quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

Le Grand Sbam: Vaisseau Monde

Género: electrónico, experimental, progressivo, rock, aleatório, musica clássica, contemporânea
Álbum: Vaisseau Monde
Data de lançamento: 6 de Dezembro, 2019
Editora: Dur et Doux


  Art by Chloé Bonnard      

Foram muitos os músicos e bandas ao longo da história da música que quebraram barreiras de género e intentaram mostrar a música desprovida de artifícios inorgânicos para se firmarem, sobretudo, na música tocada ao vivo, ou muitas vezes improvisada. Indo de Frank Zappa até a bandas mais recentes de progressivo japonês como Koenji Hyakkei, notamos um aflorar da experiência auditiva pura, sem esquemas de produção rebuscados que retiram, por vezes, a essência cristalina da música que é tocada. 

Le Grand Sbam é um colectivo de músicos sediados em França que lançam o seu disco de estreia Vaisseau Monde, através da editora Dur et Doux. Uma editora que aposta em sonoridades desafiantes e sempre surpreendentes na sua criatividade e eclectismo. 

Vaisseau Monde é um desfile exuberante e, por vezes, recheado de excentricidade genuína que entrega 5 temas que se movem agilmente por entre momentos de calmaria irrompidos por assomos de liberdade frenética. 

O duo de vozes femininas pode fazer lembrar subtilmente nalguns momentos, a energia catártica e rebelde de The Slits, ao mesmo tempo que recai numa fantasmagoria quase operática que embala, ocasionalmente, a multiplicidade de instrumentos, como o vibrafone, as teclas, o baixo, a bateria e outros instrumentos de percussão. As vozes com as suas diferentes modulações e “brincadeiras” quase onomatopaicas são também um instrumento de contornos imprevisíveis. 

Todas as características do som, e mesmo a sua aparente ausência, são utilizadas de forma cerebral, mas com uma dinâmica que insiste em particularizar e individualizar as melodias. Existem várias camadas e o silêncio aparente age como um elemento apaziguador ou de interlúdio breve para vários arremessos dos andamentos dos temas, como se se tratasse de peças clássicas, mas com a robustez e engenho de destruição fugaz que tem como único intuito uma nova criação. 

Um pouco como no dadaísmo, em que se desconstrói para criar uma peça diferente e audaz, também os andamentos dos 5 temas do disco se auto-destroem num círculo de eterna criação e provocação. 

Já antes no final do século XXI, na Europa, começava a aparecer, entre os compositores de música clássica, a vontade em experimentar novas abordagens de criação musical. Já na segunda metade do século XX dá-se o surgimento do atonalismo que depois de várias experimentações dá lugar ao surgimento da música concreta. Na viragem do século XX para o XXI, Stockhausen contribuiu, sobremodo, não só para a construção de outras formas de criar, mas também de pensar música. A evolução da história da música conflui na tomada de posse do colectivo, cujo trabalho Vaisseau Monde procura e encontra resposta na exploração de diferentes cores dos sons, desenvolvimento de texturas, evolução temporal das componentes estruturais internas dos sons, irregularidades, contratempos e vibratos. O que aqui conta não é a exploração de modelos padronizados para fazer canções de um imediatismo pop, mas uma estrutura quase performática e teatral. A música e os "trocadilhos" vocais são o actor principal que toma o palco como se se tratasse de uma ópera contemporânea. 


Vaisseau Monde não é uma audição fácil, mas um conjunto de temas maciços e ao mesmo tempo nómadas, em perpétuo movimento, que nos impelem a uma escuta activa e reflexiva. É acima de tudo, o trabalho destemido de um colectivo de várias mentes e influências que se juntam para criar música capaz de sugerir ambientes e paisagens ao ouvinte preparado para embarcar numa odisseia de sons orgânicos, inorgânicos, melódicos ou destoantes que fervilham entre si e contagiam imediatamente.

                                                         - TRANSLATION - 

Genre: electronic, progressive, experimental, rock, classical, contemporary 
Record: Vaisseau Monde
Release: 6th December, 2019
Label: Dur et Doux


Many musicians and bands all along the history of music have broken genre barriers and showed music without inorganic artifices and instead based a lot of their music on live performances or improvs. From Frank Zappa to more recent bands of Japanese progressive music like Koenji Hyakkei, we notice a blossoming of a pure aural experience, without heavy production techniques that sometimes, take away the crystalline essence of the music which is played. 

Le Grand Sbam is a music collective based in France that release their debut album, Vaisseau Monde through the record label, Dur et Doux. A label that invests in projects that are challenging and surprising with their eclectic nature. 

Vaisseau Monde is an exuberant parade, and sometimes filled with genuine extravagancy that delivers 5 themes that move easily between calm moments that are ruptured into streams of frenetic freedom. 

The duo of feminine vocals may recall in certain moments, the cathartic and rebellious energy of The Slits, while at the same time relapses into a semi-operatic phantasmagoria that is swayed and sways the multiplicity of instruments like the vibraphone, keyboards, bass, drums and other percussion. The vocals with their different modulations and play with phonetic become themselves musical instruments with an unpredictable nature. 


Every characteristic of sound and even its apparent absence are used in a cerebral way that holds a dynamic which insists to particularize and individualize each melody. There are several layers present and the apparent silence acts as a calming element or a brief interlude for several thrusts of the theme’s movements, like in classical pieces but with the boldness and inventiveness of fleeting destruction whose sole intent is to create again. 

A little bit like in Dadaism, in which deconstruction gives way to the creation of a different and irreverent piece, the 5 musical themes of the album also self-destruct in a circle of eternal creation and provocation. 

Even before the end of the 21th Century in Europe it began to appear, among classic composers, the need to experiment new approaches in composition. In the second half of the 20th Century, atonalism takes its place and its experimentations gives rise to musique concrète. In the turning of the 20th century to the 21th century, Stockhausen contributes greatly to the construction of new forms of creation but also changes the way of thinking in music. The evolution on the history of music is channeled through this musical collective whose work, Vaisseau Monde, seeks and finds an answer in the internal structural components of the different colors of sound, development of textures, development of textures, temporal evolution of the internal sctructure of sounds, irregularities, off-beats and vibratos. What matters is not the exploration of formulaic models to make songs of immediate pop but a structure that relies on performance and that is almost theatrical. The music and the vocal "quibbles" are the main actors that take the stage of a contemporary opera. 

Vaisseau Monde is not easy listening, but a collection of massive themes that are nomadic at the same time, existing in perpetual movement and making us entranced in an active and reflexive listening experience. It is, above all, the fearless work by a collective of minds that together create music that is capable of offering landscapes and scenarios to the listener who is prepared to embark on an odyssey of organic, inorganic sounds, melodic or discordant that simmer between themselves and are bond to captivate.

Texto: Cláudia Zafre