Imagem: Ricardo Alves Stereoboy é o nome baptizado por Luís Salgado , o projecto musical que agora dá à luz outro disco intitulado ...

Stereoboy: Kung Fu sai a 17 de Abril. Um disco a três que tem como influência quatro mestres antigos das artes marciais.

Imagem: Ricardo Alves

Stereoboy é o nome baptizado por Luís Salgado, o projecto musical que agora dá à luz outro disco intitulado Kung Fu, criado a partir de uma estrutura repetitiva que remete para um cavalo a galope que faz a viagem em direcção ao extremo oriente, a passo contínuo a 4/4. O percurso é conseguido quando concentrado no ritmo, quase como um exercício meditativo em que as pernas não cedem ao cansaço. 

A banda-sonora mescla sons electrónicos provindos do industrial, influência que Stereoboy tem vindo a absorver. Kung Fu surge como eco que soa a resquícios de ambient, post digital com kraut, transgredindo assim as paredes de betão para chegar a outros cenários improváveis. Kung Fu conta com as colaborações de João Pimenta na bateria (10 000 Russos / Floc de Neu) e de José Marrucho (músico de formação) nas percussões. São quatro temas que casam entre si e reúnem um total de 30 minutos; partem da exploração/improvisação electrónica, ao ritmo do motorik, para tecer um tapete que vai ganhando forma, tema, pormenor e profundidade. Kung Fu sai a 17 de Abril numa edição conjunta entre a portuguesa O Cão da Garagem e a inglesa Dirty Filthy Records.

Luís Salgado paralelamente programa as actividades do espaço cultural Maus Hábitos, e como tem sido habitual, de há oito anos para cá, organiza o festival O Salgado Faz Anos, onde convida vários nomes da criação do underground a participar.

Capa pintada: Mauro Ventura; Design: Serafim Mendes

"As bandas sobrevivem, até porque eram muito poucas as que viviam só da música, mas os espaços e os profissionais que trabalhavam nesses espaços ou nesta área vai ser mais complicado. Penso que pode haver uma fase de transição que passa muito pela rua, palcos na rua com curadoria desses espaços, editoras e agenciamentos, talvez. Ou aparece um novo paradigma de conteúdos online pagos. Ninguém sabe."

Imagem: Celine Marie


Vivemos tempos estranhos? Como te encontras e como estás a absorver tudo isto, de repente parece que caiu que nem um meteorito...
De saúde catita. Em termos profissionais tudo o que eu fazia é tudo o que não se pode fazer neste momento, juntar muitas pessoas num mesmo espaço a socializar, por isso estou neste momento na expectativa de como é que isto vai evoluir, porque vai ter de evoluir para algum sítio.

Estás habituado a organizar eventos. O underground em Portugal já vivia muito à margem e agora com este cenário como achas que se vai dar esta transição, de mal para pior? Quais são as novas perspectivas para a cultura em Portugal?
Penso que o mais preocupante é a sobrevivência das pequenas venues, que já viviam muito precariamente e muitas delas agora vão fechar, porque não vão poder fazer eventos em salas fechadas tão cedo, e sem entrada de dinheiro, que já não era muito, acabam. As bandas sobrevivem, até porque eram muito poucas as que viviam só da musica, mas os espaços e os profissionais que trabalhavam nesses espaços ou nesta área vai ser mais complicado. Penso que pode haver uma fase de transição que passa muito pela rua, palcos na rua com curadoria desses espaços, editoras e agenciamentos, talvez. Ou aparece um novo paradigma de conteúdos online pagos. Ninguém sabe.

"A partir do momento que passei a coisa para a sala de ensaios com o João Pimenta (e mais tarde o José Marrucho nas percussões), a coisa foi caminhando para outros sítios. O João levou para a sala uns triggers para ligar a bateria, que ligou a um banco de sons de filmes antigos de Kung Fu, e juntou com o som acústico da bateria. Juntando isso ao facto de os temas terem momentos mais imersivos e outros mais agressivos ou energéticos, estava encontrado o nome do disco. Depois peguei em 4 mestres antigos de artes marciais e baptizei os 4 temas. Se bem que eu vejo o disco mais como uma peça única com 4 andamentos."



