@ Edgar Allan Poe |
Das suas penas, canetas ou teclas foram criadas histórias ignoradas ou até mesmo, negligenciadas, pela época em que viveram. Subsistindo da escrita com muitas dificuldades, certos escritores continuaram a escrever até ao fim dos seus dias, morrendo de formas trágicas e enterrados pelos seus contemporâneos. Esse enterro foi meramente físico, décadas depois, as suas obras atingiram o reconhecimento merecido.
Sem técnicas quase propagandistas de auto-promoção, apoio da imprensa ou da “grande máquina”, estes escritores foram e são reconhecidos somente pela sua obra, tendo as suas vidas pessoais tido várias análises enquanto os seus corpos físicos repousam na eternidade.
Murders in the Rue Morgue, Edgar Allan Poe |
1 - Edgar Allan Poe
Assolado por “demónios” interiores e outras maleitas metafísicas que não se circunscreveram às histórias que a sua mente gerou, Poe teve uma vida marcada pelo desgosto, a dor, e ultimamente a ruína.
Apesar do seu enorme talento, o escritor de Os Assassinatos da Rua Morgue e O Corvo nunca foi inteiramente reconhecido pela sua época, tendo sido negligenciado e ignorado até à sua morte trágica e precoce em 1949, tendo apenas 40 anos.
Criador de contos e poesia, Poe foi um dos primeiros escritores norte-americanos a ganhar a vida apenas através da escrita, o que lhe causou um sem-fim de misérias e dificuldades financeiras. As histórias, personagens e ambientes que nos deixou são preciosidades de um valor imenso.
Após a sua morte, o reconhecimento que lhe era devido foi-lhe finalmente granjeado. Poe é uma figura literária incontornável que inspirou e continua a inspirar uma legião imensa de escritores e leitores.
A Confederacy of Dunces, John Kennedy Toole |
2 - John Kennedy Toole
A sátira é um exemplo supremo de inteligência e astúcia, mas que pode, muitas vezes, ser mal interpretada ou quiçá mesmo ignorada. Toole é reconhecido nos dias de hoje pela sua obra-prima de sátira arguta intitulada Uma conspiração de Estúpidos (The Confederacy of Dunces).
Macerado por inúmeras e frequentes rejeições de editoras, além dos seus problemas de depressão, John acabou por findar a própria vida com apenas 31 anos de idade. Após a sua morte trágica e precoce, foi a sua mãe, Thelma Toole, também ela arrasada pela depressão que batalhou infatigavelmente para que o livro do filho fosse publicado.
Foi uma tarefa muito difícil que incluiu persistência e muita confiança, mas Thelma conseguiu finalmente fazer com que o escritor Walker Percy finalmente lesse o livro. Percy concordou e leu o livro. Ficou fascinado por ele e embarcou numa campanha para o ver publicado. Apesar da sua influência, o livro só foi publicado passado alguns anos e foi em 1981 que ganhou o prémio Pulitzer, foi traduzido para várias línguas e vendeu milhões de cópias.
Aventuras Extraordinárias de KIÁ - O Rei dos Repórteres -, Reinaldo Ferreira |
3 - Reinaldo Ferreira (Repórter X)
Dotado de uma sensibilidade endémica e própria de um observador nato, Reinaldo Ferreira ou Repórter X como se auto-apelidava, foi uma figura única no panorama cultural português. Possuidor de uma prosa ímpar e sublime com laivos de humor cerrado num drama inteligente, Reinaldo Ferreira escreveu ficção, reportagens e até realizou filmes.
Apesar de ter sido algo célebre ainda em vida e a ter levado de uma forma algo quixotesca, a sua obra tem sido ignorada ou até esquecida em Portugal, que nunca primou pela existência de autores exuberantes e icónicos em tão grande escala que se pudesse dar ao luxo de esquecer alguns dos mais influentes.
Reinaldo Ferreira não impunha filtros ou limitações à sua imaginação, tendo até escrito uma reportagem em que convencia os leitores que no subsolo de Lisboa havia uma outra cidade misteriosa construída após o terramoto de 1755. O jornal O Incrível ficaria orgulhoso, seguramente.
Se em Portugal tivesse havido uma vaga forte de filmes de série-B, Reinaldo Ferreira seria o argumentista ideal para escrever as histórias e expandir os nossos imaginários. Restam-nos as suas obras, algumas editadas pela livros do Brasil da colecção Vampiro e a certeza que Portugal pode e poderá continuar a brotar mentes inventivas que não cedem a convenções, mas que muitas vezes escapam a editoras elitistas que publicam mais do mesmo, pensando estar a fazê-lo diferente (ou não).
Necronomicon, Howard Phillips Lovecraft |
4 - H.P. Lovecraft
Quando pensamos em criaturas monstruosas com inúmeros tentáculos - ou se a palavra Chtulhu for uma palavra habitual do nosso vocabulário e que não temos problemas na fonética a dizê-la- , sabemos que somos fãs do trabalho de H.P. Lovecraft.
Assim como Poe, a sua vida foi marcada pela tragédia e levou uma vida complicada, tendo-se dedicado ao jornalismo de forma amadora, uma forma que sempre teve em grande estima por ser uma oposição directa ao sensacionalismo. Lidou com dificuldades financeiras sérias e subsistiu frugalmente com o que recebia da sua escrita.
Hoje em dia, raramente se menciona terror sem termos a figura imponente e grave da escrita de H.P. Lovecraft presente na nossa mente e imaginário.
Their Eyes were Watching God, Zora Neale Hurston |
5 - Zora Neale Hurston
Zora Neale Hurston escreveu muito e bem. A sua principal temática centrava-se nas experiências de vida de afro-americanos e na sua, enquanto mulher afro-americana, culta e informada nos Estados Unidos. Apesar de ter escrito um volume incrível de obras, nunca foi reconhecida devidamente pela comunidade literária da sua época, tendo tido várias obras publicadas postumamente.
Zora frequentou a universidade de Howard em Washington D.C e foi uma das co-fundadoras do jornal universitário The Hilltop. Sempre curiosa e sedenta de conhecimento para partilhar, Zora viajou extensivamente pelas Caraíbas e pelo sul dos estados-unidos, vivendo e estudando as comunidades locais para avançar os seus estudos antropológicos.
O seu trabalho não obteve o reconhecimento merecido durante décadas, especificamente por Zora empregar dialecto afro-americano que muitos consideravam fora de moda e de mau gosto, criticando-a por caricaturar a cultura afro-americana. Ironicamente, uma cultura pela qual Zora sempre foi apaixonada pelo estudo.
Hoje em dia, conhecemos Zora automaticamente pelo romance Their Eyes Were Watching God que é considerado um clássico da literatura americana.
Foi após a sua morte que foram considerados pelas suas obras e trabalhos como personagens luminares da literatura. Tendo passado várias tormentas em vida, estes escritores são apenas uma pequena amostra de um universo de autores que vivendo longe das luzes da ribalta e de hypes, continuam a fazer o seu trabalho e a escrever. As palavras brotam do escritor, mas encontram a sua significação nos leitores mesmo que só depois de várias décadas.
Texto: Cláudia Zafre