Não é essencial provar se Platão existiu para acreditar que o pensamento construído à volta desse nome é fulcral para o desenvolvimento das concepções do mundo ocidental. Do caos brota uma ideia e dessa ideia o caos se ordena. Dessa criação surgem outras que planeiam divulgar o imaginário de músicos através dos seus discos. Eis que surge então a Discos de Platão, com raízes em Guimarães, cuja intenção leva-nos por caminhos alternativos onde se encontram Dada Garbeck com This is not Misanthropy Part II e Unsafe Space Garden com The Nonsensical Tsunami + Trip to the Nonsensical Tsunami. Decidimos juntar três em um e conversar com a Discos de Platão e as bandas que nos convida a ouvir.
(...) "conseguimos encontrar ideais comuns que no fundo nos ultrapassam como indivíduos e que tornam as nossas jornadas pessoais únicas em algo que pode ser equiparado em essência."
Como surge a Discos de Platão e qual a intenção?
Discos de Platão: Discos de Platão é um projeto que surge da vontade de restaurar a posição e possibilidades de uma editora, pensada não para si mesma, mas como plataforma de suporte dos músicos que são e devem ser, logicamente, sempre ser o seu foco. Tendo sido criada por três músicos, é também uma tentativa de cada um desses projetos se tornar mais independente e, ao mesmo tempo, de potenciar uma certa liberdade de criação e de apoio por outros projetos que admiramos.
Discos de Platão: Discos de Platão é um projeto que surge da vontade de restaurar a posição e possibilidades de uma editora, pensada não para si mesma, mas como plataforma de suporte dos músicos que são e devem ser, logicamente, sempre ser o seu foco. Tendo sido criada por três músicos, é também uma tentativa de cada um desses projetos se tornar mais independente e, ao mesmo tempo, de potenciar uma certa liberdade de criação e de apoio por outros projetos que admiramos.
O motivo em acolher bandas que não se enquadram num género mais vulgar é por si só uma decisão clara. Qual a identidade que pensaram para a Discos de Platão e quais as bandas que têm interesse em editar e promover?
DP: Acima de tudo procuramos que Discos de Platão seja o mais fluido possível, na medida em que, ao invés de nos focarmos na aplicabilidade ao mercado de um dado projeto, viremos as nossas atenções para aquilo que possui em si uma qualquer honestidade. Daí que se note uma natural diversidade entre projetos. Esta tendência presente em nós foi se revelando, pois embora os nossos projetos pessoais possuam sonoridades e linguagens diferentes, conseguimos encontrar ideais comuns que no fundo nos ultrapassam como indivíduos e que tornam as nossas jornadas pessoais únicas em algo que pode ser equiparado em essência.
DP: Acima de tudo procuramos que Discos de Platão seja o mais fluido possível, na medida em que, ao invés de nos focarmos na aplicabilidade ao mercado de um dado projeto, viremos as nossas atenções para aquilo que possui em si uma qualquer honestidade. Daí que se note uma natural diversidade entre projetos. Esta tendência presente em nós foi se revelando, pois embora os nossos projetos pessoais possuam sonoridades e linguagens diferentes, conseguimos encontrar ideais comuns que no fundo nos ultrapassam como indivíduos e que tornam as nossas jornadas pessoais únicas em algo que pode ser equiparado em essência.
Já têm uma sede ou escritório ou trabalham ainda de forma mais “informal”?
DP: Para já, apenas de modo (in)formal, reunimos no tasco ou em casa regularmente, claro que um dia haverá uma sede própria, mas o tasco nunca deixará de existir!!!
Por que escolhem as bandas como Dada Garbeck e Unsafe Space Garden para arrancar com a Discos de Platão? São vocês que escolhem as bandas ou o oposto? São duas bandas que foram editadas pela Revolve. Por que se dá esta mudança?
DP: Sendo nós os membros fundadores dessas bandas, queríamos tornarmo-nos independentes, criar algo nosso de raiz. E claro que as primeiras bandas que escolhemos foram as nossas. No entanto não somos as únicas, mas isso anunciaremos em breve.
Como a Discos de Platão olha para o seu futuro?
DP: Com um sorriso na cara e de olhos bem abertos. Temos muito para aprender mas também temos muitas ideias e planos que pretendemos concretizar, portanto, há que andar.
(...) "na verdade todos eles são trabalhos feito sobre a ideia do eterno retorno. É como se fosse um só disco."
Rui Souza, ou melhor, Dada Garbeck avança com o próximo disco, o segundo de uma tetralogia The Ever Coming. Como se separam essas partes e como se complementam, e por quê a ideia de divisão?
