Do Porto a Braga, são os Sereias o motivo que nos leva à Roma portuguesa, à cidade de António Pedro Ribeiro e da sua mãe. Com o pé no acelerador, tenta-se cumprir a lei, mas, também, chegar a tempo do concerto. Sair do tédio, após a semana de trabalho, é a agenda. Há uma porta que separa o auditório pequeno do corredor de um dos andares subterrâneos do Theatro Circo.
Todo o imaginário acontece nas nossas mentes permeado pelas letras vociferadas pelo vocalista de Sereias e pelos instrumentos que acompanham o cenário dantesco que nos leva ao inferno de Bosch. Nunca se transita para o purgatório ou para o paraíso. APR representa, aqui, a voz da revolta e da consciência sobre o estado de um país em queda moral e ética, que se reflete nas notícias que nos são transmitidas em loop: a TAP, o Governo, a dona de casa que vai presa porque em desespero mata o marido que a tortura à paulada todos os dias, o senhor que nunca consegue a reforma antecipada com desculpas esfarrapadas mascaradas de decretos-lei comunicadas pela Segurança Social.
Os Sereias lembram a reunião de tipos outsider que andaram numa escola artística e juntaram-se para a catarse. Já que as cartas registadas à Assembleia não têm resposta, que seja o microfone e a amplificação a ecoar toda a corrosão de estados de alma. Todos os Sereias transmitem tanto visual como musicalmente o estado de um país, da cultura à ciência, da economia ao direito, a caminhar para o abismo. Todos os dias lê-se desinformação vinda dos média, dos tipos amorais que apontam o dedo, que nos dão fake news, cometem plágio, são até agressores que falam de violência doméstica e p# da TV que instrumentalizam o feminismo, sendo as primeiras a praticar bullying contra as mulheres e pactuam com os opressores.
Precisamos destes Sereias frente à Assembleia da República a representar o povo inerte à constante hipocrisia perpetrada pelos governantes deste país e seus empresários, e a dar uma abanão aos políticos correctos que fazem música. Este país que mais parece um poço defecado pelo diabo educa uma sociedade zombificada. Os Sereias nadam no fundo do mar à espera da erupção de um vulcão adormecido que dá sinais pelos seus tremores de terra. O canto dos Sereias não chegou a todos os ouvidos durante o concerto de ontem. Uma sala bem composta mas um público um tanto adormecido e pouco reactivo.
Só há uma afirmação de APR com a qual não posso concordar, o mal não é o dinheiro, são as pessoas. Quando se acabam as folhas, terá o poeta APR algo mais a dizer?
Esperamos que sim!
Texto: Priscilla Fontoura
Imagem: Sandra Correia, telemóvel
Concerto: Theatro Circo - Pequeno Auditório, Sereias, 20 de Janeiro, 2023