O género documental nem sempre foi muito bem "tolerado" pelos espectadores de cinema mais comercial e de entretenimento, talvez porque uma das suas raízes fundamenta-se, (embora a multiplicidade das formas de fazer documentário dificulta uma definição clara sobre o mesmo e as suas fronteiras não são estanques), no princípio da reflexão e de uma realidade que visa dar a conhecer as coisas do mundo e do seu funcionamento.
Have you Seen the Listers, cartaz
Eddie Martin realiza o documentário muito suportado em imagens de arquivo registadas pela família Lister. A narrativa revela os momentos mais criativos e obsessivos de Anthony, a sua dinâmica familiar e as fases por que passaram. Um documentário muito intimista que não esconde os dramas vividos pelo casal e pelos filhos, as resiliências que o fizeram ir à busca do seu reconhecimento. Anthony durante a fase de expansão do seu trabalho artístico contou com o apoio da sua mulher que o convenceu a ir para Nova Iorque firmar o seu espaço internacional, ao ponto de abnegar a sua própria vida também de artista para cuidar da família que ia crescendo rapidamente. Com 3 filhos, uma casa para gerir e uma vida familiar para cuidar, Anthony, embora relacionando-se com muita cumplicidade com a sua mulher e (até à época em que estiveram casados) melhor amiga, traiu-a e colocou em causa qualquer estrutura que poderia manter a família unida, situação que arruinou o elo tão interessante e bonito.
Have you Seen the Listers? é um conto angustiante da ascensão à fama artística do artista nascido em Brisbane, de uma linha que atravessa os primeiros momentos familiares felizes a um estilo de vida muito instável, crises, drogas e uma separação esmagadora.
Have you Seen the Listers? não se esconde atrás da superficialidade de uma biografia que se pretende bonita, traz à superfície os traumas presentes na vida do artista de rua, que veio de uma família desestruturada com carências afectivas causadas pela ausência do pai. Trata-se tanto de paternidade e vida familiar, assim como de explorar a sua ascensão de artista que passa da conservadora Austrália para Nova Iorque, desafiando os códigos da arte e deixando a sua marca nas galerias e na rua. Anthony mostra a sua liberdade criativa, frenética, alheia à realidade muito focada nos seus desenhos, mas exibe também a sua incapacidade em manter uma vida familiar saudável sujeita a colapsos graves que jamais podem ser superados. Um artista ligado intimimamente ao gesto da arte, mas sujeito à própria condenação corrompida pela ascensão.
O documentário leva-nos à reflexão sobre a importância da vida, insurge-se então a questão: será apenas importante o que fizemos com a vida, ou será, sobretudo, o que fizemos com quem se sacrificou por nós?
Texto: Priscilla Fontoura
Numa Relação Séria com a Netflix: Have you Seen the Listers? (2017)