Imagem por Cleyton Telles |
Breno Branches move-se por territórios indie rock e de algum pop para criar melodias que apelam pela sua singeleza e genuinidade. Cresceu muito ligado à música e hoje em dia domina cerca de 13 instrumentos, sendo a guitarra um dos instrumentos eleitos para criar algumas das suas composições.
As suas canções expressam um sentido de aventura destemido e de exploração, tanto a nível exterior como interior, experimentando com vários géneros musicais sem se destrinçar da suas raízes pop rock e indie.
- Breno, como foram os teus primeiros passos na música?
Ah, essa história é longa demais, mas posso tentar resumir. Eu vim da periferia de Belém/PA, uma família sem muitos luxos, mas também não miserável. Como eu nunca tive pai, minha mãe tinha que ter dois empregos para sustentar a casa, então as coisas eram meio apertadas financeiramente. Isso significou que eu não podia ter aulas de música por exemplo, apesar de sempre ter sido apaixonado por isso.
Eu tinha um violãozinho de brinquedo, e eu brincava com ele todos os dias, fingindo que fazia grandes shows, e cantando na frente da TV enquanto videoclipes passavam na MTV. É uma boa lembrança.
Eventualmente, depois que tive tipo 13 anos, eu decidi ir em uma lan house (cyber café), e imprimir tablaturas de músicas que eu gostava, e eu nem tinha um violão! Eu pratiquei tudo no meu violão de brinquedo mesmo, um brinquedo infantil.
Aos 14 anos consegui trocar uma bola de futebol por um violão velho de um amigo, e passei duas semanas obcecado com aquilo: eu comia, bebia, passava literalmente o dia todo com esse violão. Em duas semanas eu já estava sabendo tocar, e fazendo minhas próprias canções. Aprendi a cantar e tocar de forma auto-didacta, e hoje toco 13 instrumentos.
Eventualmente entrei na cena musical, tive algumas bandas, aprendi um pouco sobre produção musical, e lancei meus primeiros discos a solo. O EP Que Bolero me rendeu um contrato de gravadora, e foi o suficiente para poder começar a viajar tocando, e viver o meu maior sonho de infância.
O EP Enchanté foi um pequeno estouro dentro da comunidade folk do Brasil, e então comecei a viajar e fazer digressões com ele também. Do Trem é o meu tema mais ouvido do Spotify até hoje.
O resto é história...
- A tua sonoridade bebe de algumas influências contemporâneas. Que artistas mais te marcaram no início do teu percurso enquanto músico?
Isso é curioso e uma coisa que eu nunca sei como dizer, mas eu não fui educado com música brasileira, e eu sinto como se isso fosse um crime.
Eu venho de uma influência forte do hardcore/emo americano. Quando criança eu assistia a um programa da MTV chamado Lado B, e também joguei 100% toda a franquia dos jogos do Tony Hawk. Lá conheci bandas como Blink-182, Fall Out Boy, My Chemical Romance, Death Cab For a Cutie, Dinosaur Jr, Death From Above, Lagwagon, NOFX, entre outras.
Aos 18 anos comecei a pegar muito gosto pelo pop-punk, e músicas mais calmas e melódicas. Logo conheci o Género do Indie Rock e Folk. Melodias marcantes sempre foram o que me seduziram na música, então logo comecei a conhecer alguns nomes que me marcaram muito, como Damien Rice, Beirut, MGMT, The Strokes, Devendra Banhart, Jose Gonzalez, Fleet Foxes, Local Natives, etc.
Meu gosto musical foi evoluindo de algo super agressivo a algo mais melódico, e eventualmente cheguei no Indie/folk.
Imagem por Lucas Moraga
|
- Enigma é o teu primeiro tema cantado na língua inglesa. O que motivou e inspirou essa mudança?
Eu na verdade somente componho canções em inglês, o meu processo de lirismo das músicas é reverso: preciso converter os “blablablas” que cantarolei em inglês, em frases de português que farão algum sentido, e isso é um processo curioso, porque muitas músicas perdem suas essências quando isso acontece.
Enigma era mais um desses casos, que se eu passasse para o português, eu perderia muito do tema, e talvez ela se tornasse um “tema normal”, algo que eu descartaria ao seleccionar as melhores canções do meu novo disco.
Sempre que eu me deparava com esse problema, eu decidia descartar as canções por achar que elas não seriam apreciadas pelo público, já que no Brasil a canção cantada em português tem um impacto super maior.
Mas, Enigma é uma canção tão poderosa que eu decidi ficar firme com ela, e não só mantê-la desse jeito, como também trazê-la para o disco.
- És multi-instrumentista e usas também a voz como instrumento. Qual foi o instrumento que começaste a tocar primeiro e com o qual criaste maior afinidade?
Ah, eu comecei a tocar violão primeiro, mas nunca fui bom nele, talvez por nunca ter estudado. Eu nunca fui muito fã de música com solos-de-guitarra-super-estridentes, demorou muito até eu encontrar referências musicais de guitarras que me agradassem. Hoje em dia eu acho que a guitarra é o instrumento que eu mais tenho afinidade, e não necessariamente por saber tocar bem, porque eu ainda sou super ruim, mas sim porque eu não estou limitado a nenhum tipo de som ou timbre quando toco.
