O documentário de longa duração Joan Didion: The Center Will Not Hold atravessa a viagem que se faz à volta da vida da escritora. O retrato biográfico realizado pelo seu sobrinho Griffin Dunne põe a descoberto as vontades e o caminho que a escritora traçou ao firmar-se no contexto da literatura e do jornalismo.
No desenrolar do documentário percebe-se a ligação entre ambos, um trabalho expositivo que mostra o lugar de Didion no mundo e as tragédias com que, inevitavelmente, se deparou. Ao longo da narrativa vamos percebendo a ligação e o à vontade implícito na relação entre os dois familiares, que, a não existir o laço que os une, não passaria a fronteira do politicamente correcto e não traria à tona os momentos mais sensíveis inerentes à vida de Joan Didion.
Joan Didion: The Center Will Not Hold é montado sem descurar a poética da bolha analítica e reflexiva onde sempre habitou Joan Didion, o espectador é levado a mergulhar nos momentos mais emocionalmente stressantes, passado e presente, com interrupções da sequência cronológica narrativa pela interpolação de eventos ocorridos anteriormente.
Joan Didion cresceu num seio familiar onde ler, aprender e trabalhar em torno da literatura seria o treino obrigatório para um futuro bem sucedido. Facto é que Joan Didion destacou-se com as palavras que colocava nas folhas consideradas refresco em dias que os homens assumiam a escrita nas redacções.
(...) tinha sido treinada, desde criança, a ler, a aprender, a trabalhar, a ir em busca da literatura. Informação era controlo.
- O Ano do Pensamento Mágico -
Nascida em Sacramento, Didion estaria interessada em histórias peculiares, tratava-as sem igual, olhava para as mesmas sob a perspectiva mais neutra e imparcial possível, quando aplicadas em artigos ou reportagens jornalísticas.
Após adquirir o grau de bacharel, a sua mãe encorajou-a a inscrever-se num concurso que acabou por vencer e cujo prémio seria trabalhar na Vogue de Nova Iorque. Não vislumbrava o seu futuro casada, mas a evolução natural da vida adulta trouxe-lhe o que era normal naquela altura, um casamento. Tanto John, também jornalista e um apaixonado pela escrita, quanto Joan queriam muito ter filhos, a dificuldade de Joan para engravidar impeliu o casal a adoptar Quintana Roo Dunne. Não obstante algumas crises por que passaram ao longo do matrimónio, o elo que os mantinha seria a paixão pela escrita, a cumplicidade que os tornara parceiros de caneta.
Sempre a precisar de mudanças geográficas, São Francisco, Califórnia (Malibu), Nova Iorque, essas variações territoriais tornavam-se apoio para os quebra-cabeças dos acontecimentos trágicos que acompanhava enquanto jornalista, como o caso de Charles Manson que seguiu com proximidade. Dias antes tinha almoçado com uma “das discípulas de Charles Manson” que teria passado diante da casa de Didion, talvez mais uma possível vítima do tão conhecido acto de homicídio colectivo Tate-LaBianca.
Apesar do seu olhar analítico e às vezes distanciado, a identidade de Didion sempre se caracterizou pelo carácter introspectivo e pensativo. Na literatura nunca deixou de parte o seu toque mais emocional. Sempre num tom sincero e honesto, Didion admite que o relacionamento com John não era fácil, tinha mau feitio e estava sempre chateado. Quando John falece, talvez por não ter conseguido lidar com a notícia de que Quintana, a filha de ambos, estava hospitalizada por motivos graves de saúde, o seu mundo desabou. Na mesma altura Didion perdeu de vez o seu chão quando o seu marido e filha falecem. Das muitas publicações de Didion, talvez a mais visceral terá sido O Ano do Pensamento Mágico. Ainda que “se escondendo” por detrás de um discurso neutro, Didion não se separa do tom confessional que a faz buscar razões que desconhece e para as quais nunca se está preparado, o luto.
“A dor da perda acaba por ser um lugar que nenhum de nós conhece até o alcançarmos. (…) Podemos esperar a frustração, ficar inconsoláveis (…) Não esperamos ficar literalmente loucos ou ser ‘a mulher calma’ que acredita que o marido está prestes a regressar dos mortos” E conclui: “Nem podemos conhecer, de antemão (e aqui está o cerne da diferença entre a dor como a imaginamos e a dor como ela é) a infindável ausência que se segue, o vazio, o preciso oposto de sentido”.
Didion viveu os loucos belos anos 60 e 70, altura em que o movimento hippie evidenciava-se da cultura ocidental, conviveu com muitas figuras públicas, entre elas: Jim Morrison, Janis Joplin, Harrison Ford, Steven Spielberg e outros realizadores. No entanto a escritora distanciava-se paulatinamente daquela realidade e do próprio mundo, interrogava-se e vivia em constante estado de alerta por não se sentir em parte nenhuma. Entre os percursos profissional e pessoal, o documentário Joan Didion: The Center Will Not Hold reflecte sobre uma notável carreira que nunca ignorou a característica mais importante da sua vida, a honestidade da escrita que a liga aos outros e a si mesma.
Texto: Priscilla Fontoura
Numa Relação Séria com a Netflix: Joan Didion: The Center will not Hold (2017)