Género: folk
Autor: Old Jerusalem
Disco: Certain Rivers
Lançamento: 14 de Maio de 2021
A velha Jerusalém encontra-se, infelizmente, e mais uma vez, a passar pelo conflito aceso, enquanto revive traumas passados por força das explosões. A História fala de templos destruídos, outrora construídos e erguidos por motivos espirituais. Não é dessa velha e antiga Jerusalém que vamos falar, desse epicentro que continua a separar possíveis primos com ADN partilhado, o nome Jerusalém, não pode, todavia, ser ignorado sem se fazer ponte para o que acontece neste presente, não fosse também dia 14 de Maio a data em que se assinala a declaração da independência do Estado de Israel, data que continua a ser causa de ódio para uns e cumprimento de um sonho para outros, um momento histórico controverso; mas, este mesmo dia, é, também, marcado pelo lançamento do novo disco de Old Jerusalem intitulado Certain Rivers.
Faz-se o regresso a certas margens com Certain Rivers, nessa mesma corrente, em que se mesclam águas frias e quentes, fluem também emoções, servindo de exemplo Youth Grandeur que tanto remete para temas mais introspectivos de Dinosaur Jr. e Kurt Vile, para essa ingenuidade intemporal que permeia ambos uniformemente.
High High up that Hill foi o single de antecipação apresentado no final do ano passado, gravado em colaboração com o americano Peter Broderick que salvou a canção descartada há anos por Francisco Silva. Low Hum of Change poderia ser confundido com um tema de Mark Lanegan, cada frase é terminada quase com o oxigénio esgotado, mas subsiste uma força que consegue cantar a próxima, um tema curto mas talvez um dos momentos mais altos deste disco.
Old Jerusalem já atingiu a maioridade, soma duas décadas desde que foi criado. Neste regresso, Francisco Silva lança um disco que se adaptou à estratégia, quase forçada, motivada pelo distanciamento físico, assumindo uma conduta mais solitária e simplificada tanto nos arranjos, como também nos processos de trabalho e comunicação.
Sente-se paz assim que se ouve o disco. Ainda que o processo de composição possa ter revivido momentos pautados por conflitos existenciais levantados pela nostalgia, a sua materialização mostra um resultado maduro bem resolvido, tal como reflecte o último tema homónimo que fecha o ciclo numa corrente pacífica e instrumental, volvendo-se às margens de certos rios.
Os dedilhados contidos em ritmo, tocados nos volumes certos, suportados em letras que aspiram à juventude naïve - vivida sob a premissa carpe diem - contemplam o significado da soma da passagem dos tempos. Certain Rivers remete para uma certa introspecção como Blue de Joni Mitchell, veio em contraciclo e menos despojado de camadas e variáveis.
O nome do disco parte de um verso de Czeslaw Milosz, Nobel da Literatura de 1980: “Quando sofremos regressamos às margens de certos rios”. A Lament invade quem o escuta, os graves da voz de Francisco Silva preenchem toda a paisagem como se fosse uma poesia pastoril. São canções curtas, a voz e a guitarra, com poucos arranjos, é um disco transversal às estações, passa pelo e entre o tempo, enaltecendo assim a vontade de se regressar ao conforto de certas memórias fundacionais.
Recorda-se o Festival para Gente Sentada e tudo o que o mesmo significa. Que esses tempos possam voltar. O disco será apresentado ao vivo a partir de Julho, assim se espera se tudo melhorar. Francisco Silva estreou-se em 2003 com April e desde então foi editando discos com regularidade.
Esta Jerusalém é diferente: flui com abundância em águas pacificadoras. Que essa paz se faça sentir o quanto antes na Jerusalém física.
Texto: Priscilla Fontoura