Rui Souza: Elas separam-se porque são quatro fases diferentes na forma como eu neste momento sinto a minha música. Ou na forma como eu vejo a mistura entre sintetizadores e alguma coisa. A primeira parte, totalmente dedicada aos sintetizadores, com a aproximação da voz. Na segunda parte, conseguimos perceber que a voz tem um papel preponderante e ela é sintetizador também. Na terceira parte teremos outro instrumento diferente a unir-se aos meus sintetizadores e por fim, para fechar a tetralogia, terei como que uma volta ao princípio de tudo, à crueza da composição. E completam-se porque na verdade todos eles são trabalhos feito sobre a ideia do eterno retorno. É como se fosse um só disco.
"Eu gosto de trabalhar, sobretudo, caso a caso. Som a som, harmonia em harmonia, nota a nota. Depois fico sempre com um grande rasgão geral. E esse rasgão interessa-me muito porque posso decidir polir ou posso decidir deixar mais tosco. Interessa-me aprender a fundo tradições dos mais variados países e acredito que isso se reflita no que faço. Sobre cinema, obviamente que é de meu interesse poder vir a entrar nesse mundo. Mas agrada-me a naturalidade dos acontecimentos."
O conceito parece-nos muito voltado para o homem que tenta encontrar-se a si próprio, envolto numa existência curiosa e silenciosa ao mesmo tempo, uma que encontra na profundidade das ideias a solução para uma calma aparente. Como surge e como se constrói e reparte esse conceito?
RS: Essa ideia está certa, de alguma forma. Dada Garbeck nasce dessa calma, dessa necessidade de parar e de contemplar. Da ideia de criar um transe em quem toca e em quem ouve. Da mesma forma, que toda a gente possa sentir esse silêncio dentro de si, ao mesmo tempo, que o saiba usar para ir aprendendo a contemplar aquilo de que tantas vezes fugimos.
Dada Garbeck constrói muito as suas ideias com base em harmonias. É um quanto abstracto e emocional ao mesmo tempo, como se o ocidente se cruzasse com o oriente, a razão e o esoterismo. A ideia é alargar a composição para outros meios, como por exemplo, o cinema?
RS: Eu gosto de trabalhar, sobretudo, caso a caso. Som a som, harmonia em harmonia, nota a nota. Depois fico sempre com um grande rasgão geral. E esse rasgão interessa-me muito porque posso decidir polir ou posso decidir deixar mais tosco. Interessa-me aprender a fundo tradições dos mais variados países e acredito que isso se reflita no que faço. Sobre cinema, obviamente que é de meu interesse poder vir a entrar nesse mundo. Mas agrada-me a naturalidade dos acontecimentos.
RS: Eu gosto de trabalhar, sobretudo, caso a caso. Som a som, harmonia em harmonia, nota a nota. Depois fico sempre com um grande rasgão geral. E esse rasgão interessa-me muito porque posso decidir polir ou posso decidir deixar mais tosco. Interessa-me aprender a fundo tradições dos mais variados países e acredito que isso se reflita no que faço. Sobre cinema, obviamente que é de meu interesse poder vir a entrar nesse mundo. Mas agrada-me a naturalidade dos acontecimentos.
Imagem: Rafael Farias |
Trabalhas muito com teclas, o que acaba inevitavelmente por transmitir uma aura cinematográfica e simultaneamente transcendental porque a repetição faz parte da tua construção musical. Estudaste órgão de tubos e começaste também a explorar outros instrumentos clássicos e outros electrónicos para chegar a este ponto, ao teu projecto Dada Garbeck. Hoje, que olhas para ele, parece-te que foi uma chegada propositada ou predestinada?
RS: Parece-me que pode ser um bocado de cada uma. Por um lado, foi tudo acontecendo naturalmente e isso pode-me fazer pensar que existe aqui algum tipo de pré-destino. Por outro lado, cheguei a uma certa idade e apercebi-me dos caminhos por onde queria andar. A mistura dos órgãos e dos pianos na minha vida entraram em choque com o meu universo cerebral e até emocional. Precisava de novos sons e novas texturas. Entrei no mundo dos sintetizadores de onde, sem retorno, me sinto preso até aos confins da vida.
Portanto nestes últimos anos antes de Dada Garbeck existir, eu diria que já existia este propósito mesmo sem ter consciência dele.
Dada Garbeck: O que podemos esperar desta segunda parte de quatro, e as outras duas seguidas a esta já estão estruturadas?
