sexta-feira, 8 de novembro de 2019

BUG: Dinâmicas da consciência, flow livre e intimista no seu EP de estreia, Tripolar

  Imagem: Marcos Ferreira    

Dar ritmo às palavras ou RAP é um estilo musical em perpétua evolução. A poesia junta-se a beats e samples para criar hinos de resistência e consciência social, vinhetas pessoais ou passagens introspectivas de imaginários complexos e revoltos.

Bug é um jovem rapper oriundo de Paços de Ferreira que editou este ano o seu EP de estreia intitulado Tripolar através da editora portuense: Paga-lhe o Quarto liderada por Keso. Bug distende-se em versos animados por uma rítmica dinâmica que ilustra os seus inúmeros e contrastantes estados de espírito, assim como os seus pensamentos e momentos de maior reflexão.

As palavras fluem numa cadência melódica, coloridos por samples e beats compostos pelo rapper com a colaboração de Duarte Dias e Kap. Tripolar é um mosaico de emoções alternantes e variadas que fortifica a vertente do rap consciencioso no cenário português do rap e hip-hop.

- Bug, editaste recentemente o teu EP de estreia, Tripolar que ficou disponível a 11 de Outubro. As tuas letras têm um carácter muito intimista e introspectivo e talvez seja uma forma de usar a poesia e música como terapia, como dizes em “Egoísta” com os versos “Os meus poemas são só para mim / e eu só escrevo para que eles me curem”. O Rap parece ser um veículo para dizeres o que sentes e pensas. Quando é que descobriste o poder do Rap e podes falar um pouco do teu percurso musical até chegares à produção deste EP?
Bug -
Eu descobri o poder do rap bastante depois de o conhecer. Tive contacto com o hip hop bastante cedo e gostava muito da cena do estilo, desde ritmo, ideologia, etc, mas o verdadeiro poder foi pelos 17, quando comecei a sentir-me a ser realmente influenciado pelo que ouvia na altura e o que letras diziam, ajudaram a formar o meu carácter, os meus princípios… O poder de exprimir o que sentia pelo rap foi em 2017, quando comecei a escrever, e passado pouco tempo vi que aquilo efectivamente eram uns raps, havia um certo ritmo. Aparece de improviso, mas revela-se um método óptimo que eu agarrei para me exprimir e que até hoje tenho como hábito/necessidade. Tem poder curativo. Comecei a escrever no final de 2017, fiquei um bocado obcecado na altura e fiz imensa coisa, dediquei esse tempo não só a escrever, mas a aprender como se fazia o resto desde produção, mix, gravação, os próprios sintetizadores, alguma teoria… basicamente tentei educar-me enquanto fazia temas novos. Quando decidi partilhar esta minha parte, fiz o upload de uma compilação que está disponível no meu canal e fui fazendo alguns temas soltos. O Tripolar aparece aí no meio, numa altura em que me senti mais confiante com um conjunto de temas que partilham a mesma história-mãe, eram relatos nos momentos das variações de humor, da “tripolaridade” em ação. Estava à espera de ter tempo e conhecimento para mixar o projeto o melhor possível, mas quando o Keso me convidou para fazer parte da Paga-lhe o Quarto, havia esse projecto, e assim foi. Avançamos com ele e não poderia ter corrido de melhor forma.

- Com “Tripolar” não se trata apenas de desabafos poéticos mas existe também uma qualidade no EP que faz com que se crie afinidade com as letras, com o que cantas e dizes. Como tens sentido a recepção ao EP até agora?
Bug -
O feedback que tem chegado é positivo, pelo menos eu estou super feliz com ele. Não podia esperar tanto como o que está a acontecer… É como disse, “os meus poemas são só pra mim”… tudo que venha mais, é um ganho… Só o convite para fazer parte da Paga-lhe o Quarto é uma coisa que “estava nos sonhos”, deixou-me super feliz.

- Inspiras-te muito nas tuas experiências e estados de espírito, como é que ocorre usualmente o teu processo criativo? Escreves as letras e depois fazes os beats ou é um processo simultâneo?
Bug -
É um processo que varia muito. Por vezes a escrita acontece no momento, com beat ou sem beat, noutras é uma coisa mais pensada, escrita directamente para aquela parte do instrumental… Não há nenhum processo fixo, nem tenho preferência por nenhuma forma de fazer. Só sei que por vezes forço, e não sai nada! Mas isso é sinal que não há nada para dizer. Mais tarde pode ser que apeteça…

