sábado, 11 de abril de 2020

Rod Krieger: Indie rock e tropicália

Imagem por Daryan Dornelles

Rod Krieger apresenta-se a solo com o seu disco de estreia intitulado A Elasticidade do Tempo, um trabalho que reflecte as influências rock dos anos 60 combinando-as com uma abordagem moderna. O músico explora a electrónica e conjuga influências do passado com o presente.

Baixista durante vários anos da banda Cachorro Grande, Rod Krieger está agora radicado em Lisboa e encontra-se a preparar um estúdio chamado Magic Beans Studios que também terá aulas de música entre outras actividades.

O disco abre com a cativante canção, Louvado seja Deus com a participação de Arnaldo Baptista. A toada lança-se com ritmos de cítaras e tablas, providenciando exotismo para os ritmos rock contagiantes dos oito temas do disco.

- Foste baixista durante 15 anos na banda Cachorro Grande. Como foi a tua transição para músico a solo? E de onde surgiu essa necessidade? 
Antes de ser baixista da Cachorro Grande, eu liderava um power trio chamado Os Efervescentes, no qual, além de tocar guitarra e cantar, compunha todas as canções.
No momento em que resolvi tornar-me artista a solo, não tive muitas dúvidas de que voltaria às minhas origens. Decidi não montar uma banda novamente, pois queria cuidar de todas as frentes do projecto e, também, para poder formatar as apresentações de diferentes maneiras; hoje posso apresentar-me tanto sozinho com o meu violão ou com a The Telepathic Owls, banda que me acompanha, além de também ficar aberto para novas experimentações. 


- Sabemos que estás a preparar um estúdio, Magic Beans Studios, que será também um espaço para aulas de música. Como tem sido esse processo? E o que idealizas mais para esse projecto? 
Já fui proprietário de um estúdio de ensaios em Porto Alegre, minha cidade natal, no final dos anos 90, começo dos anos 2000. Sempre achei incrível essa atmosfera e o convívio com outros músicos. Na época de Cachorro Grande, devido à agenda de compromissos, não pude dedicar o quanto gostaria a isso, afinal, eu praticamente vivia na estrada. 

Daí, um belo dia, depois de chegar a Portugal, estava falando com o baixista do Telepathic Owls, Halison, que hoje também é um dos meus sócios no Magic Beans, que precisávamos de um lugar para ensaiar. Aconteceu que o Arroz Estúdios, Associação Cultural que era em Cacilhas, e hoje está localizada no Beato, disponibilizou algumas salas para arrendar. Como já possuo alguns alunos de música aqui em Lisboa, e também estou trabalhando em algumas produções, vi a necessidade de ter um espaço para realizar os meus projectos. O mais interessante é que no local existem outras salas voltadas para a arte, como vídeo, fotografia e acaba rolando uma interacção entre todos. Inclusive, às quintas feiras temos uma jam session aberta ao público. Infelizmente, devido ao Covid-19, estamos de stand-by, mas rezando para isso passar rápido. 


- O teu novo disco, A Elasticidade do Tempo, tem uma componente psicadélica muito forte, reminiscente de certas bandas anglo-saxónicas dos anos 60. Quão importante é para ti o imaginário e o estilo de vida dos anos sessenta? 
Eu sempre respirei a música dos anos 60 a fundo. Beatles, Rolling Stones, The Who e mais uma lista imensa de clássicos. Sempre compactuei com a forma de compor, escolha de timbres e estética dessa década. Não poderia ser diferente no meu trabalho. O que eu fiz foi tentar dar uma contemporizada nos timbres, criando um clima de high-low ao misturar as influências antigas com algumas mais recentes, como Oasis e Primal Scream.

(...) "Ainda não conheço a cena portuguesa como deveria, mas gostei muito do Legendary Tigerman, de Solar Corona e dos PAUS, as três bandas me encantam muito e faria qualquer colaboração sem hesitar! Além disso quero produzir alguns artistas locais no Magic Beans Studios."


- A expansão da mente, seja através de meditação ou uso de substâncias e até mesmo ambas, contribui em certa parte para uma clareza de consciência e onde podemos ter momentos transcendentais. Em que medida, achas que a música pode ser um portal para essa transcendência? 
Acho que a música, em geral, faz parte da trilha sonora da nossa vida, pois está presente nos cultos, rituais e missas. E, além disso, no nosso dia a dia, ela sempre está por todos os lados. Acredito que nunca se consumiu tanta música no mundo como hoje, antigamente tínhamos que nos reunir em casa para escutar um LP, depois veio o walkman, mas, actualmente, a música está por todos os lados devido às actuais tecnologias: se você reparar, todas as pessoas nas ruas estão com um fone de ouvido. 

