terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

Misfit Trauma Queen: A dark electrónica como libertação

Género: alternativo, experimental, dark electro
Álbum: Violent Blue
Data de lançamento: 7 de Fevereiro, 2020
Editora: Regulator Records 


Estava com uma semi-ressaca já de há uns anos, desde que ouvi os temas de Julian Winding para o filme do seu irmão Nicholas Winding-Refn, The Neon Demon, um filme que incomoda porque fala dos nossos “pequenos” problemas, entre eles, o narcisismo patológico e o culto da imagem, seja de que forma for. 

Os beats do filme e da banda-sonora deixaram-me num estado de ansiedade constante. Quando e como é que pode surgir um som assim tão envolvente? 

Felizmente, surgiu um projecto português que segue numa linha de beats arrojados, destemidos e que entram automaticamente na cabeça. Acabou-se a ressaca. Existe novamente revolta e o cyberpunk em Portugal. 

Misfit Trauma Queen, projecto de David Taylor que no seu último disco, Violent Blue, reúne um conjunto de temas que nos fazem mexer, não tanto em euforia inconsciente, mas com um senso de melancolia que traz reminiscências de filmes série-B. 

Existe uma narrativa presente ao longo dos 10 temas de Violent Blue, uma poética que tanto se conforma com o final do mundo como o pretende reconstruir com uma paleta de cores, ora violenta, ora pastoral, como nos subtis apontamentos de piano dilacerados pela dinâmica electrónica que permanece visceral e necessária. 

Violent Blue faz-nos viajar em diversos ambientes, um possível apocalipse em Hyperaware, um romance em road-movie com o andróide A.I pelo qual nos apaixonámos em Leathermask, ou a melancolia de um dia perdido a comer noodles numa banca em modo Blade Runner. São todas essas paisagens, imensamente subjectivas que nos fazem procurar um novo disco, aquele set de temas que nos transportam da realidade para um outro local mais interessante, e é exactamente o que Violent Blue faz. Tira-nos do quotidiano certeiro e seguro para um local onde tudo é possível e imaginado.

"Projectos experimentais que permitiam desafiar todas as regras e fórmulas despoletaram em mim um grande interesse por composição musical. Essas experiências fazem ainda hoje parte da minha identidade e penso que se reflecte em Misfit."


-    Quando é que começaste a compor temas para Misfit Trauma Queen?
- Outubro 2017. Assim que comprei o meu desktop de sonho. Trabalhei em dois empregos durante um ano para comprá-lo. Coincide também com altura que comecei a dar os primeiros passos em produção.

- Como foi a tua experiência a tocar em bandas com outras influências sonoras? 
- Foi completamente natural, mas muito importante para desenvolver um sentido de orientação musical que não tende apenas para um x ou y. As primeiras experiências baseavam-se no metal, um estilo que consegue ser bastante exigente em termos de coordenação, velocidade e complexidade. Interessante pela diversidade de técnicas que pode requerer de um baterista. Passei pelo stoner rock que é uma boa zona para expandir a noção de groove e para jogar com simplicidade eficiente. Fiz parte também de alguns side projects que envolviam esquemáticas pouco ortodoxas, ritmos super complicados e fusão de géneros do jazz ao mathrock. Projectos experimentais que permitiam desafiar todas as regras e fórmulas despoletaram em mim um grande interesse por composição musical. Essas experiências fazem ainda hoje parte da minha identidade e penso que se reflecte em Misfit. 

  
- Misfit Trauma Queen é um nome intrigante e adapta-se perfeitamente ao som, podes dizer-nos a origem do nome ou a sua inspiração? 
- Começou como um mero malabarismo fonético. Tenho o hábito de apontar ideias random que tenham potencial para serem utilizadas mais tarde em qualquer tipo de expressão artística. À procura de inspiração encontrei no telemóvel uma nota com dois anos que citava a expressão “drama queen” - Trauma Queen. Acrescentei Misfit pois queria que o nome fosse longo para evitar possível confusão com outro artista ou marca, como já me aconteceu. No fim acabei até por interpretar como uma sátira a mim mesmo, e foi isso que me fez ter a certeza de ser o nome certo. 

- Que conceito/s mais te interessaram explorar e expressar através do teledisco para o tema GlassJaw? 
- Desde miúdo que adoro videoclips. A combinação da componente visual com o audio pode elevar a música a outro patamar, e foi essa a minha intenção com este video. O conceito simbólico perde piada se for demasiado evidente, por isso prefiro não aprofundar muito. Queria que o ritmo visual acompanhasse a dinâmica da faixa e cinematicamente queria usar uma linguagem obscura e surreal tal como um sonho abstracto - uma extensão para o mood do álbum. Sabia que queria explorar a temática da cor azul através da luz negra então o ambiente de dança nocturno pareceu-me mandatório. O resto da magia veio dos meus amigos que aceitaram participar nisto comigo e do grande mestre por trás da câmara Carlos Calika, com quem felizmente mantenho contacto para colaborações que surgirão muito em breve. Um grande abraço à DRAC e a todos os envolvidos.

- Violent Blue, para nós, foi uma experiência imersiva e bastante cinemática. Que género de filmes mais te inspiram ou inspiraram? 
- Filmes cerebrais são o meu tendão de Aquiles. Sou um grande fã de David Lynch, do seu à vontade com o desconfortável e experimental, e da sensibilidade com que explora as ideias mais fora da caixa. Para mim faz parte de um tipo de artista que consegue desbravar caminho para o próximo. É um dos artistas que me dá confiança para experimentar ideias novas que talvez por insegurança nunca veriam a luz do dia. Outra influência relevante é a do Christopher Nolan. Tenho uma homenagem a um dos seus filmes neste álbum, mas não vou dizer em que faixa. 

- Com que idade é que começaste a tocar bateria? 
- Assiduamente comecei aos 15 anos num kit que nem era meu, mas que estava disponível na garagem de um amigo. 

- Que conceitos pretendeste transmitir através da artwork para Violent Blue? 
- O artwork foi feito pelo Fiumani, um artista que tenho vindo a acompanhar desde que o conheci no Gliding Barnacles aqui na Figueira da Foz. Idolatro o aspecto de intervenção anarquista que utiliza nos seus trabalhos. Dude´s a genius. Perguntei se ele queria colaborar comigo na capa e ele aceitou. Só lhe pedir para ouvir o álbum e construir uma imagem icónica, portanto todo o conceito foi concebido por ele. Adoro a capa de morte e acho que não podia pedir melhor. 

- Quais as narrativas que mais te interessaram explorar nos temas de Violent Blue? 
- Queria principalmente que fosse bastante versátil e que não se conseguisse sumarizar facilmente num só parágrafo. Quase como um “audio filme” procurei torná-lo dinâmico, com bastantes altos e baixos, intensos, feios e bonitos. Uma banda sonora para um “bank heist”. A música electrónica trouxe-me liberdade total para experimentar vibes que nunca consegui explorar nos projectos anteriores e penso que este álbum transmite muito isso. Resumindo as narrativas que explorei são verdadeiras novidades para mim também.

Texto & Entrevista: Cláudia Zafre
Entrevistado: David Taylor (Misfit Trauma Queen)
https://regulatorrec.bandcamp.com/album/violent-blue