasson, assim como outras são essenciais para uma sensibilização e educação de um futuro que estamos a  construir e que poderá ter consequências gravíssimas para todos. Esta educação passa imenso pela importância dada à natureza como parte fulcral da nossa existência. Mais, durante a minha infância e adolescência, através do meu avô, tive a oportunidade de aprender imenso sobre oliveiras, sobreiros, terrenos agrícolas, plantas e animais, o que me educou e consciencializou para, uma vida mais sustentável e de proximidade com a natureza. A arte pode, portanto, ser um factor importante nesta consciencialização, visto as populações estarem hoje maioritariamente concentradas nos grandes centros urbanos, onde por vezes se leva uma vida com zero contacto com a natureza, e onde a arte e a cultura ocupam uma posição de preponderância, podendo tornar-se assim fortes catalisadores à educação e consciencialização sobre a natureza, as alterações climáticas e até à alteração dos hábitos de consumo. É através da música de FØREST FIRES que eu tento fazer a minha parte, intervindo pela natureza e meio ambiente.

Entrevista e texto: Priscilla Fontoura
Imagens: Pedro Barceló
Entrevistado: Pedro Barceló
Banda: FØREST FIRES
Links:
frestfires.bandcamp.com
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