(...) ao som da lira de dez cordas e da cítara, bem como da melodia com harpa.
- Salmo 92:3 -
- Salmo 92:3 -
A ORIGEM
A harpa poderá ser considerada o instrumento que conduz ao fácil encantamento. Na antiguidade, mexeu com o coração de vários reis e rainhas. É, também, conotada como o instrumento dos anjos, aquele que liga, através da música, aos deuses pagãos e a Javé (YAHWEH). Classificado como instrumento mais antigo de corda dedilhada (ao lado da flauta, de sopro), a sua origem ancestral remonta a antigas civilizações: a suméria, a babilónica e a egípcia (onde chegou a ter 14 cordas), cuja construção tem origem em arcos de caça. Tudo indica ter começado com um arco de madeira, em que atando uma corda, feita de tripa de animal, às pontas de um ramo fazia-se soar; para o som ficar mais forte, serviu-se da boca ou de uma cabaça como caixa de ressonância. Foi sendo posteriormente aperfeiçoada, ao serem usadas várias cordas sobre a caixa de ressonância.
A harpa poderá ser considerada o instrumento que conduz ao fácil encantamento. Na antiguidade, mexeu com o coração de vários reis e rainhas. É, também, conotada como o instrumento dos anjos, aquele que liga, através da música, aos deuses pagãos e a Javé (YAHWEH). Classificado como instrumento mais antigo de corda dedilhada (ao lado da flauta, de sopro), a sua origem ancestral remonta a antigas civilizações: a suméria, a babilónica e a egípcia (onde chegou a ter 14 cordas), cuja construção tem origem em arcos de caça. Tudo indica ter começado com um arco de madeira, em que atando uma corda, feita de tripa de animal, às pontas de um ramo fazia-se soar; para o som ficar mais forte, serviu-se da boca ou de uma cabaça como caixa de ressonância. Foi sendo posteriormente aperfeiçoada, ao serem usadas várias cordas sobre a caixa de ressonância.
Se calhar, muitas foram as vezes em que harpas e tambores soaram dentro das portas de Ishtar, a grande-mãe do Antigo Oriente, aquela que regia o amor, a fertilidade, a sexualidade feminina e as guerras. Dos templos pagãos aos monoteístas, a harpa é o primeiro instrumento a ser referenciado na Bíblia. A influência cultural fez com que persas, assírios, turcos, fenícios, gregos e romanos passassem a tocar harpa.
"PANTHONE"
Será, nos dias de hoje, um estereótipo afirmar que a harpa continua a ser um instrumento feminino? Pela sua delicadeza e sensibilidade, o instrumento de estrutura simples, é construído com uma armação de cordas esticadas, que vão em crescendo e vibram quando dedilhadas. Para a tocar é preciso que o corpo se envolva com o instrumento. A sua estrutura é repartida pela caixa de ressonância, coluna, pescoço, cordas e, por vezes, pedais ou levers. Pela sua especificidade, e pelo encantamento produzido quando tocada, a harpa é um instrumento que suscita muita atenção.
Angélica Salvi, harpista sediada no Porto, numa quarta-feira chuvosa, apresentou o seu disco de estreia, Panthone, editado, este ano, via Lovers & Lollypops e gravado no Mosteiro de Rendufe, no festival Encontrarte em Amares. Se Panthone tivesse sido apresentado num espaço aleatório, talvez o efeito criado teria tido menos impacto. Tal como o título do álbum indica, as notas reverberadas revelaram o espírito livre presente nos temas, em que a experimentação de pedais modelou o som produzido pelas cordas que dedilhou e os efeitos ajustaram-se à flexibilidade das cordas para produzirem notas adicionais, numa performance que não fugiu da partitura.
DISPERSÃO DA HARPA, curiosidades
A harpa, como muitos instrumentos, viajou do norte de África e Médio Oriente até Espanha e assim se deu a sua dispersão pela Europa, assumindo tamanhos e números de cordas diferentes. A harpa com pedais foi inventada em meados de 1720, na Alemanha, por Celestin Hochbrücke, e foi aperfeiçoada pelo francês Sébastien Érard, no início do século XIX. Muito utilizada na música erudita, foi um instrumento recorrente nas composições dos músicos românticos do século XIX. No século anterior, em Paris, a harpa assumiu outras utilidades, transformando-se num elemento decorativo, esculpido e pintado a ouro. No contexto religioso, passou por várias religiões, como instrumento que fala a língua dos anjos era a ligação directa ao transcendente.
