quarta-feira, 6 de maio de 2020

Shinrin Yoku: o encontro perfeito com o habitat natural que tem como resultado o alívio do stress. O retorno às origens.

Percorri várias vezes oito ou dez milhas pelo meio da neve alta para não faltar a uma reunião com uma faia, uma bétula amarela ou um velho amigo entre os pinheiros.
- Henry David Thoreau -

Nem tudo é totalmente sombrio e nem tudo é totalmente claro. Ou é, nalgumas circunstâncias, mas não nestas. 
A covid trouxe, por todas as razões que se conhecem, aquilo que há tanto era protestado por muitos, a limpeza dos ecossistemas. Urgia o tempo em que os seres vivos mereceriam viver num habitat que fez uma espécie de restart, para não passarem apenas umas férias a curto prazo num espaço menos poluído, mas num de longa duração que vislumbra um futuro habitável para todos com base na sustentabilidade. 

Não sabemos ao certo o que acontecerá nem o que nos reserva o futuro, talvez uma desesperança, se analisarmos os comportamentos que pouco se alteraram a grande escala após as tragédias marcadas na história universal, no entanto, existe um grito colectivo que "parece" exprimir um género de compromisso que apela a uma mudança de paradigma para melhor. Será apenas pura demagogia? 

Em vez de apresentarmos mais uma vez uma cobertura fotográfica de concertos, mostramos uma narrativa fotográfica da natureza, imagens do nosso fotógrafo residente Rui Mota Pinto, tiradas em tempos diferentes e que foram seleccionadas para mostrar a beleza que impera na natureza, também para percebermos o realce que nela vigora e que tem sido negligenciado. Nelas residem sons que muitos têm vindo a ignorar, cheiros orgânicos e temperados que transmitem paz e o reencontro/contacto com as nossas origens, em todo esse ambiente que nos é familiar. Antes tínhamos por garantido o que acharíamos simples, hoje ansiamos por tais coisas. 


Um dos nomes que tem defendido a relação da humanidade com a natureza e o que mais salta à vista é o de Yoshifumi Miyazaki, o japonês valoriza a natureza e desde cedo nutre um grande respeito pela mesma. Por isso, publicou o livro "Shinrin Yoku, A terapia japonesa dos banhos de floresta que melhora a sua saúde e bem-estar", cuja abordagem engloba um conjunto de saberes e práticas que relaciona a Natureza ao Humano e que tem vindo a apresentar resultados positivos na melhoria da saúde e do bem-estar de todos que passam por esta rotina. Destaca-se o Japão como o lugar que olha para a natureza de uma forma consciente e contemplativa e os seus cidadãos têm vindo a encarar exponencialmente a medicina preventiva como meio para suprimir outros problemas mais graves que poderão ocorrer se a saúde for posta de parte. O Shinrin Yoku - banhos de floresta e o acto de caminhar lentamente ao longo da floresta, sem pressas, durante a manhã, ou a outra hora do dia - iniciou-se como uma prática sustentada pela intuição, mas, neste momento, é suportada por uma investigação científica consistente que confirma os seus benefícios. 



A nossa capacidade de audição mudou depois deste pandemia, ou a percepção está mais sensível a tudo a o que nos liga ao ambiente natural, tudo ganhou um novo sentido assim que temos contacto com o exterior. Os animais parecem mais "alegres" e resolvidos a desfrutar os momentos de uma forma mais livre e menos intimidada pelos ruídos e pela poluição criada pela humanidade, os peixes nadam em águas mais limpas e as plantas saboreiam a luz do sol fazendo a fotossíntese sem os "bloqueadores" tóxicos de outrora. A contemplação de um novo pressuposto é descoberta (por obra sabe-se ainda lá do quê ou qual a origem desta pandemia), que em primeira e última instâncias revalorizam as coisas mais simples mas com mais significado. A Mãe Natureza volta a dar-nos uma oportunidade para pararmos e reflectirmos sobre o mal que lhe temos feito. Na realidade ela não precisa de nós e nós dependemos dela em todos os sentidos. Tal como refere a visionária Neri Oxman: Temos uma responsabilidade com a Mãe Natureza, não considerá-la como ilimitada, mas como uma entidade que, actualmente, implora por amor. Afirma também que os substantivos deveriam ser transformados em verbos, para natureza o verbo "naturar" indicaria o acto de pensar e agir em seu benefício.





De facto, somos cada vez mais estimulados pelo mundo que a Humanidade criou, consequentemente mais doenças começam a existir relacionadas com o stress, depressão crónica, ansiedade, tensão arterial, níveis de açúcar no sangue, problemas cardiovasculares, tais sintomas e doenças tornaram-se um problema social à escala global. Nesse sentido, não é surpreendente que as atenções se voltem para a terapia como exemplo de uma forma natural e pouco dispendiosa de aliviar o problema do stress, a sua prática ajuda significativamente a concentração, a memória e a prevenção do cancro, o sono é regulado e a produtividade diária é equilibrada. A um ritmo avançado e desmedido, focado na e para a tecnologia, esta paragem deveria, certamente, (re)ligar-nos ao contacto com um bem comum; a Natureza e, principalmente, ao respeito e conduta que devemos ter por ela.

Só no Japão existem actualmente mais de 60 trilhos oficiais de terapia da floresta para a prática do shinrin-yoku. Há também mais médicos certificados em medicina da floresta.

A expressão nipónica shinrin-yoku resulta da conjunção de duas palavras: banho (shinrin) e floresta (yoku) e dá início a uma nova ciência que investiga, há mais de duas décadas, os efeitos benéficos de deambular tranquilamente pelos bosques como forma de combater a epidemia do século XXI, o stress. A terapia é reconhecida pelo Sistema Nacional de Saúde no arquipélago, uma das formas mais eficazes de lidar e minimizar o karoshi (morte por excesso de trabalho), responsável por cerca de dez mil mortes anuais. 

Em Portugal a prática também começou a ser implementada. Baseada na cultura portuguesa, no contexto social e no ambiente específico, o Instituto Banhos de Floresta, tem vindo a desenvolver actividades no habitat natural. Para saber mais: clicar no link.  
Temos agora a oportunidade para fazermos um restart ao modelo que não funcionava. Será que a partir daqui serão feitas mudanças radicais? Afinal de contas, é nosso dever amar a natureza e quando pela manhã abrimos a janela do quarto é o aroma da terra que nos lembra que não estamos sós.

Sem saber o nome da árvore, ali fiquei, na abundância do seu doce aroma.
- Matsuo Basho -





Texto: Priscilla Fontoura
Imagens: Rui Mota Pinto
Livro: shinrin Yoku, A terapia japonesa dos banhos de floresta que melhora a sua saúde e bem-estar, de Yoshifumi Miyazaki
Vídeo: Matador studios