Lanças agora um disco em plena pandemia e distância social, e o teu disco tem um sentido muito imersivo, apesar do lado mais fresco; no entanto tem também outro que leva a uma desesperança pelo tom sombrio do tema ‘Yip Man’. Fala-nos um pouco do conceito à volta do disco. O imaginário sobrevive mais da teoria conceptual ou de sensações? Tenho também curiosidade por quê a escolha do nome Kung Fu?

Eu comecei a compor este disco sozinho e numa primeira fase não queria fazer nada conceptual, queria criar apenas jogando com a plasticidade do som e experimentar coisas. A partir do momento que passei a coisa para a sala de ensaios com o João Pimenta (e mais tarde o José Marrucho nas percussões), a coisa foi caminhando para outros sítios. O João levou para a sala uns triggers para ligar a bateria, que ligou a um banco de sons de filmes antigos de Kung Fu, e juntou com o som acústico da bateria. Juntando isso ao facto de os temas terem momentos mais imersivos e outros mais agressivos ou energéticos, estava encontrado o nome do disco. Depois peguei em 4 mestres antigos de artes marciais e baptizei os 4 temas. Se bem que eu vejo o disco mais como uma peça única com 4 andamentos.

"O Sun Lutang tem uma história contada por familiares em ele que descobriu a hora e o dia da sua morte através de um livro antigo e entrou em meditação, sem comer nem beber durante uns dias, abriu os olhos 3 vezes para perguntar que dia era, e na terceira vez que abriu os olhos disse adeus e morreu."


 

Sun Lutang encerra o disco sem bateria ou percussão. Um desfecho em aberto para outra sequela que se dá mais ao experimentalismo e electrónica do que à base kraut. Enquanto que os outros temas têm uma base melódica que comunica com os outros instrumentos, agora neste tema estás sozinho a explorar sons que são mais desconstruídos e menos empáticos ao ouvido. Poderá ser uma afirmação de que o devir será uma outra viagem feita sozinho? 
Esse tema é o que abre normalmente o concerto ao vivo e vem da fase de composição que estava sozinho. Achei que não necessitava de mais nada. No disco funciona como uma meditação imersiva após o combate. O Sun Lutang tem uma história contada por familiares em ele que descobriu a hora e o dia da sua morte através de um livro antigo e entrou em meditação, sem comer nem beber durante uns dias, abriu os olhos 3 vezes para perguntar que dia era, e na terceira vez que abriu os olhos disse adeus e morreu.

Imagem: Celine Marie

A colaboração com o João Pimenta e com o José Marrucho traz uma nova aura. O João tem o toque kraut e o José mais tribal, esta conjugação eleva três lados da música que se cruzam muito bem. A electrónica, o ritmo repetitivo e o lado mais orgânico. Como surgiu essa colaboração?
Eu neste disco trabalhei essencialmente com electrónica, mas senti uma forte necessidade de ter uma componente humana forte, o chamado Post Digital em que tiras o melhor proveito do digital, do analógico e do orgânico. Queria ter bateria e o João veio pela maneira característica que tem de tocar bateria, mais minimal, mais kraut. O Marrucho é um virtuoso, e achei que devia ter a conjugação desses dois mundos, mas queria usar sons pouco comuns e construímos um kit com chapas e bidons. Foi pura experimentação e improviso, resultou. Aliás, o disco é gravado ao vivo com os 3 a tocar em tempo real porque as composições têm uma base muito forte de improvisação.

Tendo em conta agora a situação do momento, como prevês o lançamento do disco e como perspectivas os concertos?
Não sei. Temos um concerto pronto que até já inclui coisas que não estão no disco, mas não fazemos ideia quando poderemos e como poderemos mostrar. Uma coisa sei, tem de ser com pessoas fisicamente presentes. Talvez depois do verão já seja possível, vamos acreditar.

Texto e entrevista: Priscilla Fontoura
Entrevistado: Luís Salgado
Nome da banda: Stereoboy
Nome do Disco: Kung Fu
Side A: Yip Man , Li Shuwen
Side B: Shang Yunxiang, Sun Lutang
Luís Salgado: electrónica
João Pimenta: bateria
José Marrucho: percussão
Produzido: Stereoboy
Gravado e Misturado: João Brandão
Masterização: Miguel Marques 
Capa pintada: Mauro Ventura
Design: Serafim Mendes
Editora: O Cão da Garagem & Dirty Filthy Records
Vídeo - Produção: Casota Collective; Câmara: Telmo Soares; Gravação de Som e Mistura: Rui Gaspar; Pós-Produção: Telmo Soares