A harpa, como muitos instrumentos, viajou do norte de África e Médio Oriente até Espanha e assim se deu a sua dispersão pela Europa, assumindo tamanhos e números de cordas diferentes. A harpa com pedais foi inventada em meados de 1720, na Alemanha, por Celestin Hochbrücke, e foi aperfeiçoada pelo francês Sébastien Érard, no início do século XIX. Muito utilizada na música erudita, foi um instrumento recorrente nas composições dos músicos românticos do século XIX. No século anterior, em Paris, a harpa assumiu outras utilidades, transformando-se num elemento decorativo, esculpido e pintado a ouro. No contexto religioso, passou por várias religiões, como instrumento que fala a língua dos anjos era a ligação directa ao transcendente.
CONCERTOS - ECE CANLI e ANGÉLICA SALVI
A Igreja Anglicana de St. James, no Porto (reúne uma variedade de denominações e tradições de culto), foi, sem sombra de dúvida, o espaço mais apropriado para receber Ece Canli e Angélica Salvi. Concertos desfasados de artifícios, cujos focos de luz baixa concentraram-se apenas nos instrumentos e nos músicos, ofuscando a beleza do espaço ornamentado com fabulosos vitrais e órgãos de tubos.
O evento não poderia desvincular-se do próprio espaço, tanto em estética quanto em acústica, que, somando à música, tornou o todo maior do que a soma das suas partes. A audiência heterogénea juntou ateus e crentes, agnósticos, esotéricos e supersticiosos, todos os credos e convicções (ou a falta deles), num concerto ecuménico, onde a música foi o denominador comum.
A calorosa recepção da comunidade anglicana deixou a audiência embevecida oferecendo vinho e entradas, um exemplo de que, em Portugal, cada vez mais, a interacção entre públicos (podia dizer-se, ainda pouco preparado), começa a acontecer. Fiéis ou descrentes, a comunidade anglicana recebeu cada um, não obstante as suas diferenças, na sua casa de oração - a denominação cristã que, querendo separar-se de Roma para se tornar independente, identificou-se, em certa medida, com a reforma protestante de Lutero. Não é prática incomum das igrejas consideradas mais reformadas abrirem o espaço a outras actividades culturais que não somente as religiosas. Quando a falta de curiosidade ou a falta de abertura se fecha em si mesma, a música poderá ser a porta de salvação para ir ao encontro do património que, na sua peculiaridade, cria o refúgio perfeito para a reverberação da alma.
O título do álbum que relaciona phantom (fantasma) com tone/tom funde as ideias de Angélica num trabalho que reúne tanto de convencional e formal quanto de experimental, pelo trabalho moldado por delays, ecos e reverberações, tornando o instrumento mais exploratório, aberto a outras práticas e técnicas. Viajou-se com Panthone, uma harpa que transmutou qual guitarra dedilhada por Gustavo Santaolalla, em que vagueou entre mundos fantasiosos e mágicos. As notas mais graves misturaram-se com harpejos mais agudos, criando uma textura densa com profundidade de campo. Há encantamento, alívio celestial, doçura solitária, um destino desconhecido, uma libertação necessária para espantar qualquer preocupação. Em certos momentos, o concerto da espanhola conseguiu salvar o corpo da materialidade e elevá-lo para outros cantos inexprimíveis. Pedais e delays juntaram-se à magia da composição, a certa altura criaram um debate entre sons graves e agudos em que se fez sentir o ar outonal cristalino. O concerto etéreo terminou com a peça mais impressionante do álbum a solo, Indigo, capaz de levar qualquer um/a ao estado onírico sem confusão, à vontade que leva a exumar dos pensamentos apenas os bons momentos; certamente, um tema que mexe - sem dó nem piedade - no lado mais negro que procura o caminho da redenção, tal como a vida que nos incomoda com dor e sofrimento, mas, no final, conclui-se que tais emoções fazem parte da construção do que é ser humano. Essa libertação dos grilhões do passado é fulcral quando se enfrenta Thanatos para superar o medo.
