Roça Nova é mais do que um grupo musical, é um colectivo que acredita firmemente no poder de trabalhar em conjunto e na expansão de consciência através da espiritualidade. Hoje, dia 22 de Janeiro, lançam o seu álbum de estreia, Tramoia, composto por 10 temas de "caipigroove", um termo que designa a fusão entre rock psicadélico, sons caipira e ritmos de inspiração afro-latina.
A banda acredita na expansão e abertura da consciência que tem e terá como cerne emoções positivas como o amor, que se torna uma força opositora e de resistência a crises, sejam elas políticas, ambientais e/ou sociais.
Roça Nova é uma banda jovem, mas com um ethos desenvolvido e francamente implantado tanto no som da banda, como na própria imagética.
Como é que se deu a origem de Roça Nova?
A banda surgiu no final de 2019, quando eu conheci o Marco Maia (guitarrista), e começámos a tocar juntos nossas composições aqui em Juiz de Fora. O Hector (baixista), que já era um grande amigo e parceiro musical do Marco há muitos anos, depois de assistir uma apresentação nossa, demonstrou interesse e entrou para o projecto.
Daí para a frente, por iniciativa minha, iniciou-se uma aproximação gradual entre os dois e os meus antigos amigos e parceiros musicais João (bateria e voz) e Bernardo (percussão), que, assim como eu, são nascidos em Manhuaçu. Hoje a Roça Nova é um colectivo independente, e contamos com mais pessoas na equipe: o Victor Miranda (marketing), o Lucas Machado (produção audiovisual), Gabriel Barbeto (curadoria), a Ana de Castro (redacção) e o ATM (artes visuais).
A origem do nome da banda
O nome Roça Nova vem da junção da cultura rural com a possibilidade de experimentações.
A palavra “roça” vem naturalmente se ressignificando ao longo dos anos e hoje, além da velha definição de um espaço destinado ao cultivo rural, também se refere aos “interiores” do país como um todo, e às características culturais do interior em si, por vezes em conotações negativas, por vezes em conotações positivas.
“Você é muito da roça”, ou “isso é muito da roça” são frases que ouvimos frequentemente nas metrópoles aqui do Brasil. Nós buscamos assumir essa identidade, deixando para trás a velha condição de um interior limitado, usando os estilhaços da revolução digital a nosso favor. Buscamos produzir o nosso som de forma independente, nos conectando com o nosso público e com os demais interiores, de onde sempre surgiram artistas tão incríveis nas mais diversas áreas. Acreditamos na possibilidade de sermos ouvidos pela metrópole e estabelecermos esse diálogo, que antigamente era unidireccional, o centro falava e o interior captava. Hoje, também podemos e precisamos falar.
Gravaram o disco de estreia numa roça. O que motivou essa escolha? E que momentos mais marcantes recordam da gravação do álbum?
Vejo dois motivos principais. A princípio, já tínhamos a intenção de pré-produzir o disco naquela roça, que é o lar do nosso baterista João Manga, e por muitas vezes serviu de refúgio imersivo para a articulação dos nossos projectos, se tornando um local que faz parte da nossa história.
Além disso, o Brasil foi um dos países onde a pandemia pela COVID-19 acometeu mais vítimas no ano de 2020, um processo muito triste e grave que derivou, principalmente, da negligência do nosso presidente e seus ministros. Por isso, a imersão ter sido realizada na zona rural, favoreceu um isolamento colectivo absoluto, seguindo as orientações da OMS, de modo a evitar aglomerações e prejuízos sociais.
Imagem por Vitória Dantas |
O vosso som mistura raízes regionais com um som mais psicadélico e sempre adaptado ao contemporâneo. Como é que ocorre normalmente o processo de composição?
Nós cinco somos compositores, e quase todas as composições deste álbum são mais antigas do que a própria formação da banda, assim, acredito que os processos de composição tenham sido bem diferentes, reflectindo o início da formação musical de cada um de nós.
O interessante é que, mesmo assim, observamos tantas semelhanças, o que eu acredito que se deve ao facto da existência de tantas referências artísticas e vivências que temos em comum. O resgate das nossas raízes num geral é um interesse que todos nós temos, porque acreditamos na importância sócio-cultural desse processo em contraponto aos reflexos imperialistas, e a adaptação do som ao mundo contemporâneo; é um processo natural para nós que vivemos o presente como uma experiência contínua em constante transformação.
As líricas têm um cerne poético, mas também um lado de consciencialização. Que temas, ideias mais vos interessa passar nos vossos temas?
Nós buscamos estimular o nosso fortalecimento psíquico, cultural e espiritual, e percebemos que isso acaba reflectindo nos nossos amigos e ouvintes de uma forma positiva, com muita fé na própria existência e tomando o amor como ferramenta base.
As nossas músicas são de resistência frente às crises culturais, políticas e ambientais que hoje se espalham pela América Latina. Nós buscamos inspiração na observação do quotidiano e da natureza, na interpretação dos sentimentos e na colectividade.
A arte de capa é colorida e evoca um certo elemento surreal. Que conceito pensaram primordialmente para a capa?
A imagem de capa é composta por nove quimeras, representativas de cada uma das nove faixas do álbum. Elas são formadas por retalhos de elementos e texturas característicos da fauna, da flora e da cultura do interior de Minas Gerais. Os recortes identitários, organizados como estruturas orgânicas, são adornados com acessórios típicos e instrumentos musicais, como a personificação de seres vivendo em colectividade. A paleta cromática é oriunda das cores citadas pelo João na letra da música “Alma de Gato”.
O artista responsável por toda a arte do álbum física é um grande amigo e incentivador do nosso colectivo, que prefere se identificar como ATM (Artemutreta), e o surrealismo é para nós uma forma de interpretar e principalmente viver o mundo, o que se reflecte em nossas criações.
Canto de Rudá é um tema cuja lírica assenta por vezes em rimas e com um contexto que pode ser interpretado como espiritual, na medida em que existe uma narração de “abertura” das portas da percepção. Como é que lidam com a espiritualidade na vossa música e no dia a dia?
“Canto de Rudá” coloca a mortalidade do homem no centro de uma especulação filosófica, em contraste com o carácter imortal que as suas criações podem adquirir, e sugerindo a própria manifestação artística como solução para as adversidades mortais.
Isso é, de certa forma, intangível, assim como o fato de acreditar que a minha experiência com alucinogénios tenha uma relação directa com um desenvolvimento empático e emocional. Talvez essas sejam formas de lidar com a espiritualidade na música e na vida, a poesia é um instrumento de redenção.
Que músicos ou bandas mais vos influenciaram e continuam a influenciar aquando da gravação de Tramoia?
Cada um traz a sua bagagem, mas num geral temos como referência o tambor mineiro universal de artistas como Maurício Tizumba e Marku Ribas; o jazz mineiro do Clube da Esquina; o manguebeat de Chico Science & Nação Zumbi; além de projectos mais recentes como Metá Metá e BaianaSystem.
Banda: Roça Nova