Palavras-chave: pneumónica, 1918
Introdução:
Seria impensável imaginarmos uma epidemia que se alastrasse pelo mundo fora, julgávamos este tipo de tragédias fechadas na história. Mas o tempo passado deve servir de aprendizagem para o presente. A ciência revelou que ainda está aquém de conseguir actuar perante o desconhecido, mesmo que seja a tábua de salvação para que mais mortes não sucedam. A esperança que a pandemia termine deveria ser, em termos práticos, uma vontade global, e para que isso aconteça a responsabilidade não cabe apenas aos funcionários da saúde.
Neste último ano falou-se da pneumómica de 1919 (comummente conhecida por gripe espanhola) para comparar o que a mesma provocou e entender de que modo poder-se-ia travar a transmissão do coronavírus mais cedo do que se antevia, mas em termos comparativos a análise possível reflecte que as condições de vida seriam bem diferentes e os recursos também. Chegou-se à conclusão que a dificuldade em liquidar a transmissibilidade do vírus é mais difícil do que se pensava.
De Shiele, Klimt e Apollinaire
O tema de hoje aborda autores que faleceram durante a gripe espanhola. Egon Schiele e a sua mulher, Gustav Klimt e Guillaume Apollinaire, perderam as suas vidas, em 1918, devido à gripe espanhola - como se não bastassem as agruras que a I Guerra Mundial causou. Os austríacos Klimt e Schiele não só foram amigos de profissão como mudaram o carril da pintura, uma vez que utilizavam, sem reserva, a nudez e o erotismo como motivo para os seus quadros - nessa altura, devido ao conservadorismo presente na Europa, os pintores foram vistos como hereges da arte. Ao passo que Klimt retratava a sensualidade das mulheres da elite de Viena no seu apogeu, Schiele, por sua vez, e quase 30 anos mais novo, caiu nas bocas do mundo pela forma como representava o corpo humano. Os dois pintores faleceram em 1918.
Egon Shiele, Gustav Klimt no seu leito da morte, 1918 |
A 7 de fevereiro de 1918, o artista Egon Schiele, com apenas 27 anos, considerava Klimt a sua grande inspiração. Mas, das muitas visitas feitas, Schiele, desta vez, teve que visitar o necrotério de Allgemeines Krankenhaus, o Hospital Geral de Viena, para fazer desenhos de Klimt que no dia anterior morrera de um derrame que muitos historiadores acreditam ter sido causado por uma gripe. A visita de Schiele resultou em três desenhos assustadores da cabeça de um Klimt falecido, mostrando o seu rosto deformado pelo derrame. Klimt teria sido vítima de um AVC seguido de uma infecção pulmonar que complicou após contrair a gripe espanhola, um pouco mais tarde. Naquele mesmo ano, Schiele começou a trabalhar na pintura intitulada "A Família" que deveria ser um retrato dele mesmo, da sua mulher e do seu futuro filho. Mas antes que pudesse terminar a peça, a sua esposa, que estava grávida de seis meses, morreu de gripe. Três dias depois, a vida de Schiele também foi roubada pela gripe. Essa mesma data é marcada pelo final do Império Austro Húngaro com a derrota na I Guerra Mundial. O Poeta Francês Guillaume Apollinaire morreu jovem, com apenas 38 anos, de vítima da gripe espanhola. Apollinaire foi um dos poetas mais importantes da vanguarda francesa.
Durante um século, as obras dos dois mestres Schiele e Klimt são figuras centrais na colecção da Neue Galerie New York e definiram a criatividade fértil que caracterizou o chamado “alegre apocalipse”, um termo para indicar o declínio do domínio dos Habsburgo.
Klimt foi o principal representante da arte nova austríaca (art nouveau), e foi líder da Secessão Vienense, nome dado à associação de artistas plásticos em Viena no final do século XIX e início do século XX.
Pintura Explicada: "Morte e Vida"
Klimt começou a trabalhar nos desenhos "Morte e Vida" por volta de 1908, e completou a pintura em 1915. O pintor usava padrões e símbolos semelhantes aos da sua Fase Dourada.
|
À esquerda está a figura da morte, uma caveira com um corpo estampado com cruzes e as mãos empunham uma clava, que lembra um castiçal de igreja. À direita está a vida, com sete corpos de mulheres adormecidas, um homem e um menino envolvidos por uma colcha decorativa com flores de cores vivas que lembram a marca das pinturas de jardins que Klimt fazia.
Edvard Munch foi também acometido pela gripe espanhola, mas, felizmente, superou-a. O pintor norueguês encontrou também inspiração na doença. Do resultado dessa inspiração incluem-se "Autorretrato Com a Gripe Espanhola" e "Autorretrato Após a Gripe Espanhola", são detalhes e registos da sua própria experiência aquando da contracção e sobrevivência à doença. Essas pinturas, caracterizadas pela obsessão de Munch com o drama existencial, falam de sentimentos de trauma e desespero que se espalharam a meio de uma pandemia que matou pelo menos 50 milhões de pessoas. “Doença, insanidade e morte ... vigiaram o meu berço”, disse uma vez o artista, “e acompanharam-me toda a minha vida”. Resumindo e concluindo: que esta pandemia exerça efeitos positivos para a reflexão existencial de cada um/uma, e que a arte seja um desses condutores.
Edvard Munch, Autoretrato com a gripe espanhola, 1919 |
Artistas que faleceram durante a pandemia de 1918. Clicar aqui.
Texto: Priscilla Fontoura