Angélica Salvi, "Bistre", Panthone
O evento reuniu duas mulheres que apresentaram a solo as suas criações de forma intimista. Na primeira parte, Ece Canli, de origem turca, radicada em Portugal desde 2013, experimentou na sua loop station várias camadas ora orgânicas, ora plásticas, que poderiam levar à inimitável figura de Meredith Monk, mas um pouco aquém. As texturas instrumentais minimalistas foram pintadas por instrumentos de sopro, sendo a voz a coluna vertebral que suportou outras linhas. Canli explorou a composição através de técnicas vocais, trazendo de volta o misticismo que pretende recuperar da sua terra natal.
O intimismo criado por duas mulheres estrangeiras, radicadas em Portugal, converteu uma noite, que poderia ter sido mais uma, numa memorável. Deixarmo-nos conduzir e sermos conduzidos pelo imaginário de cada uma fez parte do caminho percorrido.
- TRANSLATION -
(...) to the music of the ten-stringed lyre and the melody of the harp.
- Psalm 92:3 -
- Psalm 92:3 -
ORIGINS
The harp may be considered an Instrument that gives way to enchantment. In ancient times, It moved the heart of several kings and queens. It Is also seen as the Instrument of angels, the one that connects, through music, to pagan gods and Yahweh. Classified as the earliest string Instrument that Is strummed (alongside the flute, woodwind Instrument), Its ancestral origin dates back to ancient civilizations: sumerian, babylonian and egyptian (In which It had 14 chords), and whose design Is based on hunting bows. Everything points to the fact that the harp began as a wood bow with a rope attached, made of animal Intestines and by tying It to tip of a branch It produced sound; In order for the sound stronger, the mouth or a gourd was used as a resonance box. It was later developed by using several strings above the resonance box.
The harp may be considered an Instrument that gives way to enchantment. In ancient times, It moved the heart of several kings and queens. It Is also seen as the Instrument of angels, the one that connects, through music, to pagan gods and Yahweh. Classified as the earliest string Instrument that Is strummed (alongside the flute, woodwind Instrument), Its ancestral origin dates back to ancient civilizations: sumerian, babylonian and egyptian (In which It had 14 chords), and whose design Is based on hunting bows. Everything points to the fact that the harp began as a wood bow with a rope attached, made of animal Intestines and by tying It to tip of a branch It produced sound; In order for the sound stronger, the mouth or a gourd was used as a resonance box. It was later developed by using several strings above the resonance box.
It may be the case, that several times the harps and drums made sounds Inside the doors of Ishtar, the great mother of the Ancient Orient, the one that ruled over love, fertility, female sexuality and wars. From the pagan temples to the monotheistic ones, the harp Is the first musical Instrument referenced In the bible and Its cultural Influence made persians, assyrians, turks, phoenicians, greeks and romans begin to play harp.
"PANTHONE"
In our days would It still be a stereotype to say that the harp remains a feminine musical Instrument? Through Its delicate and sensitive nature, the instrument with its simples structure Is build upon an array of stretched chords, that are In a crescendo formation and that vibrate when plucked. To play the Instrument It Is necessary to involve the body as well. Its structure is divided into the resonance box, column, neck, chords and sometimes pedals or levers. Because of Its unique quality and the enchantment It produces when played, the harp Is an Instrument that captivates.
Angélica Salvi, an harpist that lives In Oporto, In a rainy wednesday, presented her debut album, Phantone, released this year by Lovers & Lollypops and recorded at the Mosteiro de Rendufe In Encontrarte Festival In Amares. If Panthone had been presented in a random venue, maybe the effect would not have such a strong Impact. Just as the name of the album implies, the notes In reverb showed the free spirit that Inhabits each theme, In which the experimentation with the pedals shaped the sound produced by the chords she plucked and Its effects adjusted themselves to the flexibility of the cords to produce additional notes, In a performance that didn't stray from the sheet music.
