Álbum: Misinterpretations Músico: KAADA Lançamento: 5 de Março, 2021 Género: Clássico e Minimalista Misinterpretations , KAADA O isolamento ...

Não é herético colocar pastilha nas cordas de piano para desconstruir composições das efígies da música clássica, quando é KAADA que o faz

Álbum: Misinterpretations
Músico: KAADA
Lançamento: 5 de Março, 2021
Género: Clássico e Minimalista

Misinterpretations, KAADA

O isolamento intimista de KAADA é também o nosso. O músico anuncia o primeiro álbum tocado apenas a piano. Uma reciprocidade emocional (que se faz sentir) atinge-nos quando ouvimos Misinterpretations: o novo disco de KAADA. O músico apresenta, muito criativamente, reinterpretações e adaptações de composições de Edvard Grieg, Mendelssohn, Schubert, Gounod, Chopin, Satie, Debussy e Beethoven.

Sente-se toda a respiração de KAADA enquanto Misinterpretations é registado. O respirar do músico norueguês é tão vivo quanto os silêncios transitórios entre notas que correm qual curso de um rio, distribuído em 13 temas dos virtuosos da música clássica. KAADA não só os reinterpreta como também os desconstrói, alterando a estética sonora do piano de cauda e cujas cordas foram preparadas com Putty Kit, uma espécie de pastilha elástica com cola. A imersão que se atinge apenas a um piano mergulha numa intencionalidade cinematográfica, em que se poderia imaginar um homem fantasma retido numa casa deixada ao abandono, com móveis tapados com pano branco e que faz ressuscitar as efígies da música clássica. Nestas reinterpretações sente-se o pó, a tristeza, o isolamento e a sensibilidade. KAADA é o fantasma que habita a casa, no lugar do legado exploratório da perda e do amor que ficou, em que se engloba a grandiosidade da existência dos grandes músicos e compositores, musicado por uma estética sonora diferente que consiste num som menos sustentando e preenchido, mas mais peculiar e refinado com um carácter distinto. Como um invólucro sónico estranhamente silenciado, em comparação, quase como um belo pizzicato de violoncelo.

Se estas composições de séculos passados estivessem perdidas na passagem do tempo, os humanos, os que vivem hoje, não teriam a oportunidade de encontrar a beleza que estes músicos sensíveis deixaram como legado, carimbadas como as maiores obras da música transversais e intemporais da história da arte. Nesse sentido, KAADA ao reinterpretar, por exemplo, Prelude - Raindrop Op.28 n.15 de Chopin fá-lo com toda a sacralidade e nobreza, no seu tempo e na condição de intérprete e criativo. 

"Há uma longa história de tocar piano a solo, e estas peças foram gravadas na perfeição antes de mim.", afirma KAADA, "Os álbuns a solo são difíceis porque são despidos e transparentes. Mas feito através de uma lente confiante e concisa, acredito que pode ser feito.".

        

KAADA avança no comunicado de imprensa, "Sinto que este som de piano com cola adapta-se à minha maneira de tocar. Quando o descobri, foi como se eu tivesse encontrado uma conexão directa entre os meus dedos e o som. Com o Putty-kit (Heftemasse, skoletyggis, Sticky tack) em todas as cordas, eu não estava apenas a tocar piano, mas o piano também me tocava. Fui muito inspirado, comecei então a vasculhar a minha biblioteca de partituras clássicas. Lentamente, construí um repertório de canções que se adequaram ao meu estilo de tocar e ao Putty sound.".

É facto que as adaptações contemporâneas de composições clássicas para piano não são novidade, como se reflecte na constante abundância de gravações com arranjos de composições clássicas famosas. No entanto, é exactamente isso que Misinterpretations deixa para trás, dedica-se à rearmonização, preparação de instrumentos e novas interpretações de famosas melodias clássicas de piano. O que distingue este álbum dos outros é a maneira característica de tocar de KAADA, os seus re-arranjos e um som de piano muito incomum, semelhante a um violoncelo pizzicato.

imagem: Observatoriet

"A maior parte da música que fiz foi acompanhado com bandas, e produzido em computadores - o que é algo que eu gosto. Mas cheguei ao ponto em que queria experimentar novas coisas, talvez para me manter inspirado enquanto compositor.", sublinha KAADA. 

Misinterpretations foi gravado durante os quatro meses de Outono de 2020 no estúdio Wrongroom. Para a gravação, KAADA preparou-se devidamente com música escrita e ensaios ao piano que duraram intensos longos sete meses. Os arranjos não foram anotados e cumpridos ao rigor, KAADA permitiu-se à liberdade sem regras pré-determinadas, transpondo motivos dessas composições clássicas para uma linguagem pessoal de textura e tom.

O músico explica que "a maior parte do álbum foi gravado durante a noite, e acabei por tocá-lo num tempo mais lento do que tinha planeado. Foquei-me nas partes que mais gostava das composições originais, e reconstrui-as. Às vezes, o alongamento continuou por 4 minutos, às vezes eram apenas algumas barras. Então tentei fazer os melhores momentos durarem. Extraindo as falas que me ligaram, emocionalmente. Construindo uma nova forma e composições baseadas nisso.". 

O desempenho de KAADA é distribuído com equilíbrio entre o pessoal e o tradicional com uma facilidade impressionante. KAADA acrescenta que "cada tema foi gravado provavelmente umas 100 vezes. Eu estava à procura daquele lugar onde o núcleo da composição ressoasse com perfeição com o som da cola e da minha performance."

KAADA toca delicadamente dedo a dedo no seu Bechstein, adicionando uma textura muito intimista e contemporânea a composições clássicas europeias conhecidas, transpondo motivos e traduzindo-os numa linguagem e estilo de jogo pessoais improvisados. E com um som de piano especial como um conceito persuasivo que dá uma nova vivacidade às velhas obras-primas. KAADA é o fantasma que traz vida aos mestres da história da música clássica. E nada desse encanto soçobra. Pelo contrário, vive do silêncio, da lentidão, da leveza e da respiração. 

Texto: Priscilla Fontoura