sábado, 8 de fevereiro de 2020

Chico Bernardes: o astronauta que pisa pela primeira vez o palco do Maus Hábitos para tocar as suas canções e também para homenagear Daniel Johnston



Vultos da música deixam saudades a quem lhes continua a prestar atenção e a contribuir para que a sua memória perdure. Chico Bernardes pisa os palcos de Portugal, numa altura em que a lusofonia faz mais sentido do que nunca. Outrora o que ligava (culturalmente), grosso modo, os dois países - Portugal e Brasil - eram as telenovelas e as canções emitidas pelas emissoras portuguesas, na actualidade, os sotaques que ecoam na urbe não são somente os das regiões portuguesas, mas os dos diferentes estados brasileiros, dos irmãos transatlânticos que olham para Portugal como oportunidade de trabalho e progressão académica.

Na noite de 6 de Fevereiro, a plateia, que se encontra na sala de concertos do Maus Hábitos no Porto, espera o astronauta pronto a pisar o palco para cantar e tocar o primeiro e homónimo disco. Sozinho no palco, acompanhado pelas suas duas guitarras, uma acústica e outra electro-acústica, suportado por alguns pedais, canta, após alguns temas:

Um astronauta de bom coração
Demorou muito pra reconhecer 
Que as estrelas que tanto estudou 
Brilham bem menos do que as que deixou 
Em seu planeta 
Sua família 
É especial 
Pensando nisso, decidiu voltar 
Pra sua casa, que é o seu lar 
Deitar na rede, e tocar violão 
É como um cometa na escuridão 
Em viagens extensas 
Além do que se vê 
Adentrando um infinito dentro de você



O músico, que procurou ingressar na faculdade para progredir a sua técnica do violão, consegue propiciar - com a calma que lhe assiste - o ambiente perfeito para uma troca intimista e nostálgica. Entre temas tenta interagir com o público que parece tímido e um pouco constrangido quando o músico tenta tornar a performance mais próxima, colocando-lhes algumas questões nos intervalos entre os temas. Apesar de algumas tentativas, o público pouco interage com um músico que tanto tem de reservado quanto de solitário, mas, que ainda assim, tenta quebrar a barreira, esperando reacções directas sem redes sociais ou plataformas digitais como intermediário. É irmão de Tim Bernardes (O Terno) e filho do músico Maurício Pereira Bernardes, nasceu no seio de uma família envolvida por música, essencialmente pelo MPB, jazz e folk norte-americano. Terão sido as tardes e as noites à volta de instrumentos e de muito improviso o despertar para a composição.



Chico, sem saber, leva-nos aos primeiros discos de B Fachada, principalmente nos refrães reforçados pelo pedal que converte a harmonia da sua voz numa oitava acima. A cadência e o ritmo aplicados às palavras navegam no mesmo mar. O último e novo tema - que constará no novo álbum - remete para os dedilhados delicados de Nick Drake; há semelhanças entre os músicos franzinos, de estrutura alta e mãos elegantes. O cantautor trabalha as líricas com tempo e preocupação, no entanto, é surpreendente a maturidade do conteúdo das mesmas, os temas indiciam muito tempo passado à volta de acordes e harmonias que não existem sem propósito, escreveu-os com alma e dedicação.



Perto do desfecho, Daniel Johnston, o artista que faleceu ano passado e cuja carreira mereceu o apreço e admiração de muitos fãs à volta do mundo, foi homenageado com True Love will find you in the EndChico termina o concerto dizendo que não gosta de encores e do jogo do levanta, sai do palco, volta e senta novamente, por isso, apresenta o novo tema do trabalho que tem vindo a preparar, liricamente uma analogia entre a formação da pérola com alguém que não se auto-valoriza. A formação da pérola pela ostra é um mecanismo de defesa do animal que ocorre quando corpos estranhos penetram o interior da ostra e o manto do animal envolve essa partícula numa camada de células epidérmicas, dando origem ao seu estado mais belo. Um processo que demora em média três anos. Essa transformação ocorre qual pessoa que mesmo na escuridão da profundidade do oceano transforma o inesperado no surpreendente. 



O músico garantiu regressar a Portugal, país que o acolheu tão bem. Agora é tempo de se recolher e preparar o porvir. 



A primeira parte esteve entregue à brasileira Carol, cantautora a residir em Portugal há 5 anos. 



Texto: Priscilla Fontoura
Imagens, Polaroids & Vídeo: Emanuel R. Marques
Promotora: ya ya yeah