Capa do álbum: Enigma |
- A artwork para Enigma retrata um cowboy solitário. O que quiseste transmitir através dessa imagética?
O grande “Enigma” dessa música é sobre o processo de auto-aceitação de que às vezes você precisa refletir sozinho sobre a sua vida, e que independente do que aconteça, no final tudo vai ficar bem.
Eu não sabia como transmitir essa mensagem visualmente ainda. Quando gravei Enigma no meu estúdio, senti as guitarras, e um clima super western. Ficou óbvio que a imagem seria sobre um cowboy solitário. Eu acho que combinou muito, e vocês?
- Os teus trabalhos anteriores demarcam-se por líricas introspectivas e de cariz sentimental. O que mais te inspira a escrever?
Eu acho que meus trabalhos anteriores tiverem sentimentos diferentes em cada época. Se você analisar todos estamos passando por grandes fases, eu incluso.
Primeiro, eu era um rapaz que estava sempre solitário e cansado da vida, deprimido e de coração quebrado. Esse é o EP Que Bolero (2015).
Em seguida, eu era um rapaz que estava cheio de vontade de largar tudo o que tinha, e viver uma grande aventura. Ter uma vida cheia de histórias para contar. Esse sentimento de querer fazer algo diferente está claro no EP Enchanté (2017).
Hoje, com meu novo vindouro disco, Transitar - 2020, o sentimento é outro: Já passei por todas essas aventuras, vivi e vivo meu maior sonho. E a pergunta que fica é: Como é? Quais as sensações? O que você pode compartilhar sobre isso? Todas essas perguntas, e muito mais questionamentos, que nem eu ainda sei responder, estão nas novas canções.
Acho que a vida é uma narrativa, e eu estou fazendo a minha através de música.
- Como é que tens passado durante estes tempos complicados de pandemia e de que maneira observas e sentes o que se passa no Brasil?
A situação no Brasil é super complicada actualmente, vocês devem saber por aí. Especialmente porque não está acontecendo com a quarentena, pelo menos com grande parte dos brasileiros. Claro… Muita gente ainda necessita trabalhar, isto é, ainda que infelizmente, é completamente compreensível. Mas outros não necessitam, e simplesmente ignoram tudo o que está acontecendo com o mundo agora.
Acho que isso é uma situação educacional, e um super reflexo sobre as actuais acções governamentais, mas é um assunto grande demais para se estender nele.
Existe uma coisa que sempre tento fazer e praticar: O exercício de lembrar que antes de julgar alguém, preciso entender que nem todos têm os mesmos privilégios que eu tenho.
Graças a Deus tenho uma casa, o meu estúdio, e nada me falta por aqui. Estou fazendo muita música, brincando de fazer covers e releituras lo-fi durante a quarentena, além de estar constantemente lançando canções novas.
Infelizmente o sector cultural está completamente parado no Brasil, apenas sobrevivendo de livestreams e coisas do tipo, e que bom! Porque isso acontece com o propósito de consciencializar pessoas a ficarem em casa.
Não acho que a situação vá melhorar tão cedo, então vou fazer o melhor que posso fazer: criar música, e qualquer tipo de arte que possa ajudar de verdade a fazer algum impacto consciente nas pessoas. Essa é a única coisa que posso fazer com minha arte nesse momento.
- Como recordas a gravação dos teus EP’s anteriores, especialmente Enchanté. Alguma recordação digna de nota?
Eu lembro que isso foi algo que me preocupou muito. Eu tinha um setlist inteiro totalmente pronto para o Enchanté. Eram 10 canções que fariam o disco. Gravei-as, depois escutei-as, achei todas horríveis, apaguei tudo, e numa única noite compus as quatro canções que montaram aquele disco. Tentei não pensar muito nisso, porque a auto-sabotagem era uma coisa muito comum comigo no início de carreira.
Gravei as quatro temas, e incluí-os num EP, e deu no que deu. Devo muito ao Enchanté, especialmente temas como “Do Trem”, que explodiram no Spotify na época, e isso me rendeu oportunidades incríveis de shows pelo Brasil.
O processo de gravação de todos foi muito simples, com pouquíssima estrutura, e muita vontade de transmitir músicas sinceras.
Eu tinha uma interface de áudio, um microfone, e bons amigos. Gustavo Mesquita gravou os baixos do Enchanté, e Lucas Bellesi gravou os celos e xilofones das músicas.
- Que outros projectos tens planeados para 2020 que possas partilhar?
Eu tinha uma digressão pela a América do Sul toda planeada, que teve que ser cancelada por motivos óbvios, mas, fora isso, o meu plano segue normalmente: Lançando um single novo a cada 6 semanas, e em alguns meses o meu novo disco verá esse mundo: Transitar. Contendo essas canções que vocês já conhecem, juntamente com algumas inéditas.
Para 2021 eu ainda não planeei nada, porque não sei como as coisas estarão até lá. Acho que esse momento é muito bom para ficar em casa e focar naquilo que no fim do dia é o mais importante: criar arte.
Texto e Entrevista: Cláudia Zafre
Entrevistado: Breno Branches
brenobranches.com
|