Imagem: Priscilla Fontoura |
Como qualquer adolescência sedenta por música e pelas curiosidades de um “mundo novo”, Bruno Abreu, na altura vocalista da banda vimarense Blindfold, meteu-se também nesse caminho ora agreste, ora atraente da arte imaterial que é a música. Começou a transpirar nas salas de ensaio para acabar a suar num festival organizado por si. Um idealista é mesmo assim, por mais que a vida, num dado momento, traga alguma consciência da realidade, a vontade de por em prática projectos que foram sendo recalcados regressa.
Os tópicos são lançados numa conversa informal. Partilhei palcos e aventuras musicais com Bruno, por isso não se pode encenar uma conversa que flui naturalmente.
Há mais de 20 anos - naquela época em que a internet era apenas uma criança em fase de crescimento - a logística para organizar concertos e tocar era um bicho de sete cabeças, uma aventura sem recurso a GPS quando os concertos aconteciam perto das estradas nacionais. Era realmente um tempo diferente, mas, de certa forma, igual (talvez), na autenticidade energética, própria da adolescência; a de fazer e fazer cada vez mais, sem pensar nos entraves.
De músico/melómano a promotor, foi entre fases de aproximação e distanciamento da música que a vontade de criar uma promotora, pronta a responder a outras exigências culturais, se realizou; na cidade onde dizem ter nascido Portugal, onde Bruno nasceu e onde, também, acontece o Mucho Flow. São 10 anos da promotora Revolve, uma década que será celebrada aquando da sétima edição do festival Mucho Flow, durante os dias 1 e 2 de Novembro.
Os moldes da edição deste ano fogem dos anteriores, este ano o festival sai do CAAA (Centro para os Assuntos da Arte e Arquitectura), para ocupar 3 novos espaços da cidade com 21 artistas espalhados nesses mesmos locais.
"Guimarães tinha e sempre teve uma zona histórica com muitos bares e muita gente, mas não havia propriamente um sítio, uma sala preparada para concertos, então começámos a pensar nisso e decidimos improvisar.”
Imagem: Emanuel R. Marques |
Um pouco cansados de viajar pelas grandes cidades para ver concertos, Bruno Abreu e Miguel de Oliveira, o seu braço direito na promotora Revolve e então guitarrista de Blindfold, concluíram que seria também possível levar bandas à sua cidade para atrair um nicho do qual sentiam e sentem fazer parte. Algumas promotoras como a Lovers & Lollypops foram uma ajuda no começo da Revolve. “Nós, na altura, tínhamos essa vontade de fazer algo novo, já havia alguém a fazer também sem meios, tentar abrir caminho e fazer aqui. Entretanto, também fomos conhecendo algumas pessoas que foram muito importantes no nosso início. A Lovers que nos ajudou no nosso primeiro concerto com White Hills e Black Bombaim em Guimarães. Fomos criando uma relação de amizade com eles. Percebia-se que era difícil, mas que era possível fazer uma coisa do género, principalmente quando Guimarães não tinha nada, era uma cidade com tanto potencial, tinha tantos espaços, achávamos nós; completamente iludidos. Por isso, ver a Lovers a tentar fazer coisas aqui ou malta que também fazia na altura em Lisboa, achávamos que também fazia sentido tentarmos produzir alguma coisa em Guimarães. Porque não havia nada, havia o Centro Cultural Vila Flor, que eventualmente poderia promover um ou outro concerto, mas, para alguém que gostava de ver um determinado tipo de música alternativa, e outros géneros que nem sequer consigo catalogar, não havia nada. Guimarães tinha e sempre teve uma zona histórica com muitos bares e muita gente, mas não havia propriamente um sítio, uma sala preparada para concertos, então começámos a pensar nisso e decidimos improvisar.”, afirma Bruno.
