Imagem: Carlos Lowenstein |
Não é verdade que a música que se criava há duas, três ou quatro décadas era melhor. Talvez fosse mais fácil aceitar as preferências das rádios e de outros canais de difusão que colocavam bandas no centro dos holofotes em detrimento de outras. E talvez, caras associadas à divulgação de música levavam melómanos a consumi-la por confiarem nas sugestões desses especialistas. A máquina era pensada de outra forma e nem sempre chegava aos ouvintes com o imediatismo de agora. Hoje, sabemos que a partilha online é imediata, mas também mais efémera. Todos são produtores, promotores e criadores, as funções mesclam-se na era da cultura democratizável.
Talvez seja também mais difícil ouvir algo que nos faça vibrar por carecer de peculiaridade. Mas a sede de outras sonoridades é saciada quando discos conseguem modelar as expressões faciais. Os americanos Lifeguard são um desses casos. A banda que podia fazer parte do clã Stranger Things, inspira-se no garage, pós-punk, indie rock desconstruído dos anos 90, enfatizado pelos Sonic Youth, para criar música que suscita interesse. De um lado Kai Slater canta melodias e toca a guitarra retro conturbada, do outro Asher Case marca o ritmo com palavras e baixo e ao centro Isaac Lowenstein marca o tempo com batidas intensas. A energia vai alimentando a evolução de uma banda que ainda é recente, mas com todos os nutrientes necessários para lançar discos que necessitamos de juntar à nossa playlist.
O baixo propulsivo de Case e a bateria intensa de Lowenstein alimenta a euforia colectiva, própria de jovens idealistas que vêem nos palcos, estúdios e pessoas à sua volta a sua libertação. Como alguém disse, é como se Sonic Youth e Drive in dessem à luz um filho. Ou uma filha. E Alarm marca esse momento. Esta estranha relação intergeracional que liga gerações diferentes, as mais novas, que muito ou pouco sabem sobre a vida, depende da idade com que se depara com tragédias anti-natura, aos mais velhos, com experiência sobrelotada com memórias, só é possível pela magia que a música tem. Uma coisa é reveladora, as influências são essenciais para o género de música que os Lifeguard fazem. O trio não pretende ser um arquivo musical que traz à superfície a imitação de guitarras underground de décadas passadas, pelo contrário, é o produto de uma comunidade que traz uma nova roupagem alicerçada ao revivalismo do rock de 90.
Dive |
No álbum de estreia Dive, os Lifeguard apresentam linhas de baixo que poderiam animar até temas pós-punk mais sombrios, uma bateria apaixonada que aumenta a tensão até ao ponto de ebulição e guitarras ferozes tão saturadas de distorção que se espalham pelas salas. Unfold é sem dúvida o tema que mais chama a atenção pela brincadeira rítmica que o trio cria e Fishnet volta a Sonic Youth como referência maior, mesmo que não seja consciente. As referências de Lifeguard vão de Tortoise, Fugazi a Unwound - bandas que nasceram sem nenhum membro de Lifeguard existir ainda. Contudo, o adn poderia justificar a tendência para o tipo de sonoridade, uma vez que o baixista e vocalista Asher Case é filho de Brian Case (Facs) que comentou com Munaf Rayani de Explosions in the Sky que a incursão do seu filho na música foi por vontade própria e influência de amigos. Verdade seja dita, Dive transparece a exploração de três miúdos com curiosidade para desbravar novos caminhos e cuja pegada é mais transformadora e ousada ao rock do género feito em décadas passadas.
O mais recente trabalho resulta de um esforço colectivo. 17-18 Lovesong fica no ouvido por tempo indeterminado, aparentemente inspirado por relações desfeitas e por uma profunda autorreflexão. O tema esboça um misto de sentimentos sincronizados por um pós-punk que pede um passeio de bicicleta acelerado. A compilação de dois EPs, Crowd Can Talk, lançado ano passado via Matador, originalmente editado pela Born Yesterday, e Dressed in Trenches, uma colecção de cinco temas, lançado a 7 de Julho, gravado no estúdio Electrical em Chicago, pelo engenheiro de som Mike Lust, é a nossa recomendação para escuta e salvação para um metro apinhado de gente. Lifeguard mostra que a cena juvenil de Chicago encontra-se de boa saúde.
Texto: Priscilla Fontoura