segunda-feira, 8 de junho de 2020

Bemti: Era dois 20, 20

Álbum: Era dois 20,20
Género: folk, indie, folktronica, queer synth folk 
Data de Lançamento: 2 de Junho, 2020
Editora: Bemti


Era dois foi lançado em 2018 pelo músico brasileiro Bemti e alcançou destaque em várias publicações como a Rolling Stone Brasil. Este mês marca a reedição do disco com a inclusão de cinco temas bónus. 

Bemti destaca-se pela poética introspectiva e emocional das suas líricas numa base indie rock, folk e vários apontamentos de electrónica. As letras constroem a ponte entre o músico e o ouvinte, criadas no íntimo de um músico que acredita na música como uma catarse. As letras aproximam os universos do músico e do ouvinte, tocando em temáticas que se centram nas relações, no nosso lugar no planeta e com uma dose delicada de temática gay mas que é ampla e familiar. 

A originalidade do seu som passa também pelo uso da viola caipira de 10 cordas que ajuda a construir e solidificar o seu universo musical que Bemti classifica de Queer synth folk. 

Além da reedição deste disco, Bemti encontra-se a preparar o segundo disco intitulado Logo Ali através da editora Natura Musical.

- Bemti, como tem sido o teu percurso musical até hoje? Estiveste envolvido em outras bandas e/ou projectos? 
Eu sempre digo que até 2016 eu achava minha voz horrível e que eu estava “condenado” a escutar outras pessoas cantando minhas composições. Eu sou formado em Audiovisual e ainda trabalho às vezes como roteirista e editor, mas quando eu estava na Usp comecei um projeto, o Falso Coral, onde eu não era o vocalista. Eu comecei a explorar a viola caipira de 10 cordas por causa de um documentário que eu dirigi no interior de Minas Gerais e comecei a compor muitas músicas usando a viola (que é meio “filha” da guitarra portuguesa). Foi a partir da confiança que eu ganhei gravando e tocando em muitos lugares com o Falso Coral (e fazendo muitas aulas de canto) que em 2017, depois de várias reviravoltas pessoais, eu decidi começar um projeto solo com as novas músicas que eu estava escrevendo e que eram “íntimas” demais pra banda. Minha primeira música como Bemti saiu em Janeiro de 2018. 

- Como é o teu processo criativo? As letras surgem antes das composições ou é uma dinâmica simultânea? 
Geralmente vem algum verso já com uma melodia e uma atmosfera específica, seja em algum momento aleatório do dia ou quando eu estou “brincando” com a viola caipira. A partir disso ou vai virar algo que eu vou gravar no celular e esquecer depois ou vai virar uma música pela qual vou ficar obcecado até conseguir terminar. Mas eu sou muito movido por experiências, adoro compor viajando (inclusive eu estava na expectativa de compor algumas músicas em Portugal para o próximo disco). Outra coisa que acontece é que às vezes eu tenho uma ideia visual e vem uma música a partir dessa ideia. Por causa da formação em Audiovisual esse processo criativo é muito importante para mim. Uma das minhas músicas novas começou a partir de uma ideia de videoclipe que eu tive, eu pensei primeiro no videoclipe e depois na música, vamos ver se pelo menos alguma dessas ideias será materializada! 

- As tuas letras são introspectivas e, por vezes, focam-se em relações amorosas, mas sempre com uma subtileza tocante e poética. Que outros temas ou temáticas te inspiram para escrever? 
Eu acredito muito na música como catarse. Gosto de letras que não sejam óbvias mas que também não sejam herméticas, que tenham como objectivo te tocar de alguma forma. Eu sempre fico impressionado quando as pessoas me falam como certa música as tocou e contam em qual contexto da vida delas isso aconteceu, uma mesma música pode se encaixar em infinitas situações. O “era dois” é um disco sobre reconstrução depois de uma ruptura, mas não precisa ser necessariamente uma ruptura amorosa, pode ser uma ruptura profissional, uma ruptura de amizades... Pro segundo disco os temas estão mais amplos, é um disco sobre o poder do afecto num mundo perto do colapso (ou imerso no colapso), uma tentativa de abranger o microcosmo dos relacionamentos no macro das nossas crises actuais. Mas quando eu componho sob encomenda eu posso escrever sobre absolutamente qualquer coisa! 

Imagem por Fabio Audi

- Que momentos te marcaram mais da tua digressão por vários países e estados do Brasil? 
Foram tantos! Em cada cidade eu fico muito emocionado ao encontrar com pessoas que sabem cantar as músicas e que depois do show vêm me falar o quanto estavam esperando pelo show... como artista independente eu acho que é uma realização maior ainda! Fora do Brasil me impressionou o concerto em Buenos Aires, que foi uma apresentação esgotada com pouquíssimo tempo de divulgação e onde eu toquei com o Gabo Ferro, que é um músico de quem sou muito fã. No Brasil já foram vários momentos inesquecíveis mas o concerto no Festival Timbre ano passado, com participação da Roberta Campos e da Tuyo foi especialmente emocionante. 

- Neste momento complicado de confinamento em que vários concertos foram cancelados, se quiseres partilhar, podes dizer-nos que projectos estás a trabalhar ou a idealizar? 
Eu encerraria o ciclo do primeiro disco agora em Maio (o último concerto da digressão seria em Lisboa dia 29/5) mas mesmo sem os concertos de encerramento, mantive o lançamento da edição especial do “era dois” com 5 faixas a mais (que já está nas plataformas digitais). O segundo disco, o “LOGO ALI” vai sair com o apoio da Natura Musical e eu estou muito feliz por isso. O projeto ano passado seleccionou artistas que eu admiro demais (Elza Soares, Emicida, Letrux, João Donato...) e me sinto muito privilegiado por estar nesse mesmo time. Além de ser uma luz no fim do túnel nesse momento tão terrível que a gente está vivendo na cultura brasileira, que além da pandemia tem um governo de extrema direita que está desmantelando a indústria cultural brasileira de todas as formas. Agora estou nesse processo de pré-produção do segundo disco mas talvez eu ainda lance algumas músicas fruto de parcerias que estão rolando durante a quarentena antes de mergulhar de fato no ciclo do segundo disco. 

- A tua música rege-se por várias influências e presenteia-nos com uma mistura equilibrada entre indie e alguns elementos mais dançáveis e tropicais. Que influências musicais sentes que regem a tua criação? 
Eu sou muito influenciado pela música alternativa dos anos 2000, principalmente pelas bandas com melodias mais “épicas” e “dramáticas” (Arcade Fire, Keane, Guillemots, Mew...), pelos artistas que misturam elementos orgânicos com electrónicos (Bon Iver, Moses Sumney, Beth Orton, Laura Marling...). No Brasil uma das minhas maiores influências é o Clube da Esquina e toda a obra do Milton Nascimento, mas também toda a cena de nova música brasileira que surgiu a partir de 2010: Tulipa Ruiz, Baleia e mesmo artistas como Tuyo, Johnny Hooker, Tiê... com quem fiz parcerias mas de quem também sou fã, além de amigo.

Texto & Entrevista: Cláudia Zafre
Entrevistado: Bemti