UM ANTES e UM DEPOIS
Em 2012, quando Guimarães foi Capital Europeia da Cultura, acontece a reviravolta e dá-se o boom da Revolve. No início, a comunidade mais jovem da movida vimarense saía primeiro para socializar com os amigos e só apareciam nos concertos por volta das 3 da manhã. Bruno e Miguel não sabiam bem no que se estavam a meter porque nem sequer havia condições para organizar concertos. A cidade não estava preparada nem a comunidade estava educada para uma aposta cultural alternativa às convencionais. Começar foi uma experiência assustadora. “Eu lembro-me dos primeiros concertos com TV Buddhas e Glockenwise a abrir, e dos TV Buddhas começarem a tocar às 4:00 da manhã. Os TV Buddhas nem sequer ficaram lá, foram para o hotel dormir, meteram o despertador para acordarem às 2h e apareceram lá para tocar.”, recorda Bruno. Nesta altura, decidem bater o pé e mudar os costumes, não se ajustando às vontades do público. Após essa experiência os concertos começariam mais cedo pelas 22h / 23h, mesmo que só estivessem apenas 20 ou 10 pessoas; essas, muito provavelmente, seriam as que realmente lá estariam para ver as bandas. Aos poucos começaram a ter mais pessoas nos concertos. Entre 2011 e 2012 há um hiato por falta de apoio público e privado, qualquer custo seria suportado pelos organizadores. Ainda assim, em 2011, organizaram, em parceria com a Lovers, os noruegueses Ulver na Casa da Música. Não obstante alguns episódios menos felizes, parar de fazer nunca foi uma hipótese, tinham consciência de que o caminho teria de ser trilhado com dificuldades e que um passo de fé iria, provavelmente, “compensar todas as outras alturas em que correu mal.”, diz Bruno.
Em 2012, quando Guimarães foi Capital Europeia da Cultura, acontece a reviravolta e dá-se o boom da Revolve. No início, a comunidade mais jovem da movida vimarense saía primeiro para socializar com os amigos e só apareciam nos concertos por volta das 3 da manhã. Bruno e Miguel não sabiam bem no que se estavam a meter porque nem sequer havia condições para organizar concertos. A cidade não estava preparada nem a comunidade estava educada para uma aposta cultural alternativa às convencionais. Começar foi uma experiência assustadora. “Eu lembro-me dos primeiros concertos com TV Buddhas e Glockenwise a abrir, e dos TV Buddhas começarem a tocar às 4:00 da manhã. Os TV Buddhas nem sequer ficaram lá, foram para o hotel dormir, meteram o despertador para acordarem às 2h e apareceram lá para tocar.”, recorda Bruno. Nesta altura, decidem bater o pé e mudar os costumes, não se ajustando às vontades do público. Após essa experiência os concertos começariam mais cedo pelas 22h / 23h, mesmo que só estivessem apenas 20 ou 10 pessoas; essas, muito provavelmente, seriam as que realmente lá estariam para ver as bandas. Aos poucos começaram a ter mais pessoas nos concertos. Entre 2011 e 2012 há um hiato por falta de apoio público e privado, qualquer custo seria suportado pelos organizadores. Ainda assim, em 2011, organizaram, em parceria com a Lovers, os noruegueses Ulver na Casa da Música. Não obstante alguns episódios menos felizes, parar de fazer nunca foi uma hipótese, tinham consciência de que o caminho teria de ser trilhado com dificuldades e que um passo de fé iria, provavelmente, “compensar todas as outras alturas em que correu mal.”, diz Bruno.
“A necessidade aguça o engenho. E nós como trabalhamos com orçamentos tão curtos, por exemplo, o Mucho Flow é realizado com o apoio do município, mas não é de todo o orçamento com que gostaríamos de trabalhar. Este ano é uma loucura aquilo que nós estamos a fazer. Quando não tens às vezes fazes mais, então tentas, procuras e tentas apanhar aquela banda no momento em que está prestes a dar o salto e, felizmente, nós temos a sorte de conseguir algumas vezes."
