songs spirituals
A música de Adrianne Lenker, a compositora de Big Thief, poderia ser um quadro de arte floral. Simples e honesta, bela, tal como ela é. Curiosamente as pinturas das capas dos discos foram realizadas pela sua avó.
Nesta altura que se vive uma crise, é a arte que traz alguma rendição para tempos pesados. A americana lança dois longa-duração a solo produzidos com simplicidade, despidos de grandes produções e plasticidade, ali a sentimos entregue às palavras que lhe saem fluídas e espontaneamente. No refúgio de uma floresta, entre árvores esguias e pássaros cantadores, Adrianne Lenker respirou o seu tempo, anteriormente atrapalhado pela passagem entre cidades no rebuliço das digressões da sua banda.
Nesta paragem, Adrianne escreveu um diário musicado sem grandes pressões, dentro de uma cabine perto de Berkshires, próximo do local onde vive a sua irmã Zoë. Há muito que não pegava na guitarra para tocar sem parar. A seclusão não foi total, no quarto ao lado estaria a irmã Zoe e o seu namorado. Não demorou muito até Adrianne convidar o engenheiro de som Phil Weinrobe para ajudá-la a gravar o disco. Juntos começaram a trabalhar naquilo que se tornou dois álbuns: songs e instrumentals. Utilizou microfones binaurais para capturar a sonoridade envolvente da floresta, nesse mesmo lugar onde habitam esquilos e ouriços, ambiência presente nos álbuns.
Da necessidade de se devolver à natureza, retornou também ao processo criativo que iniciou no começo da sua adolescência, altura em que começou a criar à guitarra. A ideia da sua reclusão não tinha como objectivo gravar um álbum, ou dois, após seis anos exaustivos de Big Thief, estaria à procura de cura, de descanso e de convívio com a sua irmã. Apanhada de surpresa e agradada pela acústica da cabine em madeira, e de algumas folhas escritas que trazia consigo, todas essas circunstâncias acabaram por estimulá-la a experimentar a acústica daquele espaço.
Songs e Instrumentals vivem da dualidade e da contrariedade dos sentimentos e situações que ocorrem durante a nossa existência, vida e morte, apego e desapego, vulnerabilidade e resiliência, e que, indubitavelmente, apelam a uma cura e a um restauro. Segundo as palavras da cantautora a propósito de songs e instrumentals, embora se busque a cura, a decadência faz parte da constante dualidade inerente a todos os ciclos.
Apesar de haver silêncios, espaços, e uma certa delicadeza e fragilidade nos discos, existe também desilusão e negritude nas líricas. Adrianne acredita que traumas, dor e violência podem passar de geração em geração e cada pessoa pode herdar esse passado. Nesse sentido é dever de cada um tornar-se mais aberto e aceitar essas passagens com consciência, como talismãs necessários para terminar essa espécie de maldição para criar uma evolução pessoal. Cada vez mais ciente que cada passo que toma deve ser feito na correnteza da inspiração, o caminho que atravessa fá-la aprender no decurso da vida. Aos 24 casou com o guitarrista de Big Thief, Buck Meek, mas não demorou muito a divorciar-se de braço dado com o agora seu companheiro de banda e ex-marido. Decisões que a fazem mais madura hoje, mais selectiva e determinada nos passos que dá.
Songs e Instrumentals casa com o há pouco tempo lançado Shore de Fleet Floxes, ambientes que parecem habitar o mesmo lugar onde subsiste uma paz natural no caos pessoal de cada pessoa.
Destaca-se a canção comovente Anything. Encontram-se na net vários comentários sobre a beleza do tema, o exemplo de uma força espiritual que com dedilhados e declarações de quem não quer discutir mais procura, apenas, no regaço da pessoa amada, o pleno descanso. Um momento que se guarda com toda a sacralidade.
You held me the whole way through
When I couldn't say the words like you
I was scared indigo, but I wanted to
I was scared indigo, but I wanted to
And I don't wanna talk about anything
I don't wanna talk about anything
I wanna kiss, kiss your eyes again
Wanna witness your eyes looking
I don't wanna talk about anyone
I don't wanna talk about anyone
I wanna sleep in your car while you're driving
Lay on your lap when I'm crying
Texto: Priscilla Fontoura