HARP DISPERSION, curiosities
The harp, like many other musical Instruments, travelled from the north of Africa and the Middle East until It reached Spain and then all of Europe, assuming different sizes and number of chords. The harp with pedals was Invented in mid 1720 in Germany by Celestin Hochbrücke, and was perfected by the frenchman Sébastien Érard In the beginning of the 19th Century. Seldom used In classical music, It was a recurring Instrument In the compositions of several romantic composers In the 19th century. In the earlier century In Paris, the harp assumed other uses, becoming a décor object, sculpted and painted In gold. In the religious context, It was a symbol In many religions, for the Instrument that speaks the language of angels and that was a direct connection to the transcendental realm.
CONCERTS - ECE CANLI & ANGÉLICA SALVI
The St. James Anglican Church In Oporto (gathers a variety of denominations and cult traditions), It was, without a shadow of a doubt, the most appropriate place to receive Ece Canli and Angélica Salvi. Concerts that don't need props, and whose dim lights are only focused on the instruments and the musicians, overshining the beauty of the surroundings that were decorated with fabulous stained-glass and pipe organs.
The event could not be separated from the venue Itself, be It because of the aesthetics or the acoustics, that allied to the music, made the whole way bigger than the sum of Its parts. The heterogenous audience gathered atheists and believers, agnostics, esoterics and superstitious, of all creeds and convictions (or lack of them) In an ecumenical concert, where music was the major and common element.
The warm reception from the Anglican community left the audience happy by the offering of entrées and wine, an example, that In Portugal, It Is becoming predominant the Interaction between audiences. Be it a believer or unbeliever the anglican community received each and every one, despite their differences In Its temple- the Christian denomination that willing to separate Itself from Rome to become Independent, Identified In a way with the Luther's protestant reform. It Is not uncommon for more reformed churched to open their doors for cultural activities. When a lack of curiosity attempts to dominate, music and be a gateway In the search for patrimony, that In Its peculiarity, creates the perfect refuge for the soul's reverb.
The title of the album creates a link between phantom (ghost) and tone, fusing Angelica's Ideas In a work that Is as conventional or formal as Is experimental, shaped by delays, echoes and reverb, making the Instrument more exploratory and open to other practices and techniques. We travelled with Panthone, an harp that sounded almost like a guitar being plucked by Gustavo Santaolalla and that wandered through fantasy and magical worlds.
The low notes mixed with sharp arpeggios, created a thick texture with depth of focus. There is enchantment, celestial bliss, sweet solitude, an unknown destination and the necessary release to shy away any worry. In certain moments, the concert by the Spanish musician managed to save the body from its carnal cage and elevate it to otherworldly realms. Pedals and delays joined the magic of the composition, and created in due time, a debate between the low and sharp tones in which the crystalline autumnal air was deeply felt. The ethereal concert ended with the most impressive piece of her solo album, Indigo, capable of leading each and everyone of us to a state of oneiric reveries and to the will that extricates only the good moments of our on thoughts, certainly a music theme that touches – without reserves – in the darker side that wants to reach redemption, just like in life when we are bothered with pain and suffering, but in the end, those emotions are part of what defines us as human beings. That release from the shackles of the past is crucial when we face Thanatos in order to conquer fear.
The event united two women that presented their solo works In a very Intimate way. In the first Half, Ece Canli of turkish origin, living In Portugal since 2013, experimented on her loop station several organic and plastic textures that could reach to the unique sounds of Meredith Monk but stayed a little below. The Instrumental and minimalist textures were painted by woodwind Instruments, and the vocals being the center column that supported other sounds. Canli explored her compositions using vocal techniques, bringing back the mysticism she Intends to recover from her homeland.
The intimacy created by these two women from other countries that now live in Portugal, turned a night that could be like any other, in a night that was memorable. To be lead and wanting to be lead by the imaginary present in each and everyone of us was part of the travelled path.
Fotos e Vídeo / Photos and Video: Priscilla Fontoura e SP
Tradução / Translation: Cláudia Zafre
Concertos / Concerts: Ece Canli, Angélica Salvi
Data / Date: 30 de Outubro, 2019
Local / Venue: Igreja Anglicana de St. James, Porto
Promotora / Promoter: Lovers & Lollypops
https://ececanli.com
https://store.loversandlollypops.net/album/phantone-2
http://www.loversandlollypops.net