Imagem: Emanuel R. Marques |
Editar ideias é um processo moroso. Tudo vale. Quer-se tudo colossal, pensa-se que tudo é possível. Mas a ideia de acolher bandas num só dia era uma ideia atraente. Daí surge a ideia de criar um mini-festival. Em 2012, dá-se a mudança. A Revolve, em parceria com a Lovers, organizou dois eventos com apoio público do Guimarães Capital Europeia da Cultura, sendo que um dos eventos foi um dos oficiais. Em 2013, um desses eventos passou para o ano seguinte, em parceria com a associação vimarense Convívio intitulado Indiesciplinas, em que a Revolve responsabilizou-se pela curadoria de artistas e produção. Nesse mesmo ano a equipa cresce, juntam-se mais duas pessoas e começam a organizar eventos com mais regularidade.
MUCHO FLOW, UM FESTIVAL QUE CONTINUA PELA FORÇA DA RESILIÊNCIA DA REVOLVE
Apesar de trabalharem com orçamentos curtos, este ano apostam numa estrutura mais intensiva. O promotor acrescenta: “A necessidade aguça o engenho. E nós como trabalhamos com orçamentos tão curtos, por exemplo, o Mucho Flow é realizado com o apoio do município, mas não é de todo o orçamento com que gostaríamos de trabalhar. Este ano é uma loucura aquilo que nós estamos a fazer. Quando não tens às vezes fazes mais, então tentas, procuras e tentas apanhar aquela banda no momento em que está prestes a dar o salto e, felizmente, nós temos a sorte de conseguir algumas vezes. Amen Dunes, Circuit Des Yeux que já tinha tocado cá antes, mas já nesse primeiro concerto também já esteve prestes para ser um concerto nosso, mas depois não tivemos a oportunidade de o fazer, os próprios Girl Band... tivemos uma sorte tremenda em termos apanhado certas bandas naquele momento antes de explodirem. É aquela fome de quem gosta muito de música, não é? Sinto essa necessidade de estar sempre à procura de música nova.”.
"Já há muito que queríamos fazer neste formato, já desde 2016 que andávamos a discutir com a própria Câmara fazer noutros locais, tornar o festival mais itinerante, ter dois dias. Este ano juntámos o festival ao aniversário dos 10 anos de Revolve."
Imagem: Emanuel R. Marques |
Sempre atentos a bandas emergentes com as quais se identificam e suportados na ética de fazer muito para um nicho ecléctico, este ano apostam num formato itinerante.
“Este ano sentimos que estamos a dar tudo. O ano passado correu muito bem, mas sentimos que o festival se tinha esgotado. Aquilo que nós tínhamos para fazer, naquele formato, naquele sítio estava feito. O próprio Mucho Flow tinha começado com uma coisa diferente daquela. O festival aparece porque em 2013 nós fizemos o tal ciclo Convívio, no contexto Guimarães Capital da Cultura, o Indiesciplinas e achámos que com o dinheiro que conseguimos fazer com a produção daquele evento, poderíamos gastá-lo todo e fazer um festival. E na altura, lá está, íamos apanhar uma banda que estava aí quase a explodir e fechámo-la. Entretanto, pensámos, vamos fechar mais duas ou três bandas e fazemos disto um festival. Entretanto, fechámos mais umas quantas bandas, a banda cabeça de cartaz cancelou e obrigou-nos mesmo a fazer dessas confirmações um festival. E fizemos o Mucho Flow, mas foi de graça na rua, onde hoje em dia fazemos o Vai-m’à Banda, que é outro evento nosso; por isso, no ano seguinte nós percebemos, se nós queremos fazer isto já vamos ter que fazer noutro formato. E passámos para o CAAA. No ano passado sentimos que se tinha esgotado, se ficássemos lá este ano seria mais do mesmo. Já há muito que queríamos fazer neste formato, já desde 2016 que andávamos a discutir com a própria Câmara fazer noutros locais, tornar o festival mais itinerante, ter dois dias. Este ano juntámos o festival ao aniversário dos 10 anos de revolve.”, declara Bruno. A ideia de tornar o festival itinerante existe e perdura desde o início da criação da Revolve, tal como o próprio nome da editora/promotora indica, revolver a cidade a quem lá vive, criando um elo entre cidade e aquilo que pretendem fazer. Colocar tanto o público do Mucho Flow a passear e conhecer Guimarães e trazer “o turismo certo para a nossa audiência. Na realidade o turismo não se torna assim tão visível no reflexo da vida da malta jovem, eu digo isto porque acho que faria sentido - como ponto de contacto - uma nova geração conhecer Guimarães, mas não fazemos isto a pensar dessa forma. Uma coisa que gostava mesmo era de poder incluir ao máximo a cidade e os miúdos.”, acrescenta.
