KAADA, no período desta pandemia, tem tido uma relação muito próxima com o piano de cauda que comprou há quatro anos. Não se trata de uma relação de domínio, mas de reciprocidade, no sentido em que explora as possibilidades que este instrumento lhe permite. É óbvio que muita dessa exploração acontece pela visão aberta que o músico tem sobre o instrumento. Até Março de 2021, data do lançamento oficial de Misinterpretations, o músico norueguês irá lançar temas que se incluem no álbum que parte da adaptação de temas originais dos grandes clássicos da música clássica para reinterpretá-los e desconstruí-los, alterando as cordas do piano com uma espécie de pastilha/massa elástica (PuttyKit). O músico foi surpreendido pela resposta positiva do público que ouviu o single Lieder ohne Worte, Op. 30, MWV U110: No. 6, Venezianisches Gondellied. Allegretto Tranquillo (Rearranged), original de Felix Mendelssohn, atingindo logo 4300 escutas.
Como surgiu a ideia de adaptar peças de temas clássicos ao piano e alterar o seu som colocando uma espécie de massa moldável (PuttyKit) nas cordas?
Depois de comprar um piano de cauda há quatro anos, quis praticar bastante e melhorar as minhas técnicas de piano. O problema foi, e ainda é, que me sinto sempre um bocado aborrecido com o som tradicional do piano. Quando o preparas, ele responde de maneira diferente. Nem sempre obténs o som que esperas. É como se o piano também te estivesse a tocar, e não ao contrário. Uma parceria. O piano dá mais energia, porque tem de produzir sons que não é suposto fazer. Quando comecei a experimentar com este tipo de sons, tornou-se mais inspirador tocar piano. Além disso, sinto que o som fica mais pessoal e funciona melhor com a minha música e maneira de tocar.
O single Lieder ohne Worte, Op. 30, MWV U110: No. 6, Venezianisches Gondellied. Allegretto Tranquillo (Rearranged), original de Felix Mendelssohn, foi lançado há uns dias e atingiu logo 4300 escutas, achas que a resposta positiva foi devido ao confinamento?
Não sabia o que esperar de números de streaming porque nunca lancei música inspirada em peças clássicas antes. Mas é muito fixe ver que as pessoas estão a ouvir o single. O último update do single é 9000 streams. Não sei se já tive esses números imediatamente após um lançamento.
O próximo single vai sair dia 22 de Janeiro - Gounod - "Funeral March of a Marionette”.
Podes avançar como foi o processo de gravação de Misinterpretations?
Após experimentar vários tipos de preparação, decidi usar o método Heftemasse / Putty-kit. Tinha uma elegância orgânica e peculiar. As pessoas têm-no comparado a um violencelo pizzicato, o que é bastante bom, penso eu. Quando era miúdo, toquei muito piano clássico, mas parei quando tinha cerca de 22. Outro tipo de música, oferecia mais liberdade e achei isso mais tentador e inspirador, sempre que tenho composto para filmes e tocando música improvisada também. Mas sabes, música clássica, pode ser um recreio para o improviso e rearranjos, por isso quando comecei a trabalhar no meu piano, foi natural para mim juntar os dois mundos. O meu amor por improvisação e composição e o meu background mais clássico.
Encontrei uma data de obras-primas antigas que alinhavam com a minha forma de tocar e foi bastante divertido trabalhar nisso. Às vezes, escolhia apenas pequenas passagens da peça e alongava esses momentos numa nova forma. Às vezes, tocava a peça mais ou menos até ao fim. Mas sempre à procura desses fragmentos de música que me emocionam. Se alguma passagem fosse emotiva para mim, eu preocupo-me muito com isso. E retirar também algumas passagens da peça que não gostasse tanto.
Como tens lidado com a pandemia?
Muitos dos meus projectos musicais brotaram nesta altura de pandemia, e este não é excepção. Se o meu trabalho normal como compositor para cinema não tivesse parado em Março, não teria tempo nem foco para compor este álbum. Têm sido dias inteiros com o piano, a praticar e a gravar desde a manhã até ao fim do dia. Sem parar. Existe uma serenidade na música, que achava que não tinha, e que nunca teria encontrado se o mundo lá fora não tivesse parado.
Entrevista: Priscilla Fontoura
Entrevistado: KAADA
Tradução: Cláudia Zafre