Como foi o nascimento de
Kaatayra?
Primeiramente, obrigado pelo convite! Eu estava num período da vida em buscar uma melhora
da minha saúde mental e física depois de um período difícil e conturbado. Eu
busquei isso me conectando à natureza. Para ser mais específico: fazendo
caminhadas dentro do mato, trilhas de cachoeiras, me alimentando melhor e
passando mais tempo perto do verde. Isso ajudou muito para eu me sentir melhor.
O Kaatayra surgiu como uma forma de trabalhar essa
superação e todas essas experiências. Às vezes vejo o primeiro álbum como se
fosse uma forma de agradecimento
Eu escrevi as letras antes de fazer as músicas e então
sonorizei elas no formato de Black Metal. Daí surgiu Kaatayra, que é uma palavra
mais ou menos inventada, influenciada pelo Tupi-Antigo que significa “Filho/a
do Mato”.
Toda História pela Frente imiscui
o naturalismo de um Black metal atmosférico com influências tribais,
especialmente na percussão. Como foi o processo de gravação do disco?
Todas os temas eu gravo em estúdio-caseiro com
excepção de alguns instrumentos de percussão que foram gravados na Escola de
Música de Brasília. Esse álbum foi o que mais trabalho me deu e o processo foi
bem stressante, acho que justamente por causa das limitações que existem em
estúdios-caseiros. Utilizei samples de percussão brasileira e algumas gravações
antigas que eu tinha para fazer as partes acústicas.
O segundo álbum eu trabalhei raiva e insatisfação.
Essa raiva foi direccionada ao próprio ser humano e a como ao longo da história
criamos um descaso com a mata, terra, rios e mares a troco de algo que só
alimenta a destruição, doença e desigualdade.
O terceiro álbum tem as letras mais oníricas e acho
que isso o torna o mais psicadélico. Foi fortemente influenciado por
experiências que eu tive ao tomar Ayahuasca e me vislumbrar com a beleza pura e
crua da natureza.
O último álbum é uma esperança que “Toda História Pela Frente” seja uma história de mais proximidade e respeito em relação à natureza.
Em "Só Quem Viu o Relâmpago à Sua Direita" existe uma confluência exímia de
guitarras acústicas e de um folk negro, com uma grande influência tribal e de
raízes brasileiras, assim como até alguns elementos psicadélicos com
apontamento de órgão no segundo tema. As líricas parecem exaltar o regresso a
algo que parece ser puro e inocente. Que regresso quer Kaatayra?
Esse álbum foi feito num período após trabalhos com
medicina indígena. Eu estava no vislumbre pós-trabalho com Ayahuasca. Eu não
tenho crença alguma, pelo menos não uma convencional, mas, talvez, esse regresso
é quase como se fosse algo religioso de regressar à origem de tudo. De
regressar à própria morte que também é o nascimento. Ao mesmo tempo já flirtei
muito com filosofias políticas que propõem o fim do sistema civilizacional e andam à volta do reconhecimento de sermos animais e do que o que nos afasta disso nos
faz mal. A aniquilação das burocracias e do sistema económico e político-social
em que vivemos, o segundo álbum traz isso, então talvez haja essa ideia de
algum tipo de regresso às formas antigas. Foi algo que esteticamente quis
trabalhar no Kaatayra, e como sempre, foi espontâneo e natural.
A cover art de "Só Quem Viu o Relâmpago à Sua Direita" mostra um relâmpago a atingir um ninho. Que conceito
e/ou simbologia se pretende expressar através dessa imagética?
Eu fiz essa capa de forma digital, é uma colagem. Por
trás está uma pintura linda que infelizmente esqueci o título e nome da
artista. O relâmpago não faz parte da pintura original, eu pus em cima, mas não foi proposital que se atingisse o ninho, então não há nada por trás disso.
O relâmpago simboliza um conhecimento, uma Ciência, que está escondida nas ervas,
na natureza. Essa sabedoria que se adquire, é poderosa como um relâmpago,
novamente é uma referências ao sonhos que a medicina de ervas pode invocar.
Kaatayra é em si bastante
intimista e selvagem, no entanto, alguma vez foi pensado uma transfiguração
para os palcos e tocar ao vivo?
Não é algo que eu almejo. Por agora pelo menos, não
tenho vontade de ir atrás disso.
Gostaríamos muito de ver alguns
videoclips para os temas. É uma ideia que está em cima da mesa?
Também é algo que, por agora, não tenho interesse em
fazer, mas acho que é principalmente por causa do trabalho e do tempo que fazer
um videoclip demanda. Sem contar que as músicas do Kaatayra são muito longas,
teria que sair quase um curta-metragem haha.
Kaatayra lançou 3 discos de longa-duração apenas este ano e todos com bastante qualidade. Este ano parece ter sido de inspiração ímpar, a situação em que vivemos de pandemia teve alguma influência?
Na verdade não, o que essa pandemia influencia é no aumento de stress e angústia para ser sincero. Acho que pelo facto de eu captar, mixar e masterizar tudo sozinho acelera muito o processo de lançar os álbuns. Sem contar que também eu não penso muito e fico voltando nas composições, eu permito que os riffs, que foram feitos espontaneamente, sejam os que estarão no álbum, eu penso “Bem, se isso foi o que saiu agora, é isso que tem que estar no álbum.” Mesmo se eu não acho o melhor dos riffs.
Entrevistado: Kaatayra