RS: Parece-me que pode ser um bocado de cada uma. Por um lado, foi tudo acontecendo naturalmente e isso pode-me fazer pensar que existe aqui algum tipo de pré-destino. Por outro lado, cheguei a uma certa idade e apercebi-me dos caminhos por onde queria andar. A mistura dos órgãos e dos pianos na minha vida entraram em choque com o meu universo cerebral e até emocional. Precisava de novos sons e novas texturas. Entrei no mundo dos sintetizadores de onde, sem retorno, me sinto preso até aos confins da vida.
Portanto nestes últimos anos antes de Dada Garbeck existir, eu diria que já existia este propósito mesmo sem ter consciência dele.
Dada Garbeck: O que podemos esperar desta segunda parte de quatro, e as outras duas seguidas a esta já estão estruturadas?
RS: Sobre esta segunda parte podemos esperar um álbum dedicado à voz humana, sobre como a voz influenciou a invenção dos sintetizadores e como ela pode ser também um sintetizador na sua essência primeira. É um disco relativamente pesado e ligado às pessoas e às tradições. Ou outros dois já estão mais do que estruturados. Aguardam apenas o seu espaço e o momento certo para que possam ajudar a fechar este puzzle.
Imagem: Bruno Carreira |
Unsafe Space Garden apresentam o primeiro single do sucessor de Bubble Burst, lançado no ano passado, também editado pela Revolve. Por que se dá esta mudança de editora?
R: Como foi dito antes, a Discos de Platão foi criada pelo Rui e por nós para albergar exatamente aquilo que achamos ser possível alcançar com um projeto musical, não nos limitando assim apenas a banda, mas permitindo ir um pouco mais longe.
"O Homem é assim, complica tudo. E como não rir? Parecemos incapazes de reconhecer que tudo aquilo que nos parece ser real se revela ilusório a dado momento das nossas vidas. Ao refletirmos sobre nós mesmos de forma honesta, acabamos por ter de nos rir."
Há muita experimentação e liberdade na criação. O medo não existe e acho que com este novo single menos limites foram impostos. Como tem sido esse processo?
R: Tanto o EP como o single foram compostos pelo Nuno Duarte (guitarra e voz) com incentivos filosóficos e musicais por parte dos dois outros membros, Diogo e Alexandra. É muito divertido e também devastador criar um projeto que anda sempre dez passos à nossa frente, estamos sempre a aprender com as máximas que Unsafe Space Garden vai impondo, o que torna isto mais enriquecedor para os três.
R: Tanto o EP como o single foram compostos pelo Nuno Duarte (guitarra e voz) com incentivos filosóficos e musicais por parte dos dois outros membros, Diogo e Alexandra. É muito divertido e também devastador criar um projeto que anda sempre dez passos à nossa frente, estamos sempre a aprender com as máximas que Unsafe Space Garden vai impondo, o que torna isto mais enriquecedor para os três.
Notam-se referências de bandas pop e outras mais experimentais e mais “travessas” e complexas como Frank Zappa e Ulver. Intentam dar voz a várias personagens criadas no vosso imaginário, continuam a querer dar forma a esse cenário neste novo disco?
R: Ulver é novo para nós, mas vamos ouvir! Este novo disco, Guilty Measures, é semelhante a uma lobotomia em 2065 quando os neurocirurgiões puderem conetar o nosso cérebro por USB a um ecrã e for possível ver os bichinhos nas nossas cabeças. Todos eles a cantar e a dançar, descalços provavelmente.
O humor está muito presente em Bubble Burst e também neste novo single The Nonsensical Tsunami + Trip To The Nonsensical Tsunami. Nós também acreditamos na máxima de que o humor é inigualável para que a vida das pessoas se torne mais leve e relaxada. Têm também como intenção, além de despertar emoções com a música que fazem, agitar os músculos dos maxilares das pessoas que vos ouvem?
R: Parece ser impossível para nós fazer um disco sem um quê de cómico. Para nós é a única forma de contemplar a existência humana: tolos que choram, riem, sofrem, trabalham, trabalham demais, e se focam em idiotices por razão nenhuma, quando podíamos tentar criar o paraíso na terra. O Homem é assim, complica tudo. E como não rir? Parecemos incapazes de reconhecer que tudo aquilo que nos parece ser real se revela ilusório a dado momento das nossas vidas. Ao refletirmos sobre nós mesmos de forma honesta, acabamos por ter de nos rir.
O que podemos esperar do vosso próximo disco?
R: Mais comédia, e mais uma tentativa da nossa parte de perceber alguma coisa. E alguma música para abanar o capacete!
Texto & Entrevista: Priscilla Fontoura
Entrevistados: Rui Souza (Discos de Platão, Dada Garbeck) e Unsafe Space Garden
Imagens: Bruno Carreira e Rafael Farias