sexta-feira, 15 de maio de 2020

Ainda que divididos geograficamente, os Papaya apresentam Seis/VI, um disco escrito em três dias

Pouco se compara ao momento de descanso deitado numa cama de rede num canto florestado, enquanto se saboreia, num dia soalheiro, um mamão papaia, uma das melhores frutas que podemos ter à mão. Os benefícios obtidos a partir do seu consumo regular são vários. Mas há algo que supera e transcende o valor da papaia enquanto fruta saudável, são, por exemplo, as recordações familiares de avós originários de um país exótico que dão a conhecer aos seus netos nascidos num país do mundo velho frutos que desconheciam. 

Sobre a origem da Papaia, a lenda conta que um missionário japonês morava no Pará, no Brasil, e numa missão ao Hawai, teve contacto com um mamão mais pequeno que os do Brasil; ficou encantado pela fruta e decidiu levar algumas sementes na algibeira para distribuir por alguns agricultores do Pará. Assim se disseminou a planta, ultrapassando fronteiras e espalhando-se para outros estados do Brasil e por outros países. 

Se foi obra do acaso ou não, não o sabemos dizer, a verdade é que caiu uma PAPAYA em Portugal formada por Bráulio Amado, Óscar Silva e Ricardo Martins. Dividido entre Nova Iorque e Lisboa, o trio lança online o seu sexto disco via Revolve a 15 de Maio, intitulado Seis/VI

© Papaya

Olá, como se encontram neste pós-confinamento, são momentos que têm atrapalhado a vossa saúde mental?
Ricardo Martins - A incerteza, a preocupação e a volta que isto deu a tudo, não é coisa pouca de gerir. Tenho a sorte de estar a compôr para uma peça nova, irem surgindo projectos, não estar sozinho. Também de continuar a falar sobre/a fazer música todos dias (ainda que as saudades da bateria sejam muitas) e também de as pessoas que amo estarem bem.

Bráulio Amado - Acho que é impossível não se sentir afectado por isto tudo. Definitivamente a dar um pouco em louco. Tem sido difícil concentrar e ser-se produtivo enquanto fechado em casa, mas grato por estar saudável, em segurança e com trabalho.

Óscar Silva - Um pouco desorientado com o presente e o futuro, mas vivendo um dia de cada vez e, contas feitas, feliz por estar numa situação privilegiada e por toda a gente que me rodeia estar com saúde.


Como surgiu o álbum e quando é que começou a ser escrito?
R - Os discos de Papaya ultimamente surgem no estúdio. Às vezes acabamos por fazer um esboço ou dois na sala de ensaio, mas passa por explorar em estúdio. Procurar enquanto vamos gravando, pensar muito no som. Irmos curtindo sem grandes amarras. Foi escrito nos 3 dias que foi gravado.

Notam-se as vossas identidades musicais misturadas, a pulsação do Ricardo, o input noise e exótico do Óscar e as baixas frequências do Bráulio? Qual a novidade deste disco em relação aos outros? 
R - É uma continuação; tentámos continuar a procurar algo novo, continuar a descobrir uma coisa nossa. 

B - Exacto, acho que o cinco abriu caminho para uma nova fase de Papaya, não só em termos de som como maneira de compor e gravar, e este disco novo é uma continuação disso. 

O - Parte sempre de uma certa “loucura” de aproveitarmos o pouco tempo que estamos juntos durante o ano inteiro, finda o ano e lá nos encontramos em estúdio, e o que sai é o resultado do que está nas 3 cabeças. Este ano foi este disco.

© Ricardo Martins

Neste álbum cantam em português, como se dá essa transição?
R - Já vem do CINCO/V, nem pensámos muito. Fez sentido e o Bráulio foi super rápido a escrever. 

B - Papaya começou em Portugal e cantávamos com o meu inglês terrível. Agora que vivo em Nova Iorque e o meu inglês melhorou consideravelmente acho que faz sentido cantar com o meu português em vias de deterioração. Mas no fundo acho que aconteceu porque no CINCO/V estávamos a explorar um som novo, e a língua portuguesa serviu quase como um instrumento novo para chegarmos a sítios novos.

© Ricardo Martins

Não sei se por ser cantado em português, ou se pela cadência rítmica ligada ao deambular da voz, mas este disco parece mais visual do que os outros, concordam?
R - Eles ultimamente vêm de um sítio super cheio de texturas diferentes, muita amplitude de frequências. Fica cheio de detalhes que vamos descobrindo, talvez seja disso ahah.

B - Talvez também por sermos os 3 designers? Haha.

© Vera Marmelo

Os Papaya surgem da união de membros com vários projectos tanto a solo quanto a colectivo, Adorno, Lobster, Suchi Rukara, Jibóia, Cangarra, é inevitável desligarem-se das vossas características enquanto músicos para outros projectos. Como se auto-desafiam para fazerem algo fresco e saboroso?
R - Nem pensamos nisso. Queremos passar tempo juntos. Usar a banda como desculpa para estarmos os três, pelo menos uma vez por ano. Antigamente fazíamos isso em tour, na altura de Adorno, agora é mais difícil, pela distância e vamos fazendo discos. Somos super exigentes, mas o processo é natural. Não quer dizer que não seja stressante, ou que não gostasse de ter 2 semanas para fazer o que fazemos em alguns dias. Mas é um prazer, um mimo que nos damos e uma desculpa para estarmos juntos.

B - Exacto. Acho que a banda nesta altura é mais uma celebração da nossa amizade do que algo super racionalizado. Já tocamos juntos há tanto tempo, a música acabou por se tornar parte da linguagem que usamos para comunicar entre os 3.

© Miguel Oliveira

Quem é que quer ser alguém que não é? No tema “Tu” é repetida essa afirmação. É uma crítica a uma sociedade que cada vez se “plastifica” e se descaracteriza das suas peculiaridades?
B - Um pouco por aí, mas não só. A ideia da repetição da frase é para tentar dar múltiplos significados a ela mesma. Nós comparados com outras pessoas. Nós próprios sermos demasiado duros com nós próprios. Síndroma de impostor. Falsidade. Vergonha e validação.

Agora que os concertos estão programados lá para Outubro que alternativas encontraram para promover o novo disco?
R - Nós estamos em Lisboa e Nova Iorque. Os concertos com Papaya acontecem quando dá, falámos em fazer algo a meio do ano que vem. Uma tour Europeia era óptimo, já batem muitas saudades. Com as outras bandas está complicado, mas em Papaya não mudou nada.

A cultura será, sem dúvida, o sector mais afectado com esta pandemia. No entanto, também foi a área que sempre encontrou alternativas para tentar sobreviver de alguma forma. Como é que os Papaya vão dar a volta à situação?
B - Papaya acontece quando estamos os 3 no mesmo sítio/país, portanto não sei até que ponto faz sentido termos uma resposta para o que se está a passar. Até porque os 3, individualmente, temos outros projectos que acabariam por fazer mais sentido como reacção a esta situação. Mas quem sabe! Por enquanto vamos pôr este disco cá fora e esperar que faça o pessoal feliz por uns quantos minutos.

Gostariam de deixar alguma mensagem?
Lavem as mãos.

Texto & Entrevista: Priscilla Fontoura
Entrevistados: Bráulio Amado, Óscar Silva e Ricardo Martins (Papaya)
Imagens: Miguel Oliveira, Papaya, Vera Marmelo