Quando eu falo de mediação no álbum, não necessariamente a pessoa precisa estar em posição de lótus ou fumando uma ganza, afinal, meditar também pode ser tentar manter o pensamento em fluxo positivo durante todos os momentos, essa expansão mental não precisa ser feita na hora x ou y. Estando num lugar bacana com uma boa trilha sonora já é a melhor experiência. 

- Mudaste-te do Brasil para Portugal. Como tem sido a tua adaptação a este país até agora? E com que músicos portugueses gostarias de colaborar? 
A adaptação foi muito tranquila. Já tinha alguns amigos que moravam por aqui, então, foi mais fácil de me enturmar. E a cidade é linda, foi amor à primeira vista. Me sinto super adaptado como se tivesse morando aqui há anos, todos os portugueses que conheci sempre foram muito simpáticos e receptivos comigo, não tenho do que reclamar. 

Ainda não conheço a cena portuguesa como deveria, mas gostei muito do Legendary Tigerman, de Solar Corona e dos PAUS, as três bandas me encantam muito e faria qualquer colaboração sem hesitar! Além disso quero produzir alguns artistas locais no Magic Beans Studios. 

Imagem por Daryan Dornelles

(...) "Fiquei semanas com essa frase na cabeça, tinha muito a ver com o álbum, uma vez que falo sobre estar alinhado com o corpo e com a alma, e sobre entender que tudo tem um processo e que não podemos nos atropelar. Então, meio que caiu como uma luva."

- Sabemos que nutres uma grande admiração por Arnaldo Baptista. Criaste até um projecto em sua homenagem. Como foi colaborar com ele no primeiro tema deste disco? 
Foi um sonho realizado, eu sempre fui fã do trabalho dele, desde a época em que ele fazia parte d'Os Mutantes. Quando estava compondo a faixa de abertura do álbum, “Louvado Seja Deus”, senti falta de um refrão. Nessa fase eu estava imerso nos álbuns solo do Arnaldo. Existe uma música dele chamada L.S.D, que foi de onde tirei essa frase. Eu mandei uma carta escrita a mão para ele falando dos meus projectos e ideias, tempos depois ele me respondeu de volta com um quadro pintado por ele no qual está escrito “creia nos seus sonhos”, esse foi o pontapé inicial para que eu iniciasse a gravação do disco. Desde então, foram algumas colaborações juntos, tenho um projecto de homenagens aos álbuns solo dele no qual convido diferentes músicos para participar, inclusive tenho a vontade trazer esse projecto para Lisboa, levando em conta que aqui tem muitos fãs do Arnaldo e dos Mutantes.

- O que podes elaborar mais sobre a escolha do título do álbum, A Elasticidade Do Tempo? 
O título também tem vínculo com o Arnaldo, mas nesse caso é com a esposa dele a Lucinha. Um dia fiquei de enviar alguns documentos para ele assinar, relacionado aos direitos autorais de Louvado Seja Deus, e, como sou muito atrapalhado com coisas burocráticas, acabei me esquecendo de um papel. Imediatamente pedi desculpa para a Lucinha que me respondeu dizendo para eu relaxar, pois o tempo era elástico. 

Fiquei semanas com essa frase na cabeça, tinha muito a ver com o álbum, uma vez que falo sobre estar alinhado com o corpo e com a alma, e sobre entender que tudo tem um processo e que não podemos nos atropelar. Então, meio que caiu como uma luva. 

- Deus é um nome que está presente nos títulos da primeira e última canção do álbum. Tendo em conta, os diferentes significados e acepções para uma entidade divina. Como é que sentes essa espiritualidade? Ela está presente no teu dia-a-dia? 
Sim, venho de uma família muito religiosa, cresci no meio de todas as religiões. Ao mesmo tempo em que eu ia no centro de umbanda, frequentava o centro espírita, enquanto minha mãe rezava um pai nosso. Em nenhum momento eu decidi falar sobre Deus para ter uma temática no álbum, ele foi aparecendo aos poucos, e, quando eu vi, estava presente. As letras do disco são um reflexo do que eu estava vivendo na época: saí de São Paulo e fui morar na praia para me encontrar com minha espiritualidade, que estava obsoleta devido aos períodos tensos que vinha vivendo nos Cachorro Grande.

Texto & Entrevista: Cláudia Zafre
Banda: Rod Krieger
rodkrieger.bandcamp.com