Este ano um dos locais a serem ocupados pelo Mucho Flow é um dos andares do antigo edifício dos CTT, um espaço que já fazia parte do imaginário da cidade, “toda a vida vivemos com aquele espaço a fazer parte dos nossos dias. E agora vamos ocupar aquilo.”, declara Bruno. Este ano, a parceria com a câmara está mais alargada passando também pelo apoio logístico, nesse sentido a produção para os três espaços será possível de ser realizada.
Este ano são 8 pessoas que trabalham o festival. Bruno Abreu é o mais sonhador, quem acredita ser sempre possível concretizar tudo imaginado, trazer mais bandas, mais sítios, mais dias. Miguel de Oliveira e a restante equipa são quem traz as ideias de Bruno à terra, adequando-as de acordo com o orçamento com que é possível trabalhar.
Este ano apostam em nomes como Iceage, banda que regressa a Portugal, mas que já queriam trazer há algum tempo; os Croation Amor, Amenia Scanner que já queriam trazer desde 2016. “Este ano foi um bocado uma mistura disso, dos emergentes, ou daqueles artistas que achamos que se distinguem, com esses artistas que nós já seguimos há algum tempo. Por isso, de certa forma, este ano tem esse aspecto. E eu sinceramente, também acho que se calhar será esse o caminho, porque nós não conseguimos fazer um festival a pensar em grandes massas, fazermos um festival por exemplo para 5000 pessoas, não é esse o nosso objectivo.”.
No entanto, não colocam de parte voltar a estabelecer parcerias como no passado com a produtora Bando à Parte. Este ano com tanta novidade seria demasiado no formato que está planeado.
Imagem: Emanuel R. Marques |
DE FÃ A ORGANIZADOR
Ver concertos enquanto organizador não é o mesmo que ver enquanto fã, há uma lista de responsabilidades a pensar e o cérebro não consegue relaxar enquanto o evento acontece. Bruno partilha, “Sinto sempre aquele peso e aquela necessidade de estar preocupado com a parte da organização, a qualquer momento alguma coisa pode ser necessária da minha parte, por exemplo, Black Midi vi meio concerto, porque fui com o baixista de Fire! para o hospital. O baixista de Fire! tropeçou ao entrar em palco. Ficou o concerto todo a tocar como que se estivesse normal. No fim, eu ainda comentei que o concerto tinha sido muito bom, e ele disse, ‘leva-me ao hospital, por favor'."
Os olhos verdes do organizador brilham e a nostalgia sente-se conforme se vão trocando palavras que tanto remetem para o passado já um pouco distante (mais de vinte anos) para este presente. De músico a organizador, tudo faz parte para quem gosta de se sentir preenchido por esta arte tão especial e completa.
O Acordes pediu a Bagagem dos concertos memoráveis Mucho Flow, escolhidos por Bruno Abreu: Amen Dunes, Circuit Des Yeux, Girl Band, Black Midi, Cave.
Imagem: Emanuel R. Marques |
Imagens: Emanuel R. Marques, Priscilla Fontoura
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