   Imagem: Marcos Ferreira 
                                                                                        
- Tripolar é um nome sugestivo e intrigante para o EP. Hoje em dia, usa-se muito o termo “Bipolar”, mesmo não sendo para caracterizar casos diagnosticados da doença, mas como uma forma de descrever os nossos estados alternantes, os nossos altos e baixos, e os reflexos de alguma instabilidade ou períodos mais tumultuosos das nossas vidas. Como é que surgiu o termo e como é que consegues explicar melhor essa escolha? 
Bug - Tripolar vem mesmo desse uso do termo “bipolar”, mas aqui eu enfatizo. É o gajo “Tripolar”, já passou para a fase seguinte, bipolar não chega… Talvez por isso é que tenha sentido necessidade de se exprimir! Depois tem também a questão da personalidade tripartida. Apatia, Alegria, Tristeza. Não é nada complexo, mas é algo que está directamente relacionado com a fase em que o projecto foi produzido, simboliza muito bem o que eu sentia. 

Comecei a escrever no final de 2017, fiquei um bocado obcecado na altura e fiz imensa coisa, dediquei esse tempo não só a escrever, mas a aprender como se fazia o resto desde produção, mix, gravação, os próprios sintetizadores, alguma teoria… basicamente tentei educar-me enquanto fazia temas novos. Quando decidi partilhar esta minha parte, fiz o upload de uma compilação que está disponível no meu canal e fui fazendo alguns temas soltos. O Tripolar aparece aí no meio, numa altura em que me senti mais confiante com um conjunto de temas que partilham a mesma história-mãe, eram relatos nos momentos das variações de humor, da “tripolaridade” em acção.


 Imagem: Marcos Ferreira 
                                                            
- És de Paços de Ferreira, sempre viveste nessa cidade? Como é a cena do rap e hip-hop na tua zona? 
Bug - Desde sempre que vivo em Paços de Ferreira, fiz cá a minha vida toda até ao 9º ano. Nessa altura fui estudar para o Porto e até hoje faço a divisão dos dias entre as duas cidades, à parte de 2 anos em que estive a morar por lá. Curiosamente aqui na minha cidade nunca houve muito rap, pelo menos do meu conhecimento! Pelo que sei existem dois nomes, Dizzy e Dpê. Mas penso que nem existe relação entre eles… Só quando comecei a escrever e partilhei com uma colega minha é que ela me chamou à atenção para um rapaz de cá de Paços que também produzia. Conheci o Duarte Dias e acabei por colaborar imenso com ele, tanto que metade dos instrumentais do Tripolar são dele. Mas suspeito que haja mais gente a começar a explorar! Se agora começa a existir um movimento, deve-se também à The Last Supper Events que tem promovido os concertos. Espero que continue assim. Sou suspeito, mas têm sido noites espectaculares! 

- A tua música oferece de certa forma vinhetas da tua personalidade e do teu íntimo. Achas que ela dá às pessoas alguma ideia de como realmente és? 
Bug - Qualquer coisa deve dar, algumas podem perceber, outras não… Mas também não gosto muito de pensar que vão estar a dissecar-me quando as ouvem. Gosto mais da ideia de se reverem em certas coisas, que as estimule… seja isso o que for! 
                             
Imagem: Marcos Ferreira 


Nunca paro de fazer algo, seja produzir ou escrever. Agora estou focado na tese, mas sempre que posso tenho feito mais qualquer coisa, e tem agradado! Estão a aparecer novas sonoridades, pode ser que num próximo lançamento venha completamente diferente, ou não… O Tripolar foi lançado mas não saiu de mim, há muito por explorar!


- A tua música é muito “elástica” e de certa forma, imprevisível devido ao uso de inúmeros samples. Como é que ocorrem as ideias ou a inspiração para os teus samples
Bug - Os samples curiosamente estão nos sons que não têm produção minha! Mas sinto que a escolha destes instrumentais não vem à toa. Gosto deste tipo de sonoridade, mas a nível de produção é algo que ainda não consegui explorar como gostava, infelizmente. Acabo por fazê-lo na escrita. É onde me sinto mais confortável para ter um verso mais corrido, dizer mais coisas. 

- Depois de Tripolar, que mais projectos tens em mente e que gostarias de realizar? 
Bug - Tanta coisa… Mas não há nada definido. Nunca paro de fazer algo, seja produzir ou escrever. Agora estou focado na tese, mas sempre que posso tenho feito mais qualquer coisa, e tem agradado! Estão a aparecer novas sonoridades, pode ser que num próximo lançamento venha algo completamente diferente, ou não… O Tripolar foi lançado mas não saiu de mim, há muito por explorar!

Texto e entrevista: Cláudia Zafre
Banda: Bug
Entrevistados: Bug
Imagens: Marco Ferreira